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As Infâncias E As Crianças Como Sujeitos De Direito: Um Olhar A Partir Das Políticas Educacionais

As Infâncias E As Crianças Como Sujeitos De Direito: Um Olhar A Partir Das Políticas Educacionais

Ana Caroline Trindade Morais[*]

Sacha Larissa Mendonça da Costa[†]

Rozane Alonso Alves[‡]

Artigo: A proposta deste trabalho é discutir o avanço das infâncias e do conceito de criança a partir das políticas Educacionais (RCNEI, ECA, LDB), levando em consideração o processo de construção das crianças como sujeitos de direitos. Para tanto, nos pautamos nas análises inspiradas na produção de dados das pesquisas documentais. Diante disso, observamos que o processo de construção e percepção das crianças como sujeitos de direitos se efetivou a partir das demandas produzidas por meio de movimentos sociais a partir da década de 1970.

Palavras-Chave:  Infância. Criança. Sujeitos de Direitos. Políticas Educacionais.

Palavras Iniciais

Fruto das discussões produzidas no Programa Nacional de Residência Pedagógica do núcleo de Educação Infantil, vinculada ao Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA, da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, este trabalho buscou ampliar as questões teóricas que formulam o modo como a escola, por meio das políticas educacionais, concebem o ser criança como sujeito social de direitos.

Buscamos discutir, apoiados nas implicações da pesquisa de análise documental em Ludke (1986), bem como a revisão de literatura por possibilitar a revisão conceitual do tema estudado, neste caso, infância e criança. Tratando da análise documental, Ludke (1986) ressalta que ao selecionar documentos (micro ou macro), o pesquisador poderá compreender os mecanismos que produzem determinados discursos, neste caso, sobre a criança enquanto sujeito de direitos.

Para isso, buscamos compreender, de maneira insipiente, a produção do conceito infância e criança no contexto dos seguintes documentos oficiais: a) o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI, b) a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96, e c) o Estatuto da Criança e Adolescente – ECA. Segundo Ludke (1986, p.39) a análise documental permite que seja “retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Não são apenas fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre o mesmo contexto”.

Diante disso, buscamos indagar: como se constituem os conceitos de infâncias e crianças nos contexto das políticas públicas educacionais? Quais mecanismos influenciam o contexto escolar na produção das crianças como sujeitos de direitos? Para dar conta de tais problematizações, passamos a olhar as políticas públicas elencadas a cima como estratégia de percepção dos conceitos de infância, criança e direito social infantil.

Olhando as Políticas e a criança como sujeito social

Para caracterizar a criança como um ser de direitos, podemos olhar para os avanços nas legislações que vem para assegurar o direito que faz da criança um ser singular, como a promulgação da Constituição Federal de 1998, o Estatuto da criança e do adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394/96, sendo esses os avanços voltados ao atendimento à criança, quando passa então a ser visto sob a ótica dos direitos e deveres garantidos constitucionalmente.

Nessa perspectiva, Sarmento e Pinto (1997, p.49-50) nos dizem que:

O processo de valorização da infância e os estudos do processo de desenvolvimento e de socialização das crianças conheceram, a partir do século passado, desenvolvimentos qualitativos a que não é alheio, certamente, o novo quadro de problemas sociais originados pela industrialização e o movimento social “ pelos direitos da criança”, que começa a manifestar-se já desde o século XVIII, mas que acabará por ver as suas preocupações traduzidas em legislação apenas no século XIX e sobretudo no século XX. Esse movimento exprime, ao fim e ao cabo, uma nova sensibilidade e uma nova atitude que procura valorizar a “voz” e a expressão das crianças […]

Apesar da lei ter garantido a educação para as crianças, jovens e adultos, a oferta do ensino infantil não era obrigatória. Somente com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96, que a Educação Infantil se tornou gratuita e obrigatório, se constituindo como a primeira etapa da Educação Básica.

