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RAÍZES SAGRADAS

RAÍZES SAGRADAS

Não reconhecer a cultura e a crença do outro é o mesmo que negar sua humanidade. Eis a base do racismo e toda a intolerância.

Pai Rodney de Oxóssi

Por Margarete Hülsendeger

Os Orixás[1], figuras divinas presentes nas religiões de origem africana, desempenham um papel fundamental na compreensão da espiritualidade, identidade e cultura dessas tradições. Tanto na Umbanda quanto no Candomblé, os Orixás são considerados intermediários entre o divino e os seres humanos, conectando o sagrado ao mundo terreno de maneira complexa e multifacetada.

No entanto, quando se trata dos Orixás não há apenas uma interpretação, mas várias, dependendo do lugar do qual estejamos falando. Uma delas é a de que os Orixás são representações de forças naturais e espirituais que influenciam a vida dos seres humanos. Essa concepção é defendida por muitos adeptos das religiões de matriz africana, que acreditam que os Orixás são seres reais que podem ser acessados e adorados. A raiz dessa ideia reside nas tradições dos povos iorubás, bantos e outras etnias africanas que foram trazidas para o Brasil durante o período da escravidão. Os Orixás, nesse contexto, são manifestações divinas ligadas às diferentes forças cósmicas e a aspectos da vida cotidiana. Cada um deles possui características distintas, refletindo virtudes, emoções e desafios humanos.

Na Umbanda, religião que mescla elementos africanos, indígenas e kardecistas, os Orixás estão associados a entidades espirituais de diversas origens – caboclos, pretas e pretos velhos, ciganos – vistas como espíritos desencarnados que “incorporam” em médiuns. Importante salientar que, na Umbanda, os Orixás não “incorporam”, somente essas entidades espirituais a eles relacionadas. Portanto, quem “incorpora” no médium não é Ogum ou Xangô, mas um caboclo da linha/falange desses Orixás.

Nesse contexto, Oxalá é associado à luz, à criação e à pureza; Ogum está ligado à força, à coragem e à guerra; Iemanjá à fertilidade, à maternidade e ao mar; Iansã aos ventos e tempestades. Todos podem ser invocados em rituais e cerimônias para pedir proteção, orientação e ajuda. Para muitos estudiosos da Umbanda, essa abordagem refletiria a sua adaptabilidade, que busca integrar diferentes elementos culturais e espirituais em uma síntese única.

No Candomblé, a ênfase já recai na preservação das tradições africanas de maneira mais autêntica. Cada Orixá é cultuado com rituais específicos, músicas, danças e oferendas que buscam manter viva a conexão com as raízes africanas. Eles também são responsáveis por conferir aos indivíduos – seus “filhos” – características físicas, psicológicas e espirituais, com cada orixá tendo o seu sistema simbólico particular composto de cores, comidas, cantigas, rezas, ambientes, espaços físicos e até horários. Ao contrário do que ocorre na Umbanda, são considerados divindades da natureza, e podem “incorporar” nos seus “filhos” durante os rituais a eles dedicados.

A relação com os Orixás no Candomblé transcende o âmbito espiritual, estabelecendo uma profunda ligação com a ancestralidade e a comunidade. Eles servem como guias morais, inspirando comportamentos éticos e promovendo a busca pela harmonia entre os indivíduos e o cosmos. E o mais importante: os Orixás são fundamentais na construção da identidade afro-brasileira, fornecendo um elo valioso com as tradições ancestrais africanas.

Entretanto, ao considerarmos criticamente a relevância dos Orixás, é necessário reconhecer os desafios e preconceitos que as religiões de matriz africana enfrentam. Ao longo da história, as práticas afro-brasileiras foram alvo de discriminação e intolerância, muitas vezes associadas a estigmas e estereótipos. Estatísticas alarmantes destacam a gravidade desse problema, mostrando um aumento nas denúncias de intolerância religiosa contra praticantes dessas tradições africanas. O resultado desse movimento é a marginalização dessas religiões, o que contribui para a desvalorização dos Orixás e dos costumes que representam.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Por outro lado, há o problema que envolve a apropriação cultural e a descaracterização das práticas religiosas afro-brasileiras. Em alguns casos, elementos do Candomblé e da Umbanda são utilizados de maneira superficial, desvinculados de seu contexto original, o que pode resultar em interpretações distorcidas e simplificadas. Isso não apenas desrespeita a riqueza simbólica dos Orixás, mas também contribui para a deturpação das próprias tradições. Por esse motivo, a compreensão do papel dos Orixás deve transcender estereótipos e superficialidades, buscando uma abordagem mais profunda e respeitosa. O respeito aos Orixás implica a valorização da diversidade cultural e religiosa, assim como a defesa do diálogo inter-religioso e a luta contra a intolerância.

Em um mundo cada vez mais globalizado, a preservação e incentivo das tradições religiosas afro-brasileiras, e dos Orixás que nelas são reverenciados, tornam-se cruciais para o desenvolvimento de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa. Reconhecer a importância dessas divindades é também reconhecer a contribuição significativa da cultura afro-brasileira para a identidade nacional, promovendo assim uma abordagem mais justa e equitativa das diversas expressões religiosas presentes no Brasil.

Que os Orixás iluminem seus caminhos! Saravá!


[1] O termo vem do idioma iorubá que, por sua vez, é uma aglutinação de duas palavras: “Ori” que significa cabeça e “Xá” que significa rei ou senhor.

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