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APRENDIZAGENS INICIAIS DA LEITURA E ESCRITA NA ALDEIA G̃APG̃IR, CONTEXTO PAITER SURUI

APRENDIZAGENS INICIAIS DA LEITURA E ESCRITA NA ALDEIA G̃APG̃IR, CONTEXTO PAITER SURUI

*Oyagui Maycon Surui

**Josélia Gomes Neves

Resumo – O trabalho em tela trata de uma reflexão sobre o ler e escrever em escolas indígenas. A pesquisa qualitativa adotou a pesquisa documental como fonte de dados por meio de atividades retiradas de cadernos escolares. Concluímos que os processos de alfabetização na Aldeia G̃apg̃ir ora são orientados pela concepção empirista, muito conhecida pelo jeito de trabalhar a partir das influências das cartilhas e ora há elementos que se aproximam da concepção construtivista – proposta pedagógica que leva em conta os saberes infantis e a qualidade das intervenções pedagógicas, pontos importantes para a formação inicial e continuada.

Palavras-Chave: Alfabetização Intercultural. Paiter Surui. Aldeia G̃apg̃ir. Terra Indígena Sete de Setembro-RO. Educação Escolar Indígena.

Resumen – El trabajo en pantalla trata de una reflexión sobre leer y escribir en escuelas indígenas. La investigación cualitativa adoptó la investigación documental como fuente de datos por medio de actividades retiradas de cuadernos escolares. Concluimos que los procesos de alfabetización en la Aldea G apg ir ahora están orientados por la concepción empirista, muy conocida por la manera de trabajar a partir de las influencias de las cartillas y ahora hay elementos que se aproximan a la concepción constructivista – propuesta pedagógica que tiene en cuenta los saberes infantiles y la calidad de las intervenciones pedagógicas, puntos importantes para la formación inicial y continuada.

Palabras clave: Alfabetización Intercultural. Paiter Surui. Aldea G apg ir. Tierra Indígena Sete de Setembro-RO. Educación Escolar Indígena.

Introdução

O objetivo deste escrito foi entender de forma introdutória, como as crianças indígenas, do Povo Paiter Suruí da Aldeia G̃apg̃ir estão aprendendo a ler e escrever. Para alcançar este objetivo foi necessário realizar a pesquisa bibliográfica que será demonstrada no decorrer do trabalho. Já a pesquisa de campo, foi a etapa da realização da pesquisa documental através da análise de atividades de alfabetização de cadernos escolares.

Como pesquisa qualitativa, o estudo adotou, na coleta e análise de dados, a pesquisa documental por envolver “O exame de materiais de natureza diversa, que ainda não receberam um tratamento analítico, ou que podem ser reexaminados, buscando-se novas e/ou interpretações complementares, […]”. (GODOY, 1995, p. 21).

Os documentos coletados e analisados foram atividades de cadernos das crianças dos anos iniciais do ensino fundamental da EIEEF Sertanista José do Carmo Santana. Os cadernos escolares têm sido considerados importantes fontes de compreensão da História da Educação e Alfabetização, principalmente por disponibilizar informações sobre as práticas culturais de escrita, na medida em que “[…] traduzem práticas educativas e, em especial, práticas avaliativas. […]”. (MIGNOT, 2005, p. 41).

Nesta direção, as atividades produzidas pelas crianças apontaram pistas de como está acontecendo a inserção indígena inicial no mundo da escrita. Estes resultados poderão apresentar elementos importantes do processo de alfabetização de modo a provocar ajustes e ampliações nas políticas públicas educacionais.

Alfabetização Intercultural Paiter Surui na Aldeia G̃apg̃ir

[…] o México deu-me a possibilidade de trabalhar com populações que me interessavam prioritariamente nesse momento: crianças de populações marginalizadas, afastadas do contato cotidiano com a língua escrita, adultos analfabetos, grupos sociais para os quais (infelizmente) a escolarização não é garantia de alfabetização, crianças indígenas que falam línguas anteriores à conquista, línguas que tiveram uma tradição de escrita e perderam-na (como a língua maia) e línguas sem tradição de escrita. (FERREIRO, 2001, p. 89-90).

A epígrafe acima trata de uma reflexão produzida pela pesquisadora argentina Emília Ferreiro a respeito das línguas  indígenas em contexto mexicano. Sua conexão com o texto em tela, decorre da atenção encaminhada ao processo de aquisição da língua escrita nos territórios dos povos originários, tema que temos investigado há quase duas décadas identificado como Alfabetização Intercultural (NEVES, 2005).

Nesta direção, o presente tópico trata da apresentação dos resultados parciais do estudo realizado através do Plano de Trabalho: “Alfabetização Intercultural – Paiter Surui na Aldeia G̃apg̃ir, na Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EIEEFM) Sertanista Jose do Carmo Santana. Instituição que foi criada através do Decreto nº 5.705/1992, está localizada na Linha 14, na Terra Indígena Sete de Setembro-RO, no município de Cacoal, estado de Rondônia.

