EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS (ERER): O QUE NOS DIZEM AS TESES DE DOUTORADO EM CIÊNCIAS/QUÍMICA NO BRASIL?
Gustavo Augusto Assis Faustino*
*Técnico em Química (IFG), Licenciado em Química (UFG), Pós-Graduando em Docência (IFMG), Mestrando em Educação em Ciências e Matemática (UFG)
Juvan Pereira da Silva*
*Bacharel, Licenciado, Mestre e Doutor em Química (UFG). Técnico nos laboratórios de graduação do Instituto de Química da UFG
Brunno André Ruela*
*Licenciado em Química e Mestre em Educação em Ciências e Matemática (UFG). Professor do Ensino Médio da rede SESI e Técnico em Assuntos Educacionais da Universidade Federal de Goiás (UFG)
Agustina Rosa Echeverría*
*Bacharel, licenciada e mestre em Química pela Universidade da Amizade dos Povos de Moscou – Rússia. Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – SP/Brasil. Professora Titular da Universidade Federal de Goiás – UFG.
Anna Maria Canavarro Benite*
*Doutora e Mestre em Ciências e Licenciada em Química (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ/ 2005). Professora Titular da Universidade Federal de Goiás – UFG.
Resumo: Nosso objetivo foi analisar, conhecer e caracterizar as teses, realizadas sobre as Relações Étnico Raciais e o Ensino de Ciências nos últimos 20 anos sob a ótica das Teorias de Currículo. Nossos resultados mostram que a UFG e a UFSC concentram cerca de 50% das teses na temática. Anna M. Canavarro Benite, Suzani Cassiani e Guimes Rodrigues Filho são as/os orientadores/as que somando têm 55% das teses de doutorado até o presente momento. Por fim, 67% programas de pós-graduação são da Química e na Educação Científica e Tecnológica.
Palavras-chaves: Química, ERER, Teses de Doutorado, Curriculo
Abstract: Our objective was to analyze, know and characterize the theses, carried out on Ethnic-Racial Relations and Science Teaching in the last 20 years from the perspective of Curriculum Theories. Our results show that UFG and UFSC concentrate around 50% of theses on the subject. Anna M. Canavarro Benite, Suzani Cassiani and Guimes Rodrigues Filho are the supervisors who, in total, have 55% of the doctoral theses up to the present moment. Finally, 67% of graduate programs are in Chemistry and Science and Technology Education.
Keywords: Chemistry, ERER, Doctoral Theses, Curriculum.
À guisa de introdução
A expressão precedente que se conhece marcando a existência do racismo, não por acaso é realizada na Grécia Antiga por Aristóteles. De acordo com Aristóteles algumas pessoas e, consequentemente, alguns povos naturalmente estariam habilitados para a realização do trabalho braçal pelas suas características físicas de serem mais fortes, em contrapartida, outras pessoas, dotadas de características intelectuais deveriam exercer o trabalho de dominação e de governo sobre os primeiros (SANT’ANA, 2005; FRANCISCO JUNIOR, 2008). Tal pensamento, segundo Sant’Ana (2005), foi utilizado para uma distorção histórica a partir do século XV para justificar o processo escravista das pessoas e povos considerados menos habilidosos tecnicamente.
Dessa forma, fruto de lutas históricas do movimento negro, em 09 de janeiro de 2003 foi sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Lei 10.639/03 (alterada pela lei 11.645 que acrescenta a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena) que altera a LDB e torna obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos currículos.
Em 2004 temos as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Em 2006 o mesmo governo publica as Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Já em 2010 é instituído o Estatuto da Igualdade Racial por meio da Lei nº 12.288, de 20 de julho. Em 2013, 10 anos após a promulgação da Lei 10.369/03, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) é publicado o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Assumidos tais pressupostos, nosso objetivo foi, neste artigo, analisar, conhecer e caracterizar as teses, realizadas sobre as Relações Étnico Raciais e o Ensino de Ciências nos últimos 20 anos sob a ótica das Teorias de Currículo.
Percurso Metodológico
Em consonância com a caracterização da produção científica brasileira, foram realizadas pesquisas no repositório de teses e dissertações como, por exemplo, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
Diante disso, ao consultar a BDTD, em um primeiro momento, foram utilizados descritores para caracterizar o Currículo, as Relações Raciais e o Ensino de Ciências e descritores para buscar as teses e dissertações que tivessem relação com a temática sobre a ótica da sob a perspectiva do que foi estudado na disciplina.
