Veneno produzido pelo animal é usado para o desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos para doenças crônicas
Poucos sabem, mas o escorpião, aracnídeo temido pelos humanos, desempenha papel importante no equilíbrio do ecossistema natural ao agir em níveis elevados da cadeia alimentar, controlando outras espécies. Desafiando a reputação negativa, no último balanço divulgado pelo Ministério da Saúde, foram registrados mais de 154 mil acidentes por picada de escorpião no Brasil, com 88 vítimas fatais.
Para além da imagem como “vilão”, o veneno desse animal peçonhento abre portas para pesquisas científicas promissoras, levantando especulações sobre o desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos para condições como o Alzheimer. O professor de Ciências Biológicas do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Fabrício Escarlate, cita curiosidades sobre a dualidade e o poder do veneno dos escorpiões.
Confira a entrevista
Qual é a importância ecológica dos escorpiões em seus ecossistemas naturais?
FE: Os escorpiões não são exatamente predadores de topo de cadeia, mas ocupam níveis tróficos elevados. Embora os escorpiões sejam uma preocupação em termos de saúde pública, eles fornecem um serviço valioso, controlando organismos problemáticos, como as baratas e lacraias, que representam riscos de acidentes e outros problemas. Entender essa dinâmica e como os escorpiões contribuem para esse processo é interessante. Ao falar do tema, a associação com o escorpião amarelo é comum, especialmente em ambientes urbanos, periurbanos e rurais. No entanto, esse grupo é muito mais diversificado do que apenas a espécie amarela.
Existem adaptações específicas que tornam os escorpiões bem-sucedidos em diferentes ambientes?
FE: Os escorpiões são artrópodes, assim como as baratas, lacraias, centopeias, besouros, cigarras, caranguejos, lagostas, entre outros. O que torna esse grupo notável é a presença de um exoesqueleto rígido de quitina, funcionando como uma armadura. Esse exoesqueleto possui camadas contendo pigmentos e proteínas, o tornando capazes de reter água e enfrentar ambientes desafiadores, como os desertos áridos.
Os hábitos noturnos dos escorpiões e sua aversão à luz são características marcantes. Muitas espécies são ativas durante a noite, o que, combinado com sua habilidade de evitar a luz, contribui para sua adaptabilidade a diferentes ambientes, inclusive permitindo que algumas espécies vivam integralmente em cavernas escuras. A preferência por ambientes com fendas, buracos e cavidades destaca a adaptabilidade única desses animais e como esses habitats são propícios para sua sobrevivência.
Existem espécies de escorpiões mais peçonhentas do que outras?
FE: Ao lidar com animais peçonhentos, como os escorpiões, a preocupação principal está relacionada à inoculação da toxina através do aguilhão, estrutura localizada na ponta da cauda. A toxicidade varia entre as espécies. Algumas podem ter toxinas mais reativas, causando problemas e lesões mais significativas. No entanto, existem espécies – muitas vezes encontradas em ambientes rurais e semi-preservados – que não representam risco iminente para os seres humanos.
Quais são os perigos mais comuns associados à presença de escorpiões em ambientes urbanos?
FE: A lógica é simples: mais recursos resultam em maior proliferação. No ambiente urbano, a oferta de recursos para escorpiões é maior, favorecendo sua sobrevivência e proliferação. Acúmulo de entulho, matéria orgânica e resíduos são propícios para a proliferação de espécies de escorpiões, especialmente o escorpião amarelo, que se adaptou bem a esses locais. Portanto, a manutenção e limpeza desses ambientes são medidas importantes para prevenir a presença excessiva desses aracnídeos e reduzir os riscos associados a suas picadas.
Quais são os sintomas de uma picada de escorpião e como as pessoas devem reagir em caso de picada?
FE: Os sintomas geralmente se manifestam no local, com sensação intensa de ardência e dor no local afetado. O grau de dor varia de pessoa para pessoa, algumas relatam dores insuportáveis e outras apenas uma dor intensa, porém suportável. Além da dor, é comum ocorrer inchaço, vermelhidão e coceira na área afetada. Em casos mais graves, a reação pode evoluir, levando a sintomas como febre e, em situações extremas, até mesmo choque anafilático. A gravidade da reação depende de fatores individuais, como idade, saúde geral e presença de outras condições médicas.
O contato muitas vezes ocorre quando a pessoa pisa ou toca acidentalmente no animal, provocando uma reação defensiva por parte do escorpião. Nesses casos, recomenda-se buscar imediatamente assistência médica, de preferência em hospital ou unidade de saúde adequada. Em casos mais leves, pode ser suficiente o uso de um antialérgico ou anti-inflamatório prescrito pelo médico. No entanto, em situações mais graves, pode ser indispensável a administração de um soro antiescorpiônico. Após o atendimento médico, a pessoa pode ser mantida em observação no hospital para avaliação contínua do quadro clínico, vitando complicações adicionais.
De que maneira os escorpiões contribuem para estudos científicos relacionados à medicina, biotecnologia ou outras áreas de pesquisa?
FE: No Brasil, as pesquisas bioquímicas, especialmente aquelas relacionadas à composição da peçonha do escorpião-preto ou marrom (TYTIUS bahiensis), são recentes, com o Instituto Butantan realizando sua primeira análise há menos de cinco anos. Este campo oferece um amplo potencial de estudos, principalmente nas áreas farmacológica, médica e bioquímica. A neurotoxicidade da toxina abre perspectivas promissoras sobre o desenvolvimento de novos medicamentos e tratamentos para condições como o Alzheimer. Este é um terreno fértil para investigações adicionais sobre o uso dessas substâncias no tratamento de doenças que impactam o sistema nervoso.