Uma das atividades iniciais que desenvolvemos foi localizar registros escritos na comunidade. Conforme estudamos no ciclo do PIBIC 2020-2021, as informações escritas tanto na escola como nas práticas sociais da aldeia são importantes para a circulação e divulgação dos suportes de escrita, levando em conta principalmente o histórico indígena de tradição oral. Além disso, estas situações representam importantes meios para ampliar a compreensão da funcionalidade ou serventia da língua escrita, considerando a participação infantil neste processo de registro:

[…] o mais interessante é que as crianças possam ser co-participantes da invenção da escrita de sua língua, tentando comunicar-se por escrito. Quando digo ‘aumentar o número de usuários’, não penso só em adultos. Se começaram escrevendo quando eram crianças, talvez continuem escrevendo ao se tornarem adultos. (FERREIRO, 2001, p. 162).

E no caso das escritas da comunidade, elas podem ser utilizadas como material didático na sala de aula porque é preciso considerar que as crianças são muito observadoras. Assim como outras coisas, elas aprendem sobre a linguagem escrita bem antes de ingressar na educação formal. No entanto, essa forma de compreensão quase naturalizada na atualidade, era ausente nas investigações e publicações referentes à alfabetização:

Algo que temos procurado em vão nesta literatura [literatura psicológica] é o próprio sujeito: o sujeito cognoscente, o sujeito que busca adquirir conhecimento, o sujeito que a teoria de Piaget nos ensinou a descobrir. O que quer dizer isso? O sujeito que conhecemos através de Piaget é aquele que procura ativamente compreender o mundo que o rodeia e trata de resolver as interrogações que este mundo provoca. Não é um sujeito o qual espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele por um ato de benevolência. […]. Podemos supor que esse sujeito cognoscente está também presente na aprendizagem da língua escrita? Nós achamos que a hipótese é válida. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 26).

Foi possível encontrar uma expressão que identifica a igreja evangélica da Aldeia por meio da seguinte inscrição: “Paiterey ema Palob ay ãme – sab-ãdana-e”, que em português quer dizer: “Casa de adoração a Deus Paiter-ey”. A observação de grafias como esta no espaço não escolar pode contribuir para as crianças compreenderem várias funções do sistema de escrita.

Figura 1– Identificação da igreja Paiter.

Fonte: Dados da pesquisa

Vale ressaltar que a relação entre igreja e escrita em áreas indígenas vem sendo marcada pela desconfiança tendo em vista os interesses de integração e evangelização encaminhados pelo Estado brasileiro e/ou a igreja. Significa dizer, que de um lado, a escrita foi introduzida em áreas indígenas com o propósito de ampliar os domínios da língua portuguesa e com isso facilitar o processo integracionista e de outro, colocar a língua indígena no papel com vistas à tradução da bíblia. (SILVA; AZEVEDO, 1995; MINDLIN, 2004; BERGAMASCHI, 2009).

Sobre os cadernos escolares de estudantes da Escola Indígena Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EIEEFM) Sertanista Jose do Carmo Santana, selecionamos atividades não repetidas tanto em língua portuguesa como em língua Paiter, pois: “[…] os registros materializados nesses documentos são valiosos para a compreensão de parte das práticas cotidianas vividas em classes de alfabetização […]”. (BECALLI; SCHWARTZ, 2017, p. 210), como o desenho, por exemplo.

E como discutimos em nossos estudos as crianças iniciam seus entendimentos sobre a escrita a partir do desenho que possui relação com a sua própria realidade como árvores, malocas e auto representação. De acordo com o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas esta prática infantil é importante porque: “Quando a criança desenha livremente, ela já está elaborando ideias sobre a escrita. […]”. (BRASIL, 1998, p. 136).

Figura 2 – Desenho Infantil

Fonte: Dados da pesquisa

Pelo que observamos o desenho permanece mesmo nas atividades mais adiantadas quando as crianças já utilizam palavras na língua Paiter, como: ariãh/ frango, morib/peixe, por exemplo ou em língua portuguesa, como anel e arroz, termos conhecidos pelas crianças e que possuem relação com a cultura indígena e a cultura ocidental:

Figura 3 – Desenhos e palavras

Fonte: Dados da pesquisa

A proposta de incentivar as escritas na língua indígena tem sido indicada por intelectuais desta etnia como importantes meios de ampliação deste conhecimento: “[…] a escola pode trabalhar com didáticas que permitem aprendizagens interculturais com afirmação da cultura e valorização dos conhecimentos Paiter em diálogo e com o reconhecimento da sociedade não indígena. […]”. (PAGATER SURUI, 2018, p. 121).  Atividades como esta são importantes na alfabetização porque podem contribuir para o entendimento infantil sobre a escrita.

