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ENTRE TAMBORES E CÂNTICOS

Depois do silêncio, o que mais se aproxima de expressar o inexprimível é a música.

Aldous Huxley

Margarete Hülsendeger

A música e a dança são elementos intrínsecos às práticas religiosas em diversas culturas ao redor do mundo, desempenhando um papel fundamental na conexão espiritual, na adoração aos deuses e na celebração da vida. Nas religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a Umbanda, essas formas de expressão alcançam um destaque singular, moldando a experiência religiosa de forma profunda e significativa.

Nos terreiros de Candomblé, a música dos atabaques e o movimento dos corpos são meios de comunicação com os Orixás, as divindades veneradas nessa tradição. Os atabaques – tambores sagrados de origem africana – são instrumentos essenciais nas práticas religiosas afro-brasileiras. Cada ritmo corresponde a um Orixá específico, e o toque dos tambores é considerado uma forma de invocar a presença divina durante as cerimônias religiosas.

A influência dos instrumentos musicais nessas práticas religiosas vai além do aspecto sonoro, estendendo-se ao próprio significado simbólico atribuído a cada instrumento. O agogô – instrumento de metal composto por duas campânulas – é frequentemente associado à figura de Ogum, e serve para marcar o ritmo e conduzir as danças em honra a este Orixá. Já o xequerê – espécie de chocalho feito com cabos de madeira e uma cabaça coberta com contas – é tradicionalmente associado à figura de Yemanjá, e é empregado para evocar sua presença durante os rituais.

Além dos ritmos marcantes dos tambores e dos diferentes sons dos instrumentos, as cerimônias religiosas afro-brasileiras também utilizam os chamados pontos cantados. Esses cânticos rituais são entoados pelos praticantes como uma forma de homenagear os Orixás, entidades e guias espirituais. Os pontos cantados são compostos por letras e melodias específicas que ressaltam os atributos, as características e as histórias de cada Orixá. Eles também são usados para chamar as entidades, como nesse ponto cantado para os Pretas e Pretos velhos: “Pisou na linha do congo, é congo, é congo, aruê. Pisou na linha do congo, agora que eu quero ver. Vem congo, vem pai, vem no terreiro para trabalhar”; ou para se despedir delas, como este dedicado a Oxum: “Salve a banda da senhora. Mamãe Oxum. Aiêiê já vai embora. E vai, vai, vai. E vai beirando o rio. E vai mamãe Oxum. Para todo mal levar”. Os pontos cantados são transmitidos oralmente, de geração em geração, sendo um sinal de fé, respeito e comunhão com o sagrado, assim como um elemento fundamental da prática religiosa das tradições afro-brasileiras.

É importante observar que essa conexão entre música, dança e espiritualidade não é uma exclusividade das religiões de matriz africana. Em diversas tradições religiosas ao redor do mundo, encontramos práticas semelhantes que utilizam a música e a dança como veículos de adoração e comunicação com o sagrado. Nas cerimônias hindus, a música é vista como uma oferenda aos deuses, e as danças rituais – como o Bharatanatyam – são formas de expressar devoção e reverência às divindades. Da mesma forma, nas tradições indígenas das Américas, a música e a dança desempenham funções essenciais em rituais de cura, louvor e sintonia com o mundo espiritual.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Contudo, cada tradição religiosa possui suas próprias nuances e particularidades em relação ao uso da música e da dança. Enquanto algumas valorizam a precisão e a formalidade nas performances rituais, outras privilegiam a improvisação e a espontaneidade como formas de conexão intuitiva com o divino. Essa diversidade de abordagens reflete a riqueza e a complexidade das experiências religiosas ao redor do mundo, demonstrando como a música e a dança podem ser adaptadas e reinterpretadas de acordo com as necessidades e os valores de cada comunidade religiosa.

Portanto, ao reconhecer a importância da música e da dança nas práticas religiosas afro-brasileiras, não apenas enaltecemos uma tradição específica, mas também nos conectamos a um aspecto universal da experiência humana: a busca pela transcendência, pela comunhão com o sagrado e pela celebração da vida em toda a sua diversidade e beleza.

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