“Oh, pedaço de mim! Oh, metade arrancada de mim,…”, diz a letra de uma música de Chico Buarque, talvez a que mais me afeta emocionalmente.
Seu tema é a saudade.
Saudade que ele encontra várias formas de descrever, todas metaforicamente perfeitas, todas dolorosamente profundas. Saudade de coisas perdidas ou que se deixou de buscar ou acreditar. Saudade do que nos foi tirado inesperadamente, ou que, por mais que nos pensássemos resignados, nada é capaz de consolar.
Mas amores perdidos o tempo pode curar! E, hoje, já não são tantos os amores sinceros, que preconceitos e tolas tradições ainda teimem em separar.
É quando se encontra um desses amores que a gente entende o real sentido da vida e passa a vivê-la com uma intensidade que exterioriza luminosidade, que gera semente, que às vezes frutifica em mais vida e luz. É quando uma mãe dá à luz, e um pai acalenta ambos.
Nesse momento, deixamos de ser apenas andarilhos na vida, para sermos guias e, até, caminho para nossos frutos.
No ciclo da vida, que é qual uma infindável corrida de revezamento, pais entregam vida aos filhos, e estes aos seus descendentes, num círculo virtuoso que ninguém jamais desejaria ou sonharia em ver interrompido.
Nascemos, crescemos e tentamos aprender um pouco do mundo, da alma e de seus mistérios, antes que nosso tempo se esvaia e sejamos apenas lembrança, quem sabe saudade.
Quando isso é natural, fica mais fácil entender a perda de um ente querido, de um amigo “do peito”.
Uma longa vida que se encerra toca nossa alma, mas a ciência de que outras vidas dependem da nossa nos motiva a buscar forças para recobrar o alento e prosseguir, para dar mais valor ao tempo e quem amamos.
Daí, ser pai foi algo que me tornou um ser humano melhor, apesar de todas as minhas limitações e defeitos renitentes. E a simples sensação de deixar essa condição me aflige de forma visceral.
Creio que ninguém jamais estará preparado para isso, e que só uma força sobre-humana poderá superar tal perda.
Por isso, toda vez que vejo quaisquer pais, famosos ou não, amigos ou não, chorarem a morte de seus filhos, isso me afeta no mais profundo da alma, e sempre me faz lembrar a música de Chico, que em sua mais aguda e definitiva comparação, resume que: “… a saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.
Talvez não haja dor pior ou maior na existência humana!
Mas, a essa lembrança sempre vem juntar-se outra, a das palavras cantadas de Renato Russo, quando afirma: “É preciso amar as pessoas, como se não houvesse amanhã. Porque se você parar para pensar, na verdade, não há!”.
Sim, o amanhã é incerto! Mas não se pode viver pensando que não haverá amanhã. O ideal e necessário é viver bem e plenamente cada dia.
Quem sabe assim, a saudade de tempos e gentes seja mais amena, menos dorida, e a vida possa prosseguir, com a certeza de que ainda há campos e vidas a semear.
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras