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A FRAGMENTAÇÃO CURRICULAR NOS ANOS INICIAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA: desafios a serem superados

A FRAGMENTAÇÃO CURRICULAR NOS ANOS INICIAIS DA EDUCAÇÃO BÁSICA: desafios a serem superados

Amanda Pires Valente[1]

Ana Flávia Aguiar Vital[2]

Ana Laura Mendonça Pereira³

Resumo:

Identificando o ser humano como um sujeito complexo, íntegro, percebe-se que muitos são os âmbitos para a sua formação. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo entender como a fragmentação curricular nas disciplinas desfavorece a formação integral dos estudantes. Para isso, foi utilizado como metodologia a revisão bibliográfica sobre os conceitos de currículo e análise documental da Base Nacional Comum Curricular. Concluiu-se a necessidade de empreender esforços para superar a fragmentação curricular nos anos iniciais da educação básica.

Palavras-Chaves: Currículo. Anos Iniciais. Fragmentação. Formação Integral.

Summary:

Identifying the human being as a complex, integral subject, it is clear that there are many areas for its formation. In this sense, this article aims to understand how curricular fragmentation in subjects hinders students’ comprehensive training. For this, the bibliographical review on the concepts of curriculum and document analysis of the National Common Curricular Base was used as a methodology. The need to make efforts to overcome curricular fragmentation in the initial years of basic education was concluded.

Keywords: Curriculum. Early Years. Fragmentation. Comprehensive Training.

Introdução

         Ao pensar em um ser humano em sua totalidade, pensa-se também em uma formação integral do sujeito, em seu âmbito afetivo, cognitivo, físico, espiritual. Desse modo, ao deparar com a formação, logo se pensa em como se dará isso, quais as disciplinas, conteúdos, o que se precisa fazer para aprender, compreender e desenvolver, ou seja, o currículo. Como um modo de organizar as práticas educativas para se chegar em um determinado fim.

Atrelando o currículo à formação do sujeito, percebe-se que por vezes isso acontece de maneira fragmentada na educação básica, com diversas divisões e separações, desde a educação infantil, crianças de 4 anos, até o ensino médio com jovens de 17 anos. Essa fragmentação interfere diretamente na integralidade do sujeito, por se tratar de tantos anos escolares influência no ensino e aprendizagem dos estudantes.

Sendo assim, a partir da análise e revisão bibliográfica e documental sobre a temática do currículo e dessa fragmentação do ensino, traçou como objetivo deste artigo entender como a fragmentação curricular nas disciplinas desfavorece a formação integral dos estudantes. Inicialmente, é necessário entender melhor o que é esse currículo, como ele foi construído na sociedade e principalmente como é utilizado no Brasil. Logo após é realizada a problematização desse currículo, os malefícios para a educação e as novas propostas de trabalho.

Desenvolvimento

Discutir currículo sempre esteve em pauta no campo da educação, e mesmo quando esse termo nem sequer existia, o que entendemos hoje como currículo sempre foi um campo de debates teóricos. Silva (1999, p.2) em resumo resgata a história desse termo

Há antecedentes, na história da educação ocidental moderna, institucionalizada, de preocupações com a organização da atividade educacional e até mesmo de uma atenção consciente à questão do que ensinar. Didática magna, de Comenius, é um desses exemplos. […] O termo curriculum, entretanto no sentido que hoje lhe damos, só passou a ser utilizado em países europeus como França, Alemanha, Espanha, Portugal muito recentemente, sob influência da literatura educacional americana.

Portanto, mesmo que as discussões sobre currículo sejam aparentemente recentes, esse é um tema muito abordado e estudado ao longo dos anos. Com isso, durante a história essa organização curricular foi sendo feita de diferentes formas, até chegar em sua forma mais utilizada no Brasil em que existe uma grade de disciplinas, e essas disciplinas são formadas por temáticas, abordadas durante um período letivo. Demonstrando assim que a organização curricular nos anos iniciais da educação básica é totalmente fragmentada, e para que seja possível entender, problematizar e superar essa fragmentação é necessário que seja tomado como ponto de partida as seguintes questões: Qual é o currículo nacional e como ele está presente nas escolas? Como e o porquê está sendo fragmentado?  E principalmente quais os efeitos dessa formatação curricular na formação social dos estudantes?

