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FEMINISMO DA DIFERENÇA E CIÊNCIA

Está na hora de acontecer uma revolução no comportamento das mulheres, tempo de restaurar sua dignidade perdida e fazê-las trabalhar, como parte da espécie, para reformar o mundo com sua própria mudança.

Mary Wollstonecraft

Margarete Hülsendeger

Já dizia bell hooks que o feminismo não é “um bando de mulheres bravas que querem ser iguais aos homens”, mas um movimento que deseja acabar com o sexismo e a opressão. Portanto, não se trata de ser “anti-homem”, mas de lutar, em todas as frentes, para que as mulheres conquistem direitos que até agora lhes foram negados. Uma dessas frentes é romper com a imagem, enraizada na nossa cultura, de que o papel da mulher é ser mãe e dona de casa.

Esse propósito, comum aos movimentos feministas, não impediu que surgissem diversas maneiras de ver o feminismo. Uma dessas maneiras é chamada de “feminismo da diferença”. Ela diverge do “feminismo liberal” por enfatizar a diferença e não a igualdade entre homens e mulheres. Assim, enquanto o feminismo liberal defende a capacidade das mulheres em manter a igualdade por meio de suas próprias ações e escolhas, o feminismo da diferença argumenta que, sim, existem diferenças entre homens e mulheres, mas nenhum julgamento de valor pode ser feito sobre tais dessemelhanças, com ambos os gêneros tendo igual status moral como pessoas.

Dessa forma, a essência do feminismo da diferença está em reavaliar as qualidades que a sociedade costuma desvalorizar por considerá-las “femininas”, tais como a subjetividade, a cooperação, o sentimento e a empatia. Qualidades que, em tese, afastariam as mulheres de trabalhos em áreas do conhecimento onde a racionalidade e a objetividade são extremamente valorizadas. Nesse sentido, pode-se dizer que o modelo adotado pela ciência, assim como pelas engenharias, em seu aspecto social, está manchado por exclusões com base no gênero. Na maioria das vezes, espera-se que as mulheres assimilem a ciência, e não o contrário, supondo-se que na cultura ou no conteúdo das ciências nada precise mudar para acomodá-las.

O feminismo da diferença não argumenta em favor da existência de um vínculo biológico, inerente, a-histórico ou “natural” entre a feminilidade e valores tradicionalmente femininos, hábitos mentais ou características de personalidade. Ele defende que as mulheres falam com uma “voz diferente” quando fazem julgamentos morais, valorizando o contexto e a comunidade acima de princípios abstratos. Como resultado, o conhecimento, quando construído por mulheres, se tornaria mais conectado, o pensamento mais contextual e o discurso mais colaborador. Essas qualidades, vistas pela sociedade como “femininas”, não seriam, por consequência, um problema para as mulheres que desejassem seguir uma carreira científica, mas um elemento diferenciador no trabalho como pesquisadoras. Não obstante, se observa que esses valores, além de terem sido excluídos da ciência, tornaram as desigualdades de gênero ainda mais evidentes na produção e estruturação do conhecimento. Por isso, um dos grandes méritos do feminismo da diferença foi negar a afirmação de que a ciência não tem gênero.

Entretanto, o feminismo da diferença recebeu, ao longo dos últimos anos, muitas críticas, sendo a principal delas a de postular a existência de uma “mulher ideal”, quando se sabe que as mulheres têm distintas histórias, necessidades e sonhos. Assim, ao romantizar a feminilidade, o feminismo da diferença pouco fez para superar estereótipos convencionais de homens e mulheres. Ademais, essa tentativa de ligar o bom e o belo às mulheres, além de afastar os homens simpáticos ao movimento, deixou de analisar as suas contribuições para os rígidos conceitos de masculinidade. Logo, concepções como o da existência de uma “ciência feminista” empática, não dominadora, ambientalista ou “favorável às pessoas” provoca, muitas vezes, mais danos do que ganhos, pois reforçam clichês retirados de um mítico “feminino perdido”.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Desse modo, mesmo que o feminismo da diferença apresente aspectos positivos e tenha contribuído para repensar e, por consequência, valorizar atributos ditos “femininos”, ele falha ao não incluir uma consciência crítica de gênero na formação básica de jovens cientistas e no mundo do cotidiano da ciência. Apenas quando isso ocorrer é que as mulheres poderão usufruir das mesmas liberdades que os homens sempre tiveram de expressar diferentes perspectivas e opiniões, sem serem vistas como “aquelas mulheres” daquele grupo, departamento ou instituição. E mesmo que traços ditos “femininos” possam, às vezes, servir como ferramentas para a crítica, seria ingênuo pensar que eles sejam a base para um novo tipo de ciência. Até o momento, a realidade tem nos mostrado que não há um estilo “feminista” que possa simplesmente ser conectado à bancada de um laboratório. Isso, no entanto, não impede que as mulheres continuem lutando contra uma estrutura social criada e mantida para beneficiar os interesses masculinos.


[1] As ideias discutidas neste texto estão baseadas na obra O feminismo mudou a ciência?, de Londa Schiebinger (Edusc, 2001).

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