É importante ressaltar que as discussões sobre criança no contexto das políticas educacionais dão seus primeiros passos entre os anos 1940 a 1960, com a tramitação e elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, publicada em 1961. Nela, nos Art. 2, 23 e 25 destacam:

Art. 2º A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Art. 23. A educação pré-primária destina-se aos menores até sete anos, e será ministrada em escolas maternais ou jardins-de-infância. Art. 25. O ensino primário tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração no meio físico e social.

Com a LDB de 1961, não houve um avanço na construção e percepção da criança enquanto sujeito de direitos. Na promulgação da LDB de 1971 (segunda LDB), as discussões não avançam, no sentido de se pensar a estruturação da escola e das políticas educacionais voltadas as infâncias.

Com o processo de redemocratização do Brasil na década de 1980 e com a promulgação da Constituição Federativa do Brasil em 1988 – CF de 88, as crianças passam a estabelecer uma nova dinâmica educacional nos sistemas de ensino brasileiro.

A Constituição Brasileira de 1988 inaugurou uma nova fase doutrinária em relação à criança e ao adolescente. Foi a primeira Constituição Brasileira que considerou explicitamente a criança como sujeito de direitos e também foi a primeira Constituição Brasileira que falou em creches e pré-escolas. Estas instituições aparecem como direito dos trabalhadores homens e mulheres, urbanos e rurais, que têm “direito à assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas”. (CRAIDY, 1998, p. 71).

A Constituição Federativa do Brasil de 1988, possibilitou a elaboração de uma nova LDB, incorporando em suas discussões a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica.  A LDB nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, estabelece no Art. 4º que é dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: “I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio” (BRASIL, 1996). Quanto a Educação Infantil, garante o direito da sua oferta de maneira gratuita as crianças de até 05 (cinco) anos de Idade.    

Mais adiante no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (Brasília, 1998) são destacadas as características da singularidade deste grupo, quando afirma que “as crianças possuem uma natureza singular, que as caracterizam como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio”. Sendo assim, durante o processo de construção do conhecimento, “as crianças se utilizam das mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem ideias e hipóteses originais sobre aquilo que procuram desvendar”. Este conhecimento constituído pelas crianças “é fruto de um intenso trabalho de criação, significação e ressignificação”. Como descreve o RCNEI:

Compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo é o grande desafio da educação infantil e de seus profissionais. Embora os conhecimentos derivados da psicologia, antropologia, sociologia, medicina, etc. possam ser de grande valia para desvelar o universo infantil apontando algumas características comuns do ser das crianças, elas permanecem únicas em suas individualidades e diferenças (Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, 1998, p.22).

Como fala o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 21) também, “a criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico.” Como podemos notar na atualidade há um olhar para a criança como protagonista, reconhecida como cidadã, como sujeito de direitos, o que levou por sua vez o educador a trabalhar com maior conhecimento sobre o que elas realmente necessitam e assim lhes permitir maior desenvolvimento.

Por isso, Maia (2012) destaca que os estudos na contemporaneidade percebem a criança também como sujeito social ativo e produtor de cultura.

Estudos contemporâneos buscam mostrar o fato de que as crianças participam coletivamente da sociedade e são sujeitos ativos, rompendo com o adultocentrismo, entendendo a criança como um ser social, histórico, produtor de cultura. Esses estudos buscam, ainda, evidenciar a presença de uma diversidade de infâncias e não uma concepção uniformizadora (MAIA, 2012, p.32).

