Adilson Luiz Gonçalves Colunistas

A MEDIOCRIDADE E O PODER

A cena era solene, parte de um documentário:

O presidente Bush discursava para os formandos de uma das mais conceituadas universidades dos EUA.

O cerimonial estabelecia que os melhores alunos ocupassem um lugar de destaque, como distinção por seu esforço e desempenho. Todos aguardavam ansiosos por um merecido elogio, e não era sem motivo: caberia a eles, provavelmente, assumir a responsabilidade pelos próximos passos tecnológicos e estratégicos da maior potência da atualidade. Por revelarem potencial, foram exortados pelos professores e observados por uma sociedade extremamente competitiva e cruel. Por compromisso e obstinação, se empenharam a fundo – às vezes com sacrifício pessoal – para atingirem as metas e superarem desafios pessoais e propostos!

Bush não os decepcionou: Ao dirigir-se ao grupo, confirmou o motivo pelo qual eles estavam ali: a excelência de seu desempenho acadêmico.

“Well done!”, afirmou, em tom sério e professoral. Mas o bálsamo se transformou em ácido quando o Bush se voltou para os demais e proclamou, cheio de entusiasmo e satisfação, que, quanto aos medíocres, eles poderiam acreditar na real possibilidade de um dia serem presidentes dos EUA!

O rancor é realmente um sentimento poderoso e duradouro, sobretudo numa sociedade baseada na exaltação de uns e humilhação de outros, segundo critérios bastante volúveis, solúveis e voláteis. Mas a apologia da mediocridade proclamada nesse discurso – ovacionada pelos que foram habilmente levados a assumi-la – conduz a um sério e oportuno questionamento: qual é a efetiva relação entre a mediocridade e a política? Será um destino preferencial dos medíocres, por abrigar tradicionalmente mais “espertos” do que “experts”?

Em alguns casos, sem dúvida! Mas o fato é: se uma pessoa busca aprender ela não pode ser considerada medíocre. Além disso, a moderna psicologia considera várias “inteligências” ou aptidões, todas importantes. Mas só o uso sábio delas promove a evolução da humanidade.

O desprezo e o comportamento arrogante, de onde quer que venha, é sinônimo de fraqueza intelectual e de espírito. Erguem barricadas em vez de ampliar horizontes.

Então, qual é o papel reservado para os que se esmeram em aprender e ampliar conhecimentos nesse contexto contraditório? Será que é estar ao serviço da “mediocridade” desdenhosa e rancorosa?

Bem, é óbvio que sem financiamentos não existiriam recursos para a ampliação do saber. Também é fato que não existem melhores fermentos para a ciência do que a dúvida e o desafio. Mas é igualmente real que não há armadilhas mais temíveis e fáceis de cair do que a vaidade e a arrogância. Graças a elas, a inteligência se distancia do povo e abre espaço para que a “mediocridade” carismática conduza os destinos da humanidade. Além disso, está cada vez mais arraigada a cultura de que o importante é “se dar bem”, de ter sem minimamente merecer.

Essa “lógica” tolera que se obtenha pela força, pelo ilícito ou pelo subterfúgio o que não se consegue pelo uso da razão e da inteligência. Fruto disso, quando a “mediocridade” esperta – e ela existe em todas as classes sociais! – assume o controle, seus adeptos passam a se julgar modelos de sucesso, desprezando e humilhando a inteligência, mas contando com ela para atingir seus propósitos.

Mesmo os “medíocres” mais poderosos não ignoram que o saber é uma fonte inesgotável de poder. Também é interessante observar que a “mediocridade” chega ao “topo” normalmente pelas mãos do poder econômico socialmente insensível, embora eleitas pelo voto popular iludido.

Será por competência ou por que os “medíocres” são mais propensos a manipulações?

A ciência busca o saber, que é instrumento de poder. Só que o poder nas mãos erradas se torna um terrível veículo de opressão, subversão, alienação e ignorância. A posse de ambos sem embasamento ético e humanista tem sido o “princípio ativo” da tirania e do totalitarismo.

Como alguém que faz a apologia da “mediocridade” pode exortar um filho, uma equipe ou uma nação a buscar excelência em ensino e pesquisa, indispensáveis ao desenvolvimento, quando ele próprio a despreza?

Adilson Luiz Gonçalves é engenheiro e professor universitário.Santos – SP algbr@ig.com.br

Saber e poder são indissociáveis, não há dúvida! Mas, para que seus benefícios sejam amplos é imprescindível que sejam atrativos, cooperativos e motivadores da evolução da sociedade. De outra forma, a inteligência arrogante, desengajada, cegamente à disposição do poder econômico ou radicalismo ideológico continuará a ser desprezada, e a “mediocridade” esperta, oportunista e truculenta continuará a desgovernar a humanidade, com as bênçãos ignorantes da maioria assim manipulada.

Adilson Luiz Gonçalves

Escritor, Engenheiro e Pesquisador Universitário

Membro da Academia Santista de Letras

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