Minha irmã mais velha, Marcia, era oito anos mais nova do que eu. Infelizmente, ela nos deixou cedo demais.
Certa vez, ela, que sabia de minha paixão pelo cinema, perguntou quais eram os filmes que mais marcaram minha vida.
Meu pai, projecionista de cinema, volta e meia me levava para a sala de projeção, onde eu o via recortar e colar películas danificadas ou gastas; trocar os eletrodos que produziam um intensamente luminoso arco voltaico, responsável pela projeção; e colocar os rolos nos projetores, alternando-os em perfeita continuidade.
Não à toa, um de meus filmes preferidos é “Cinema Paradiso” (França/Itália, 1988). Eu fui tal qual o menino Salvatore. Outro dia, num restaurante italiano, um violinista tocou um dos temas de Enio Morricone. Fiquei alguns minutos com um nó na garganta e olhos marejados.
Meus pais nos educaram para respeitar pessoas, sem distinção de aparência. As atitudes era o que importava! Talvez por isso, ao assistir “O Sol Nasceu Para Todos” (To Kill a Mockingbird, EUA, 1962) não consegui entender o absurdo de tantos preconceitos. Hoje, entendo menos ainda. Impressionou ver Gregory Peck encarnando Atticus.
Sou fã incondicional de John Ford! Não à toa, três de seus filmes fizeram parte da lista:
“Como Era Verde o Meu Vale” (How Green Was My Valley, EUA, 1941) é uma preciosidade que mistura drama social, humor e sensibilidade. Um jovem Roddy McDowall e a poderosa Maureen O’Hara dominaram a trama, cercados de outros fantásticos atores. A aula de boxe ao professor foi bastante “educativa”.
“Depois do Vendaval” (The Quiet Man, EUA, 1952), é mais um clássico do “fordismo” cinematográfico, cujas obras só têm em comum a genialidade e, não raro, John Wayne, o que é o caso. Esse filme tem uma das lutas mais longas da história da Sétima Arte, protagonizada por Wayne e Victor McLaglen, por conta do dote de casamento de Maureen O’Hara, ela, novamente. Em termos de duração, essa luta só encontra rival na também épica briga de Peter Griffin com a Galinha gigante, em episódio da série animada “Family Guy” (EUA, 2014).
Outros filmes da lista são: “As Chaves do Reino” (The Keys of the Kingdom, EUA, 1944), uma vez mais com Gregory Peck; e “A Morada da Sexta Felicidade” (The Inn of the Sixth Happiness, EUA 1958), com Ingrid Bergman. Estórias de dois religiosos cristãos que vão à China, num período conturbado da História.
Também relacionei “O Império do Sol” (The Empire of Sun, EUA, 1987), dirigido por Steven Spielberg e estrelado por um jovem Christian Bale.
Entre muitas cenas impactantes, a que mais me emocionou foi a do voo rasante, em câmera lenta, do P-51, o “Cadillac do Céu”, com o piloto balançando as asas do avião e acenando para o menino que, alucinado, começa a gritar, entusiasmado, entre explosões e tiros: uma apoteose em meio à loucura da guerra. Spielberg e Bale mereciam Oscares naquele ano.
Concluindo a lista, coloquei Blade Runner (EUA, 1982), uma ficção científica emblemática, cheia de pequenos detalhes, como o filete de sangue revolvendo na bebida de Deckard, e a autoral cena final de Rutger Hauer?
Pouco tempo depois, Marcia me presenteou com uma caixa para colocar controles de TV e afins, feita por ela. Nas laterais ela havia colocado os cartazes de cada um desses filmes!
Outro dia, comecei a listar os filmes que, de alguma maneira, impactaram minha vida. Já passei de 500 e ainda não terminei.
Cada vez que lembro de mais um, Marcia vem à mente, como se estivesse pedindo para completar a decoração de uma nova caixinha, no céu, com meu pai projetando cada filme, com os cortes do padre de “Cinema Paradiso”.
Saudades…
Adilson Luiz Gonçalves
Escritor, Engenheiro e Pesquisador Universitário
Membro da Academia Santista de Letras