Assim, os descritores utilizados inicialmente foram “Currículo” OR “Relações Raciais” OR “Ensino de Ciências”. Nessa busca foram encontrados apenas 18 trabalhos com essa temática, sem a análise se os documentos eram compatíveis com o objetivo do trabalho. Posteriormente, para alcançar um maior número de trabalhos nesse campo de estudo utilizamos apenas dois descritores, sendo “Relações Raciais” OR “Ensino de Ciências” para compreender o que vem sendo produzido no Brasil ao longo desses 20 anos.
Dessa forma, encontramos 515 resultados, sendo 411 dissertações e 104 teses. Após utilizar alguns parâmetros de exclusão e de área de conhecimento, especificamente para o Ensino de Ciências, o corpus de análise ficou com 18 teses.
Resultados e Discussões
Nos primeiros 05 anos (2003 – 2007)
O parecer do Conselho Nacional de Educação de n.º 3/2004 (CNE/CP n.º 3/2004) que dentre outros marcos legais visa a atender os propósitos expressos na alteração trazida à Lei 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei 10.639/2003, foi promulgado em 10-03-2004 Brasil (2004) e as Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) e de 2006, Brasil (2006). Logo, seria natural que não houvesse nem tese e nem dissertação com essa temática nesse período.
Os próximos 05 anos (2008 – 2012)
No segundo quinquênio da vigência da lei foram defendidas duas teses de doutorado e três dissertações de mestrado. O quadro 01 mostra respectivamente, o título dessas produções com os seus respectivos orientadores/as.
Quadro 01. Teses sobre ERER na área de Ensino de Química/Ciências nos anos de 2008-2012.
Discente | Programa | Universidade | Orientação e Co-orientação |
Douglas Verrangia Corrêa da Silva | Educação | Universidade Federal de São Carlos – UFSCar | Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva |
Patrícia Flávia da Silva Dias Moreira | Química | Universidade Federal de Uberlândia – UFU | Guimes Rodrigues Filho e Daniela Franco Carvalho Jacobucci |
A tese de Silva (2009) constitui se na primeira no Brasil sobre a ERER no ensino de Ciências tendo como foco os diálogos possíveis entre Brasil e Estados Unidos. Esse trabalho foi realizado sob orientação da Profa. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva a mesma professora que relatou o parecer CNE/CP n.º 3/2004 para a instrumentalização da aplicação da lei 10.639/2003 e procurou entender o educar-se de docentes brasileiras e professores/as estadunidenses que orienta a vivência de relações étnico-raciais em seu campo de trabalho, o ensino de Ciências. Ao atingir o objetivo da pesquisa foram reveladas formas pelo quais o ensino de Ciências pode contribuir para a ERER positivas humanizantes e justas. Para o autor essas contribuições são atividades, posturas que o/a professor/a pode adotar, sugestões de abordagens e características que pode assumir um ensino de Ciências alinhado com os pressupostos anunciados.
Tendo como pano de fundo a 10.639/03 no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Química da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em 2012, Patrícia Flávia da Silva Dias Moreira defende a tese intitulada “A bioquímica e a Lei Federal 10639/03 em espaços formais e não formais de educação” sob orientação do prof. Dr. Guimes Rodrigues Filho e co-orientação da profa. Dra. Daniela Franco Carvalho Jacobucci.
Nesse sentido o trabalho de Moreira (2012) se deu a partir da contextualização ensino de Química com lei 10.639/03 para produção de materiais didáticos e práticas pedagógicas. A autora abordou cinco temáticas mostrando diversos conteúdos que poderiam/podem ser abordados com vistas ao cumprimento da 10639/03 através de diferentes elementos de interação com o público em espaço formal e não formal de educação. Com a temática anemia falciforme a autora mostra que se podem abordar os conteúdos sobre proteínas, doenças genéticas e reações complexação do ferro.
Com a temática cafeína e noz-de-cola foram abordados os conteúdos drogas, alcaloides e funções orgânicas. Alimentos afro-brasileiros foi a temática utilizada para discutir os conteúdos de carboidratos, lipídios, proteínas, funções orgânicas, doenças relativas a nutrição e elementos químicos. Os conteúdos sobre raios UV, câncer e radicais livres foram trabalhados na temática pele e proteção solar. E, por último, o conteúdo de ligação de ponte de sulfeto foi trabalhado nas temáticas sobre cabelos e etnia.
