LETRAS
Eduardo Fontes: poesia em tempos de covid-19
Poeta, que sobreviveu a muito custo à pandemia, arranca versos da tragédia e mostra que é possível fazer poesia mesmo em situações de desafio
Adelto Gonçalves (*)
I
Autor de vastíssima obra, que inclui 24 obras publicadas e mais três por publicar, Eduardo Fontes (1947), poeta cearense bastante conhecido no Nordeste, talvez porque em seus versos nada herméticos e extremamente líricos sempre se mostrou muito preocupado em exaltar suas origens, está de novo no mercado com um livro de poemas, escrito entre os anos de 2020 e 2022, como resultado da reclusão forçada pela incidência da pandemia de coronavírus (covid-19), que também o atingiu, mas da qual a muito custo escapou. Por isso, dedica a obra às vítimas da pandemia, “sobreviventes da hecatombe, tratada como mimimi”, mas que matou mais de 700 mil pessoas no Brasil.
O título, A poesia nos tempos da Covid (Fortaleza, RDS Editora, 2024), faz lembrar e constitui uma homenagem a O amor nos tempos de cólera (1985), do colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), como reconhece o próprio autor. Como seria previsível, a simplicidade que faz evocar os menestréis nordestinos está mais uma vez presente nesta obra, mas, como assinalou o poeta Anderson Braga Horta, ao analisar seu livro anterior, Poemas de amor e êxtase (2022), a composição de seus versos tornou-se “mais direta, precisa, enxuta”. É o que se pode constatar neste excerto do poema “Variações sobre o amor” em que diz:
(…) Amor dos poetas e ascetas / Que cantam nos seus versos, / Aquele desejo de estar perto / De suas musas esbeltas… / E nos tempos da cruel Covid / Quantos perderam / O amor de suas vidas, / O amor-companheiro, / O amor-entrega, / O amor-desejo, / O amor-certeza, / O amor-amante, / O amor-irmão, / O amor-papai, / O amor-mamãe, / O amor da vovó, / O amor do vovô, / O amor-órfão / À procura de quem lhe dê a mão… / O amor dos noivos / Que se queriam em comunhão / E que foram levados num batel / E viraram estrelas no céu!…”
II
No texto de apresentação que escreveu para a sua própria obra, Fontes diz que esteve entre as primeiras vítimas do mortal vírus e que chegou a um ponto em que os médicos só lhe davam dez por cento de vida. Mas, felizmente, sobreviveu para atuar, através da poesia, como testemunha de um tempo em que a imprevidência, a falta de vacinas e o deboche oficial estiveram presentes nos lares e em todos os quadrantes do País. E ele mesmo se questiona: como enxergar poesia em tais condições? E responde: “Sim, é possível, pois, em todas as situações de desafio e de sofrimento pelas quais passam as pessoas, existe sempre no fim do túnel a luz da Esperança, e mesmo contida é possível conciliar amor e dor, alegria e tristeza, solidão e comunhão, saudade e presença”.
Se poesia é emoção e pensamento, o poeta não deixa de olhar o futuro e clamar aos que o leem que esqueçam aqueles que só contribuíram, com seu negativismo, para que o mal crescesse por todo o País. É o que se sente no poema “O Sol volta a brilhar”:
“(,,.) Vamos sepultar / Os arautos da morte / E da maldade, / Os que não sabem chorar / Nem se indignar dos próprios atos!… / Vamos esquecer / Os salvadores da Pátria / Que nada salvam, / Além dos próprios bolsos!… /Vamos lavá-los nas águas / do Rio do Esquecimento / Para que Creonte os leve / Para o Nada na sua barca!…”
Por isso, sem abandonar o lirismo telúrico que se tornou também marca tanto de seus breves como de seus mais extensos poemas, Fontes trata de extrair da vida poesia, fundindo o pictórico e o sonoro, mesmo que o mundo lhe seja adverso. Poeta da emoção, procura pensar por imagens, como se vê no poema “A Poesia”:
(…) A Poesia não morre, / Mesmo na morte, / Pois a Poesia é alma, / É perfume suave, / Brisa que perpassa / Pela manhã e à tarde!… / É estrela solitária / Que se mostra no céu, / Lembrando a pessoa amada!… / É o cantar dos pássaros, / O farfalhar do vento / Nas árvores, / É a Lua no céu / A pratear a mata! / É o mar / A se espreguiçar na areia / Da praia, / É a flor a se entreabrir / Por mãos invisíveis!… / É toda a beleza / Que existe / No ar, no mar, no espaço, / De graça, / Sem cobrar taxa!…”
III
Nascido em Fortaleza, filho e netos de poetas, Eduardo Fontes, bacharel em Direito e em Administração, trabalhou como analista de controle externo do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e administrador no Tribunal de Contas dos Municípios, no Ceará. Conciliando com as atividades de servidor público, atuou anos a fio em órgãos de imprensa do Ceará como redator e repórter, tendo acumulado vários prêmios. Como membro da Associação Cearense de Imprensa (ACI), recebeu, em sessão solene, medalha alusiva aos 50 anos de sócio efetivo da entidade.
É autor de Exaltação à vida (poesia, 1967), livro de estreia; O alpinista (poesia, 1970); O Lagamar que eu conheci (ensaio, 1974); Vitrais (poesia, 1979); O teatro de Carlos Câmara (1982); As pouco lembradas igrejas de Fortaleza (história, Prêmio João Brígido, 1983); Pequena história do Tribunal de Contas do Ceará, em parceria com Antônio de Pádua Saraiva Câmara (1985); Cantos do outono (poesia, 1995); Rua da Saudade (poesia, 1998); Pelas mãos da poesia (2000); Na esquina da vida (crônicas, 2007); Cancioneiro de mim (poesia, 2012)|; Último trem para Pasárgada (poesia, 2013); Relicário da saudade (poesia, 2014); O baile das palavras (poesia, 2015); Ciranda poética (2018); Devaneios (poesia, 2017); Jesus, Senhor da Vida e Rei do Universo (poesia, 2017); Poemas das bodas de ouro matrimoniais (2019); O teatro da vida (contos, 2021); Poemas de amor e êxtase (2022); e Contos fantásticos e outros contos (2023), entre outros.
Membro fundador da Academia Fortalezense de Letras, participou do grupo Sin de Literatura que, na década de 1960, sacudiu o movimento artístico-cultural de Fortaleza. É cronista do Diário do Nordeste, de Fortaleza.
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A poesia nos tempos da Covid, de Eduardo Fontes. Fortaleza: RDE Editora, 108 páginas, 2024. E-mail da editora: rds1048@gmail.com E-mail do autor: eduardohumbertofontes@gmail.com
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(*) Adelto Gonçalves é mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo-Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O Reino, a Colônia e o Poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo 1788-1797 (Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br