 Seguindo em uma perspectiva de um resgate histórico Silva (1999, p.4), traz que

O currículo tecnicista, associado à escola tradicional, prevaleceu por toda a primeira metade do século XX. Começou a ser questionado quando educadores, sociólogos e filósofos assumiram que a escola deveria ser considerada como um meio de ampliar as capacidades humanas, considerando as subjetividades.

Porém mesmo que esse debate teórico de um currículo tecnicista começou a ser questionado no século passado, de maneira geral as escolas brasileiras ainda estão em uma formatação curricular tradicional, em que as matérias são divididas em disciplinas, as disciplinas em temáticas, e as temáticas são ainda mais segmentadas em assuntos e capítulos isolados, fazendo com que os estudantes tenham uma noção em ‘’recortes’’ de temáticas que na verdade deveriam estar totalmente interligados.

Ainda que esse formato pareça por ser mais comum, o único, ele esconde em si um objetivo claro de ensino e aprendizagem, que não é muitas vezes oriundo do chão da escola, mas vem de uma organização curricular nacional. Sobre isso, MOREIRA e SILVA (2002, p.8 ) diz que ‘’O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares.’’ Assim se torna nítido de que quando um currículo traz uma proposta abrangente com assuntos pertinentes e interligados na realidade social ele forma um tipo de ser social, e quando ele traz propostas fragmentadas que olham para as mesmas problemáticas como sendo apenas matérias e disciplinas distantes ele forma um outro ser social.

Após estudar Bobbitt, Silva (2016), afirma que seu pensamento era de que o currículo deveria ser como uma fábrica, especificando e prevendo todos os resultados que iriam conseguir atingir e estabelecendo os métodos para que isso acontecesse. Entretanto, isso traz uma visão totalmente limitadora da complexidade do ser humano, com desejos e anseios que não podem ser controlados como uma máquina, é preciso uma maior flexibilidade para que a formação do sujeito seja eficaz.

Nesse contexto de currículo, existe no Brasil a Base Nacional Comum Curricular (2017), que como o próprio nome já diz é um documento norteador com orientações base para a educação comum de todo o país. E tem como pauta “o seu compromisso com a educação integral”, identificando que a educação visa à “formação e ao desenvolvimento humano global”, sendo ele em sua dimensão intelectual e afetiva.

Assim, a BNCC propõe a superação da fragmentação radicalmente disciplinar do conhecimento, o estímulo à sua aplicação na vida real, a importância do contexto para dar sentido ao que se aprende e o protagonismo do estudante em sua aprendizagem e na construção de seu projeto de vida. (BRASIL, 2017)

No Brasil atualmente, a organização curricular das escolas é padronizada e unificada por todo o território, através da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), onde trás as competências gerais da educação, os campos de experiências, áreas dos conhecimentos, componentes curriculares, competências, entre outras nomenclaturas, mas todas com o mesmo sentido: Organizar e classificar aquilo que será ensinado para os alunos em todo espaço brasileiro.

Contudo, ao fazer esta divisão, acaba acontecendo uma fragmentação dos objetos de conhecimento dos alunos. Ao criar disciplinas acaba delimitando um domínio de competência, e sendo assim o conhecimento se torna fluido e vago, como diz Edgar Morin no livro Educação e Complexidade.

Assim, ao analisar a BNCC a fragmentação está implícita dentro do documento, ao dividir as áreas em disciplinas. A área de linguagens, por exemplo, é composta pelos componentes curriculares: Língua Portuguesa, Arte e Educação Física, e em algumas escolas, há também a separação entre Língua Portuguesa e Literatura. Ao analisar as disciplinas, consegue-se perceber que são matérias que se complementam, pois ao estudar uma poesia, você está estudando arte, literatura e língua portuguesa, ou ao estudar os textos não verbais, ou histórias em quadrinhos, tem presente forte influência da arte neste meio. Contudo, dentro das salas de aula, e do planejamento, a separação destas matérias acontece drasticamente, como se uma não tivesse sentido nenhum com a outra, e com isso, cria-se na cabeça dos alunos esta ruptura, em que eles também não conseguem fazer a ligação entre as matérias. Para eles, cada matéria é um quadradinho, e para aprender precisa estar separado desta forma, e eles não fazem ligação entre as matérias que estão sendo estudadas em ambas as disciplinas.

Outro exemplo também que fica muito claro é a Área de Ciências Humanas, que é dividida entre as disciplinas de Geografia e História, que o professor ensina um fato histórico para a criança separado da matéria de geografia que aborda o espaço geográfico sede de tal acontecimento histórico, e ao estudar separadamente, o aluno sente uma dificuldade maior em associar este mesmo assunto por perspectivas diferentes, a histórica e a geográfica.