Os próximos 15 anos (2013 – 2017)
Após uma década e meia de vigência da lei foram defendidas duas teses que estão listadas no quadro 02.
Quadro 2. Tese sobre ERER na área de Ensino de Química/Ciências (EQ/C) nos anos de 2013-2017.
Discente | Programa | Universidade | Orientação e Co-orientação |
Juliano Soares Pinheiro | Química | Universidade Federal de Uberlândia – UFU | Guimes Rodrigues Filho |
Juliana Moraes Franzão | Química | Universidade Federal de Uberlândia – UFU | Guimes Rodrigues Filho |
Sob orientação do prof. Dr. Guimes Rodrigues Filho, também pelo Programa de Pós-Graduação em Química da UFU tivemos duas teses na temática defendidas, a de Juliano Soares Pinheiro em 2016 com o questionamento de como estabelecer relações entre ensino de Química e História e Cultura Africana e Afrobrasileira por meio de ações de um grupo de Licenciandos/as de um subprojeto PIBID/Química/UFU? A pesquisa foi realizada através do desenvolvimento de três ações: i) a utilização do filme “X-men Origens: Wolverine” como mediador entre o conhecimento químico e a história da África; ii) o uso da mitologia africana com o Mito de Ogum para o ensino sobre metais e ligações; iii) a Química dos cabelos em interface com a temática étnico-racial, apresentam-se algumas considerações sobre o trabalho realizado.
Em seguida Franzão (2017),com o foco nas comunidades Kalunga e Jardim Cascata para pensar as realidades, perspectivas e desafios para o ensino de química no contexto da educação escolar Quilombola. A pesquisa chama a atenção para a necessária tarefa de elaborar materiais didáticos que aborde o cotidiano das comunidades quilombolas conforme preconiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica. Conceitos como: separação de misturas, propriedades dos metais, extração em plantas medicinais, o processo de conservação de alimentos. A pesquisa possui, inicialmente, uma discussão fenomenológica e traz desafios para o ensino de química na educação escolar quilombola e para as demais modalidades de ensino por também suscitar reflexões para a incorporação da ERER na Educação Básica.
Rumo à maioridade sobre as discussões (2018 – 2023)
Seguindo essa linha do tempo que é o fechamento da segunda década de vigência da 10.639/03 temos um total de treze (13) teses defendidas até o fim do período desse levantamento bibliográfico. As defesas das teses nesse período se iniciam no dia 05 de março de 2020, seis dias antes da Organização Mundial de Saúde (OMS) decretar a fatídica pandemia do coronavírus SARS-CoV-2 com a defesa do trabalho de Silva (2020) o qual teve como pano de fundo a formação de professores. Os títulos das teses defendidas no período, os programas de pós-graduação, os nomes completos dos autores e das autoras bem como seus/suas respectivos/as orientadores e orientadoras estão dispostos no quadro 03.
Quadro 3. Teses sobre ERER na área de Ensino de Química/Ciências (EQ/C) nos anos de 2018-2022.