As crianças poderão compreender que assim como o desenho, a escrita representa ideias. E quando a escrita é feita na primeira língua dos falantes os resultados pedagógicos podem ser ainda mais relevantes, uma vez que: “[…] além de facilitar o aprendizado já que o idioma é conhecido pelos participantes, representa um mecanismo de revitalização da língua indígena através da escrita”. (NEVES, 2009, p. 191).

Observamos que ao lado das grafias em língua Paiter, as crianças da Aldeia G̃apg̃ir aprendem a ler e escrever também a partir da língua portuguesa. As cópias de palavras como anel, arroz, água, por exemplo, são atividades usadas na concepção empirista, situação em que: “[…] o aluno precisa memorizar e fixar informações […]. O modelo típico de cartilha está baseado nisso”. (WEISZ, 2001, p. 79).

Considerações Finais

O objetivo deste escrito foi apresentar um pouco do resultado do trabalho realizado na iniciação científica por meio do estudo do PIBIC/UNIR/CNPq (2020-2021) que buscou compreender como as crianças indígenas, Paiter Suruí da Aldeia G̃apg̃ir, Escola Indígena Sertanista José do Carmo Santana iniciam seus ingressos nas culturas do escrito.

Os resultados demonstram que as crianças indígenas estão aprendendo a ler e escrever através de desenhos espontâneos possivelmente inspirados em sua realidade. Há produções escritas, assim como cópias de palavras grafadas em língua portuguesa e indígena relacionadas aos ambientes da aldeia e da cidade.

Concluímos que os processos de alfabetização na Aldeia G̃apg̃ir ora são orientados pela concepção empirista, muito conhecida pelo jeito de trabalhar nas cartilhas e ora há elementos que se aproximam da concepção construtivista, que considera as perspectivas do aprendiz, questões importantes para a formação inicial e continuada no âmbito das políticas públicas.

Referências

BECALLI, Fernanda Zanetti; SCHWARTZ, Cleonara, Maria. A hora e a vez dos cadernos escolares como fontes históricas de pesquisa sobre práticas alfabetizadoras. Revista Linhas. Florianópolis, v. 18, n. 38, p183-213, set./dez. 2017.

BERGAMASCHI, M. A. Práticas de escolarização e processos de apropriação da escola em aldeias indígenas. Disponível em: http://www.faced.ufu.br Acesso em: 14/09/2009.

BRASIL. MEC. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília, 1998.

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Artmed. Porto Alegre, 1999.

FERREIRO, Emília. Cultura Escrita e Educação. Porto Alegre: Artmed, 2001.

GODOY, Arilda Schmidt. Pesquisa Qualitativa: tipos fundamentais.  Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 35, n.3, p, 20-29 Mai./Jun. 1995.

MIGNOT, A. C. V. Vitrine de guardados: exposições de escritas ordinárias como estratégia de preservação da memória escolar. Resgate, nº 14, 2005 p. 35-48.

MINDLIN, Betty. Nós Paiter. Os Suruí de Rondônia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985.

MINDLIN, B. A política educacional indígena no período 1995-2002: algumas reflexões. Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v.1, n.2, p.101-140, dez. 2004.

NEVES, Josélia Gomes. Cultura escrita em contextos indígenas. 369f. Tese (Doutorado em Educação Escolar). Universidade Estadual Paulista. Araraquara-SP, 2009.

NEVES, Josélia Gomes. A Psicogênese na Aldeia: refletindo o processo de alfabetização com professores e professoras indígenas. Revista P@rtes. Disponível em: Acesso em: 10/06/2019. Link

PAGATER SURUI, Joaton.  A ESCRITA DA LÍNGUA MATERNA NAS ESCOLAS INDÍGENAS PAITER SURUI – ÃH SODIG NÃ GOE TIG ESADE PAITER EY EMÃ SODIHG AH EY KA EWE. Orientadora: Josélia Gomes Neves. 2018. 142f. Trabalho Final de Conclusão de Curso. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar) UNIR, Campus José Ribeiro Filho, Porto Velho, 2018.

SILVA, M. F. da.; AZEVEDO, M. M. Pensando as escolas dos povos indígenas no Brasil: o Movimento dos Professores do Amazonas, Roraima e Acre. In: LOPES DA SILVA, A; GRUPIONI, L. D. B. A Temática Indígena na Escola: subsídios para professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MARI/UNESCO, 1995.

WEISZ, Telma. Idéias, concepções e teorias que sustentam a prática de qualquer professor, mesmo quando ele não tem consciência delas. In: BRASIL. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA). Brasília: MEC, 2001.


* Estudante indígena do Curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural – Universidade Federal de Rondônia oyaguipaiter@gmail.com

** Docente no Curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural Universidade Federal de Rondônia joseliagomesneves@gmail.com

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