Para que tenha um ensino efetivo e de qualidade, evitando as fragmentações, deve-se utilizar a interdisciplinaridade, pois esta por sua vez, refere-se a um esforço consciente de superar o isolamento e a fragmentação do conhecimento. Como diz Gusdorf (p32, 2006)em um de seus textos explicita muito bem ao dizer que a interdisciplinaridade é um esforço para a superação do isolamento e da fragmentação do conhecimento.

A interdisciplinaridade surge como uma estratégia para reduzir as limitações que a fragmentação impõe. O objetivo é que os conteúdos diversificados possam ser ensinados de forma geral e integral, para que os alunos possam ter um conhecimento geral e aprofundado, explorando múltiplas possibilidades de compreensão, enriquecendo assim a análise e síntese das matérias estudadas, podendo olhar sempre para o todo, e não para as partes, como a disciplinarização faz com que aconteça.

Não se pode confundir interdisciplinaridade com apenas a sobreposição de disciplinas, mas sim, ser uma integração efetiva de seus métodos, teorias e abordagens. Isso é muito importante para que os alunos, ao lidar com problemas complexos e heterogêneos, que não podem ser compreendidos de forma plena através de uma única perspectiva disciplinar, saibam lidar melhor com as dificuldades enfrentadas, visto que esta metodologia busca sempre ultrapassar as fronteiras tradicionais do conhecimento, promovendo um diálogo entre os diferentes campos de conhecimento, para ser criado nos alunos uma visão mais geral e integrada.

Outra maneira de evitar a fragmentação do currículo, que já está sendo colocada em prática, é a pedagogia de projetos, que segundo Prado (p2, 2003) “na pedagogia de projetos, o aluno aprende no processo de produzir, de levantar dúvidas, de pesquisar e de criar relações, que incentivam novas buscas, descobertas, compreensões e reconstruções de conhecimento.” P 2.

Com esta nova metodologia, o aluno é o autor de seu conhecimento, trabalha na criança a curiosidade, ao buscar um questionamento para que seja respondido através do projeto, e dentro do mesmo projeto, consegue-se trabalhar os conhecimentos necessários que a criança aprenda naquela faixa etária, sem a divisão de disciplinas e matérias separadas, pois tudo está dentro do mesmo projeto, do mesmo objeto de pesquisa dos alunos.

Considerações finais

Por entender o ser humano como um ser integral, diverso, plural, flexível, compreende que a fragmentação do currículo separa o indivíduo dele próprio, é como se ele fosse um guarda roupa cheio de gavetas e uma não interfere na outra, mas pelo contrário, fica quietinha na sua e só é acessado quando se quer algo daquela gaveta. Até seria mais fácil desse jeito, lidando com um problema de cada vez e o intelecto não sendo interferido pelo emocional e espiritual. Bem se sabe que não é assim.

Portanto, ao analisar as referências, a BNCC, percebe-se que a teoria da BNCC é consideravelmente interessante, entretanto, quando se observa na prática e ao ler os conteúdos, é nítida a fragmentação do currículo, por mais que se fale em uma formação integral.

Nesse sentido, propõe-se a interdisciplinaridade e a pedagogia de projetos como meios para se combater essa fragmentação do currículo.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

GUSDORF, G. O Gato que Anda Sozinho. In POMBO, Olga et al. (Orgs). Interdisciplinaridade- Antologia. Porto: Campo das Letras. 2006. p.13-36. ISBN 989-625-042- 1

KENSKI, Vani Moreira. Educação e Tecnologias: O novo ritmo da informação – Campinas, SP: Papirus, 2007

 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1993.

 MOREIRA, Antônio Flávio B.; SILVA, Tomaz Tadeu da. Currículo, cultura e sociedade. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

MORIN, Edgar. Educação e complexidade, os sete saberes e outros ensaios. São Paulo: Cortez, 2005

PRADO, M. Pedagogia de Projetos. Série “Pedagogia de Projetos e Integração de Mídias” – Programa Salto para o Futuro, Setembro, 2003.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3º ed. – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016. 156 p.  


[1] Estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: amanda.valente@ufu.br

[2] Estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal  de Uberlândia. E-mail: anaaguir308@gmail.com

³ Estudante do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: analauramendoncapereira@gmail.com

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