Discente | Programa | Universidade | Orientação e Co-orientação |
Carolina Cavalcanti do Nascimento | Educação Científica e Tecnológica | Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC | Suzani Cassiani e Lia Vainer Schucman |
Ivan de Matos e Silva Junior | Ensino, Filosofia e História das Ciências | Universidade Federal da Bahia – UFBA | Rosiléia Oliveira de Almeida |
Juvan Pereira da Silva | Química | Universidade Federal de Goiás – UFG | Anna M. Canavarro Benite |
Patrícia Magalhães Pinheiro | Educação Científica e Tecnológica | Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC | Elison Antonio Paim |
Antônio César Batista Alvino | Química | Universidade Federal de Goiás – UFG | Anna M. Canavarro Benite |
Clemilson Cavalcanti da Silva | Educação | Universidade Federal da Paraíba – UFPB | Maria das Graças de Almeida Baptista e José Antônio Novaes da Silva |
Lia Midori Meyer Nascimento | Ensino, Filosofia e História das Ciências | Universidade Federal da Bahia – UFBA | Juan Manuel Sánchez Arteaga e Charbel Niño El-Hani |
Maritza Mateus Vargas | Ensino, Filosofia e História das Ciências | Universidade Federal da Bahia – UFBA | Bárbara Carine Soares Pinheiro e Adela Molina Andrade |
Eliete Lucia Silva | Química | Universidade Federal de Goiás – UFG | Anna M. Canavarro Benite |
Joaklebio Alves da Silva | Ensino das Ciências | Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE | Monica Lopes Folena Araújo |
Marilene Barcelos Moreira | Química | Universidade Federal de Goiás – UFG | Anna M. Canavarro Benite |
Marysson Jonas Rodrigues Camargo | Química | Universidade Federal de Goiás – UFG | Anna M. Canavarro Benite |
Yonier Alexander Orozco Marín | Educação Científica e Tecnológica | Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC | Suzani Cassiani |
Para a confecção da tese defendida por Silva (2020), o autor ministrou duas disciplinas de 64h/aulas em um curso de formação de professores de ciências/química, numa disciplina experimental com abordagem cultural diaspórica, sendo elas intituladas “Ensino de Química, Identidade e Cultura Afro-brasileira” e “Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER) no Ensino de Ciências”. Nessas disciplinas e, por consequência na pesquisa de doutorado, para cada enfoque conceitual de química era feita uma abordagem cultural ou africana ou afro-brasileira. Assim conceitos como reações química envolvendo o ferro, densidade e viscosidade do azeite de dendê, mineração, princípios ativos de plantas e suas formulas moleculares, reações químicas envolvendo o leite, platina e paládio produzidos no continente africano foram contextualizados com herança cultural deixada pelos ancestrais africanos e africanas, pela arqueologia e o apartheid na África.
Nesse mesmo ano Silva Junior (2020) defende sua tese no qual ele debate sobre o pensamento decolonial na biogeografia e suas contribuições na formação docente. Na pesquisa o autor articula a biogeografia com conceitos e temas advindos dos estudos e pesquisas decoloniais e do âmbito da formação docente. Desse modo, o trabalho tenta compreender como a Biogeografia pode contribuir na formação docente a partir do pensamento decolonial. A título de exemplificação, podemos apresentar um dos momentos da Roda de conversa, a partir dos fazeres-saberes em torno da relação do Axé com a natureza compartilhados pelo babalorixá Arnaldo Santana.
Uma das características do carvão é a sua grande área superficial interna localizados dentro de poros estreitos o que faz com esse material funcione como as chamadas peneiras moleculares e isso é relatado por um dos participantes da pesquisa. Por fim, também em 2020, três teses são defendidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica – PPGECT da UFSC. Gorri (2020) com base na importância dada à formação inicial dos docentes em química para a efetivação da Lei n°11.645/08, investigou de que maneira as histórias e culturas indígenas têm sido inseridas nos Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) dos cursos das licenciaturas em química, no estado de Santa Catarina.
Também no PPGECT-UFSC Nascimento (2020) investigou as implicações das percepções de professoras e professores sobre o significado de ser branca(o) para a educação das relações étnico-raciais. A pesquisa de Pinheiro (2020) busca compreender como se dá a ERER no âmbito da formação de professoras/es de Ciências Biológicas da UFSC. A autora se fundamenta no pensamento decolonial e no feminismo negro, privilegiando o diálogo com teóricas/os terceiro mundistas e intelectuais negras/os. O caminho metodológico trilhado envolve tanto a análise de fontes documentais como PPC de Ciências Biológicas, Planos de ensino das disciplinas obrigatórias e optativas, quanto narrativas orais obtidas por meio de entrevistas de 02 professoras/es formadoras/es, 03 professoras/es em formação inicial e 02 professoras/es egressos em exercício na Educação Básica, sendo essas narrativas transformadas em mônadas. O percurso teórico metodológico mostrou a dialética constante entre silenciamentos e resistências em relação à educação das relações étnico-raciais na formação de professoras/es de Ciências Biológicas.
O ano agora é 2021, aqui pode-se dizer que a 10.639/03 atinge a sua maioridade. Nesse ano Alvino (2021), defende a sua tese que é um complemento do seu trabalho de mestrado, Alvino (2017). O autor parte da pergunta: é possível ensinar conteúdos químicos a partir da historicidade, contexto cultural e epistêmico de matriz africana? Alguns eixos temáticos como: Ciclo da cana-de-açúcar no Brasil; Ciclo do ouro (mineração) no Brasil; Ciclo do café no Brasil; Estudo da religiosidade, origem e produção de sabão: tecnologias africanas na formação brasileira foram trabalhadas numa disciplina experimental de química para o ensino médio. Temas como preconceitos raciais, racismo no ensino de ciências, políticas ações afirmativas, discriminação racial nos meios de comunicação e mercado de trabalho, tecnologias de matriz de africana, quilombos, reações químicas, reações de oxirredução, osmose, polaridade e solubilidade dos materiais, foram transversalizados com os eixos temáticos propostos.