Entre os instrumentos que estabelecem os direitos da criança e garantem seu desenvolvimento e proteção, destacamos a Constituição Federal Brasileira de 1998, esta determina a prioridade à proteção da infância e da criança, assim como também, a garantia dos direitos, como um dever tanto da família, como também do Estado. Como destaca Nunes et al (2011, p.30):

A Constituição Federal de 1988 redefiniu os princípios da República e restabeleceu o Estado de Direito. Esse novo quadro político inseriu a criança num contexto de cidadania e definiu novas relações entre ela e o Estado. São os seguintes os principais dispositivos constitucionais que criaram o novo paradigma para essa relação. 2.2.1. (Direitos a) A criança é um sujeito de direitos. Seus direitos são citados no artigo 227 da Constituição. Ela é vista, portanto, na integralidade de sua pessoa. b) Seus direitos devem ser garantidos com absoluta prioridade pela família, pela sociedade e pelo Estado. c) Abrangência: “[…] direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, e direito de estar […] a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão

Outra conquista efetivada é surgimento do Estatuto da Criança e do adolescente em 1990, que reforça a cidadania da criança, apresentando modificações na forma de pensar a infância no país, reconhecendo a criança e o adolescente como ser de direitos, como podemos verificar no Art. 53, que afirma que “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania […]. Também no inciso IV, estabelece que se deve assegurar à criança, especificamente, o “atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (ECA, 1990).

O ECA é o estatuto jurídico da criança cidadã. Ele consagra uma nova visão da criança e do adolescente na sociedade brasileira, afastando o olhar autoritário, paternalista, assistencialista e repressivo do Código de Menores e coloca, no lugar dele, o da criança cidadã, sujeito de direitos, em processo de desenvolvimento e formação (NUNES, 2011, p.32).

         A Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, é outro importante marco para a educação infantil, pois estabeleceu uma relevante conquista, isso porque esta passou a fazer parte do sistema nacional de ensino como a primeira etapa da educação básica. Sendo reconhecida como uma etapa significativa para o desenvolvimento humano, que nos artigos 29 e 30 são descritos:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da comunidade.

Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II – pré-escolas, para crianças de quatro a cinco anos de idade.

Dessa forma, podemos ver que algumas dessas conquistas levaram a um novo olhar para a criança, na qual passou ser reconhecida como cidadã, como sujeito de direitos, não mais fragmentada em áreas independentes, e sim entendida e devidamente atendida, com atenção integral para a construção da educação e cidadania.

Considerações Finais

O processo de sócio histórico que formulou as políticas educacionais voltadas as infâncias por meio da primeira etapa da Educação Básica, Educação Infantil, nos possibilitou a percepção de que, no contexto de inserção de crianças pequenas de 0 (zero) a 5 (cinco) anos de idade houve uma intensificação da sociedade na construção de espaços educativos voltados não apenas ao cuidado, mas também na construção de elementos educacionais que compreendesse as crianças como sujeitos de direitos.

Diante a ampliação dos debates sociais e políticos, o avanço na construção de políticas que atendam não apenas a proteção dessas crianças, mas constituem documentos curriculares que garantam o direito de aprendizagem a partir das realidades educacionais dessas crianças, possibilitou a compreensão do sujeito criança como ser de direitos.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, Centro Grafico,1998.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Câmera dos Deputados, Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. DOU de 16/07/1990 – ECA. Brasília, DF.

BRASIL. Governo Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília, DF: MEC/SEF/DPE/COEDI, 2002

LUDKE, Menga. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MAIA, Janaina Nogueira. Concepções de criança, infância e educação dos professores de educação infantil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Católica Dom Bosco: Campo Grande, 2012.

NUNES, Maria Fernanda Rezende; CORSINO, Patrícia; DIDONET, Vital. Educação infantil no Brasil: primeira etapa da educação básica. Brasília: UNESCO, Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, Fundação Orsa, 2011.


Ana Caroline Trindade Morais

[*] Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA. Bolsista do Programa de Residência Pedagógica, núcleo de Educação Infantil. Email anacarolinetrindade718@gmail.com.

Sacha Larissa Mendonça da Costa

[†] Acadêmica do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA. Bolsista do Programa de Residência Pedagógica, núcleo de Educação Infantil. Email schalarissamendoncadacosta@gmail.com.

Rozane Alonso Alves

[‡] Doutora em Educação. Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA. Coordenadora da Residência Pedagógica do Núcleo de Educação Infantil.

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