A evidência científica é inequívoca: as mudanças climáticas são uma ameaça ao bem estar do ser humano e à saúde do planeta. Qualquer outro atraso em uma ação climática conjunta provocará uma perda na breve e rápida janela aberta para garantir um futuro habitável.
Hans-Otto Pörtner
(Médico fisiologista e biólogo marinho alemão)
Por Margarete Hülsendeger
Na Amazônia, os rios estão secando, provocando a morte de animais como jacarés, búfalos, cavalos, peixes e até cobras. No Sul, especialmente em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, estão ocorrendo inundações históricas que têm destruído cidades e causado mortes. No Rio de Janeiro e em São Paulo, as temperaturas têm batido recordes, atingindo valores que chegam a quase 60 °C. Se considerarmos o resto do mundo, não encontraremos um quadro muito melhor: no Hemisfério Norte, as temperaturas nos três meses do verão (junho a agosto) foram as mais elevadas já registradas, e as previsões para o inverno também não são nada otimistas. Em resumo, o planeta vive um período de mudanças climáticas extremas, mudanças previstas há décadas por cientistas de todo o mundo.
No entanto, apesar de todos esses sinais, ainda existem pessoas que se escondem atrás de um pensamento negacionista, argumentando que nada disso é novidade e que aqueles que defendem o contrário são indivíduos alarmistas, contrários ao progresso e ao desenvolvimento. Um progresso que, segundo eles, só pode existir se o homem submeter a natureza aos seus desejos e interesses, em especial se isso significa o enriquecimento desses mesmos indivíduos.
Caso alguém ainda não saiba o significado da expressão “negacionismo”, aqui vai a definição da Academia Brasileira de Letras: “atitude tendenciosa que consiste na recusa em aceitar a existência, a validade ou a verdade de algo, como eventos históricos ou fatos científicos, apesar das evidências ou argumentos que o comprovam”[1]. Assim, o negacionismo não vai contra o senso comum, mas sim contra a verdade e os fatos comprovados pela ciência. A palavra crucial nesta definição é “comprovados”, ou seja, verificados e testados, não se tratando, portanto, de uma hipótese, mas de um fato.
Infelizmente, esse comportamento não é novo. A teoria da evolução é até hoje negada por todos aqueles que acreditam que as palavras contidas na Bíblia devem ser interpretadas de forma literal, desconsiderando os inúmeros descobrimentos nas áreas da arqueologia e paleontologia. A teoria da relatividade foi rejeitada durante as décadas de 1920 e 1930 como sendo apenas uma teoria fantástica por ferir pressupostos importantes da física newtoniana. E, é claro, o negacionismo climático, também chamado de ceticismo climático, que teve início nos anos 1980.
Para os negacionistas climáticos, não existe qualquer relação entre as ações do homem e os eventos climáticos que vêm sendo observados há anos. Um dos negacionistas climáticos mais conhecidos é o meteorologista inglês Piers Corbyn. De acordo com ele, o que causa o efeito estufa não é o dióxido de carbono (CO2), mas o aquecimento provocado pela maior atividade solar. Corbyn vai além, afirmando que tudo não passa de uma conspiração internacional criada pela comunidade científica contra os países industrializados ocidentais. Assim, para negacionistas como o Sr. Corbyn, tudo não passa de um fenômeno natural, sem consequências mais graves.
Infelizmente, essas ideias têm ganhado força nos últimos anos, principalmente quando Donald Trump ocupou a presidência dos Estados Unidos. Em seu rastro, no Brasil, também tivemos um presidente claramente negacionista na figura de Jair Bolsonaro, que, ao nomear Ricardo Salles como Ministro do Meio Ambiente, abriu espaço para que os negacionistas de plantão desmerecessem e desacreditassem os cientistas responsáveis por estudos sérios sobre o clima e as entidades que os apoiam. Como consequência, durante quatro anos (2019-2022), diversos abusos foram tolerados e até incentivados: desmatamento desregrado, queimadas criminosas, exploração descontrolada de garimpos, sem falar nas atividades de bandoleiros junto às populações indígenas. Mesmo que tudo isso sejam “águas passadas”, o resultado dessas ações não o é, e a fatura nos está sendo entregue com juros e correção monetária, na forma de secas e inundações.
Este não é o meu primeiro texto sobre os malefícios do negacionismo, e tenho a triste impressão de que não será o último. De qualquer forma, não há possibilidade de desistirmos de lutar contra esse tipo de mentalidade que tanto mal tem feito ao planeta e, por consequência, à própria humanidade. A desistência significará abrir mão da única casa que conhecemos: esse pequeno e insignificante pedaço de rocha no sistema solar. Por isso, com certo pessimismo, encerro este texto com as palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres, em um comunicado recente: “O clima está implodindo mais rapidamente do que podemos enfrentar, com fenômenos meteorológicos extremos que afetam todos os cantos do planeta”.[2].
[1] Disponível em https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/negacionismo. Acesso: 20 nov. 2023.
[2] Disponível em https://oglobo.globo.com/mundo/clima-e-ciencia/noticia/2023/09/06/colapso-climatico-europa-tem-verao-mais-quente-da-historia-e-2023-deve-bater-recorde.ghtml. Acesso 20 nov. 2023.