Em seguida temos a tese de Silva (2021) que verificou a presença ou ausência de temas ligados a afrocentricidade em livros didáticos de ciências naturais, utilizados em escolas públicas, antes e após a promulgação da 10.639/03. Com o propósito de promover a educação das relações étnico-raciais, a educação em saúde e uma abordagem crítica equilibrada da ciência, no contexto da formação de professoras/es de Biologia e, tendo como tema principal, o estudo da anemia falciforme. Nascimento (2021) apresenta os resultados de sua tese, cujo objetivo geral foi validar princípios de planejamento de uma sequência didática (SD) sobre a racialização dessa doença e a sua relação com o racismo científico.
Quais são as concepções dos professores em formação inicial sobre a classificação dos seres vivos numa perspectiva decolonial: o caso das licenciaturas em Biologia de duas universidades públicas da cidade de Bogotá, é a pergunta de pesquisa que originou a tese de doutorado de Vargas (2021). A classificação dos seres vivos foi o tema central dessa pesquisa e para responder este questionamento, um questionário foi aplicado a 175 alunos de graduação em biologia da Universidad Pedagógica Nacional e da Universidad Distrital Francisco José de Caldas. Suas respostas foram submetidas a uma Análise Fatorial de Componentes Principais, que permitiu a identificação de sete concepções: interculturalidade relacional, decolonial – interculturalidade, crítica, exclusiva, objetivista; utilitária, relações interculturais e hegemonía cultural. Isso abre espaço para reflexão sobre as concepções de professores em formação, bem como o papel dos processos formativos dos quais esses alunos fazem parte.
Também trabalhando numa perspectiva decolonial Yonier Alexander Orozco Marín (2022) defendeu sua tese de doutorado pelo PPGECT-UFSC. Esta pesquisa estuda a interseção entre abordagens antirracistas e de dissidência sexual e de gênero no nível didático da educação em biologia, em perspectiva decolonial. Segundo o autor metodologicamente a pesquisa se articula em três níveis: político, científico e no nível dos processos de ensino e aprendizagem em sala de aula.
Eliete Lucia Silva (2022) defendeu tese de doutorado discorrendo sobre a formação docente em química e o ensino de história e cultura africana. O trabalho foi realizado num curso de formação de professores de química em uma disciplina especifica e obrigatória do 7º período, denominada Prática de Ensino de Química, de uma universidade pública de Goiás. A pesquisa partiu do seguinte questionamento: Como é possível formar professores e professoras de química a partir de um currículo não hegemônico, abordando a cultura africana? De maneira que para responder ao questionamento foram elaborado três intervenções pedagógicas aos discentes do curso com as temáticas: cerveja egípcia, corante índigo e solos; apresentando os aspectos teóricos metodológicos da História e Cultura Africana com a implementação da Lei 10630/03. Também foi apresentado aos professores do colegiado do curso o material desenvolvido para que os mesmos tivessem conhecimento de uma abordagem da inserção desse conhecimento em um curso de Química, juntamente com um questionário, para obtenção dessas informações.
“Química na cozinha: alimentação e a diáspora africana”, esse é o nome da disciplina ministrada para alunos e alunas da 2ª e 3ª série do ensino médio, de uma escola de pesquisa e estágio de uma universidade federal, que Barcelos (2022). Nessa pesquisa, foi apresentada as razões para implementação da lei 10.639/03 no ensino fundamental e médio; as perspectivas freirianas por uma educação antirracista; e, o capítulo que entrelaça o ensino de Química, alimentação e cultura africana e afro-brasileira. No desvelar da trama, foi explicado sobre o desenvolvimento (planejamento e elaboração) do material instrucional para cada subtema, bem como as reflexões, sustentadas nos pilares freirianos (ao qual a autora chama de circularidade freiriana) e em referenciais teóricos da ciência/ensino de Química e da educação antirracista. Os dados alvitram mostrar que um ensino por colaboração e contextualizado com a realidade dos estudantes, pode ser um possível caminho para a construção de uma educação antirracista e libertadora.
