A vida de alguns artistas pode ser tanto inspiradora como um instrumento de alienação para quem os admira.
Em tese, todo artista busca a fama, o que implica em exposição pública, que exige preparo psicológico. Mas nem todos estão preparados para lidar com a fama ou sua perda.
Alcançados os desejados reconhecimento e fama, seu excesso ou falta podem gerar consequências nefastas: overdose ou abstinência. Afinal, a fama, quando não se está preparado para ela, tende a se transformar num vício. E não faltam exemplos de que pode levar a outros vícios, à depressão, à decadência e, no limite, à morte, consciente ou inconscientemente.
Infelizmente, o fascínio de fãs e o interesse de oportunistas podem transformar artistas que colocam a vida em risco ou renunciam a ela em exemplos a serem seguidos, igualmente destrutivos.
O mundo não precisa de ídolos que morram de overdose ou de outros excessos. Tampouco precisa dos que morram jovens, em nome de causas e ideais, ou emulando seus ídolos.
Posso admirar suas obras, mas não me conformo com esse abandono da vida, que nos priva da continuidade de sua arte. Entendo quem queira mudar de vida, mas me entristeço por quem opta por abreviá-la.
Sei que é uma forma de egoísmo querer ter quem a gente admira sempre por perto. Querer mais um “hit”, mais um filme, mais um livro ou, simplesmente, saber que essa pessoa ainda está lá, como se nos desse a ilusão de que não envelhecemos; de que enquanto estiverem vivos ainda seremos jovens.
O ideal é que fossemos nossos próprios heróis, sem perder a noção da realidade; que tivéssemos sonhos e metas, pessoais e coletivos, sem ficarmos fascinados com eles ou com pessoas, e sem nos tornarmos versões modernas do mito de Narciso.
Seria bom que a cada sonho realizado buscássemos outros; e que até as frustrações fossem fonte de inspiração para dar a volta por cima, cair na real, gritar um “dane-se!”, ou equivalentes menos nobres, e partir para outra, resilientes, renascendo das cinzas.
Ídolos, mitos e mártires tendem a escravizar quem os encara como exemplos a serem seguidos, mesmo que apenas uma parte de suas vidas ou fantasias sobre elas seja divulgada. E não faltam oportunistas que lucrem com isso.
A música “Cordilheiras”, de Paulo César Pinheiro e Sueli Costa, tem um frase que considero emblemática: “Eu quero ser da legião dos grandes mitos, transformando a juventude num exército de aflitos”.
É pura antítese poética que faz sentido pois, quando as pessoas não sabem separar as coisas – ainda mais quando se é jovem e acha que já sabe tudo -, mitos, heróis e mártires, de tolas ou nobres batalhas, podem destruir o amor-próprio, alienar a esperança e levar ao esquecimento de que a maior de todas as lutas é dar sentido e valor à própria vida, de ser autor de sua própria história, em vez de sombra de outrem.
A arte pode ser um meio de superar o marasmo ou a opressão, uma forma de superação, libertação e evolução. Jamais pode ser expressão que aprisiona, condena e mata!
Transformar um artista em mito, herói ou mártir, por ingenuidade, desespero, interesse financeiro ou midiático pode, quando ele também aceita essa condição, engendrar um processo destrutivo, individual e coletivo.
É preciso aprendermos a sonhar nossos próprios sonhos, em vez pegarmos carona no “trem desgovernado” dos de outros, ou aceitarmos o caminho do abatedouro mental.
Precisamos ser condutores de nossas vidas, responsáveis por nossas decisões e atos, e não meros passageiros de naus sem rumo de heróis, mitos e mártires, fabricados ou não.
Precisamos, acima de tudo, aprender a amar, não pela incerteza do amanhã, mas pela inesgotável necessidade e vontade de amar cada vez mais.
Amor sem desespero! Amor pela vida!
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro, Pesquisador Universitário e membro da Academia Santista de Letras
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