Mapeamento da realidade curricular brasileira
A partir das teses mencionadas acima, realizamos algumas tabulações com os dados mencionados acima como, por exemplo, as Instituições de Ensino Superior – IES, as orientações e/ou co-orientações, assim como os programas de Pós-Graduação que tem de debruçado sob essa temática.
Dessa forma, no campo das Instituições de Ensino Superior – IES destacamos que a UFG e a UFSC concentram cerca de 50% das teses na temática conforme o quadro 05 abaixo.
Quadro 05. Instituições de Ensino Superior – IES.
Instituição de Ensino Superior – IES | Quantidade de Tese |
Universidade Federal de Goiás – UFG | 05 |
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC | 04 |
Universidade Federal da Bahia – UFBA | 03 |
Universidade Federal de Uberlândia – UFU | 03 |
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar | 01 |
Universidade Federal da Paraíba – UFPB | 01 |
Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE | 01 |
Quando observamos os/as orientadores/as e/ou co-orientadores/as na somatória das orientações de tese, a profa. Anna M. Canavarro Benite, Suzani Cassiani e Guimes Rodrigues Filho têm 55% das teses de doutorado até o presente momento, conforme a tabela 06 abaixo.
Quadro 06. Orientação e/ou Co-orientação
Orientação e/ou Co-orientação | Quantidade de teses |
Anna M. Canavarro Benite | 05 |
Guimes Rodrigues Filho | 03 |
Suzani Cassiani | 02 |
Adela Molina Andrade | 01 |
Anelise Maria Regiani | 01 |
Bárbara Carine Soares Pinheiro | 01 |
Charbel Niño El-Hani | 01 |
Daniela Franco Carvalho Jacobucci | 01 |
Elison Antonio Paim | 01 |
José Antônio Novaes da Silva | 01 |
Juan Manuel Sánchez Arteaga | 01 |
Lia Vainer Schucman | 01 |
Maria das Graças de Almeida Baptista | 01 |
Monica Lopes Folena Araújo | 01 |
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva | 01 |
Rosiléia Oliveira de Almeida | 01 |
Tatiana da Silva | 01 |
Por sua vez, quanto aos programas de pós-graduação pelas quais os/as autores/as estão se formandos têm que das teses de doutorado concentram-se 67% na Química e na Educação Científica e Tecnológica, conforme a tabela 07 abaixo.
Quadro 07. Programa de Pós-Graduação com a temática.
Programa de Pós-Graduação | Quantidade de Teses |
Química | 08 |
Educação Científica e Tecnológica | 04 |
Ensino, Filosofia e História das Ciências | 03 |
Educação | 01 |
Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde | 01 |
Por fim, construímos as categorias e análise do corpus sob a ótica das Teorias de Currículo (TC) – Tradicional, Crítica e Pós-Crítica – das teses mencionadas ao longo do trabalho (SILVA, 2000), conforme o quadro 08.
Quadro 08. Teorias de Currículo (TC) – Tradicional, Crítica e Pós-Crítica.
Teorias do Currículo | Quantidade de Teses |
Tradicional | — |
Crítica | 15 |
Pós-Crítica | 02 |
Não há qualquer menção das TC | 01 |
Considerações Finais
Apesar das teorias pós-criticas permearem as discussões sobre “Raça, Etnia, Diferença. Identidade”, os/as autores/as utilizados/as nas teses são, majoritariamente, das teorias Críticas. Apenas uma dissertação utiliza das Teorias Tradicionais, de acordo com a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
Portanto, 01 das 18 teses analisadas sequer mencionam sobre a questão curricular em todo o texto. Além disso, observa-se que nem todas as teses utilizam autores/as da área de Currículo em suas análises e, muitas das vezes, quando trazem apresentam apenas 01 artigo sobre a temática.
Referências Bibliográficas
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MOREIRA, Marilene Barcelos. A boniteza da implementação da Lei 10.639/03 no ensino de química esperançando criticamente superar os estigmas étnico-raciais do ambiente escolar. 2022. 217 f. Tese (Doutorado em Química) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2022.
MOREIRA, Patricia Flavia da Silva Dias. A bioquímica e a lei federal 10.639/03 em espaços formais e não formais de educação. 2012. 179 f. Tese (Doutorado em Química) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012.
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