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UM PROFESSOR INESQUECÍVEL – GARIXAMÃ SURUI

UM PROFESSOR INESQUECÍVEL – GARIXAMÃ SURUI

*Flávio Oykoe Kaned Suruí

**Josélia Gomes Neves

Resumo: Um dos temas discutidos na formação docente é a relação professor (a)/aluno (a) e como este fator impacta as aprendizagens. Em função disso, o objetivo do presente texto é compartilhar uma vivência sobre o início da escolarização a partir de recordações sobre o “Meu professor ou professora inesquecível”. Concluímos que as qualidades de uma docência satisfatória tem relação com a afetividade e o jeito de ensinar, estratégias importantes para a construção de aprendizagens. Estas lembranças contribuem para pensar como era a educação de ontem e como acontece na atualidade, exercícios comparativos importantes para a avaliação da Educação Escolar Indígena.

Palavras-Chave: Didática Intercultural. Povo Paiter Surui. Aldeia Paiter. Terra Indígena Sete de Setembro.

Resumen: Uno de los temas discutidos en la formación docente es la relación profesor (a)/alumno (a) y cómo este factor impacta los aprendizajes. En función de eso, el objetivo del presente texto es compartir una vivencia sobre el inicio de la escolarización a partir de recuerdos sobre el “Mi profesor o profesora inolvidable”. Concluimos que las cualidades de una docencia satisfactoria tienen relación con la afectividad y el modo de enseñar, estrategias importantes para la construcción de aprendizajes. Estos recuerdos contribuyen a pensar como era la educación de ayer y como sucede en la actualidad, ejercicios comparativos importantes para la evaluación de la Educación Escolar Indígena.

Palabras clave: Didáctica Intercultural. Pueblo Paiter Surui. Aldea Paiter. Tierra Indígena Siete de Septiembre.

Introdução

Dentre os temas de estudo a respeito da formação docente, destacamos as relações existentes entre professor (a)/aluno (a) e como esta questão reflete nas aprendizagens. A partir de uma orientação de cunho crítico e decolonial a proposta é discutir o assunto tendo como referência inicial as vivências dos sujeitos. Assim, o objetivo deste escrito é refletir uma experiência baseada nas lembranças de estudantes sobre docentes que foram importantes na história de sua escolarização. Foi elaborado durante o desenvolvimento da disciplina “Didática Intercultural: processos de ensinar e aprender” ministrada no segundo semestre da etapa remota de 2021 no Curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Ji-Paraná.

Utilizamos a pesquisa bibliográfica através das contribuições de Freire (1996) e Zabala (2014), bem como da pesquisa narrativa que orientou a produção do relato. O exercício de relatar lembranças da escolarização constitui um importante dispositivo na formação, pois permite refletir aspectos da docência atual (caso de quem já atua em sala de aula) e futura, tendo em vista que: “Experiência e narrativa se imbricam e se tornam parte da expressão de vida de um sujeito. E por isso que se pode afirmar que a escrita sobre uma realidade pode afetar esta mesma realidade […]”. (CUNHA, 1997, p. 188).

O resultado deste trabalho de mobilização de memória permitiu conhecer o professor inesquecível do primeiro autor, que foi o Professor Garixamã Surui da escola Isidoro de Souza Meirelles, Aldeia Paiter (Linha 9) localizada na Terra Indígena Sete de Setembro, em Cacoal-RO. Vale salientar que o referido professor é egresso do curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Ji-Paraná.

Reflexões sobre docências inesquecíveis

Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo. Nunca me esqueço, na história já longa de minha memória, de um desses gestos de professor que tive na adolescência remota. Gesto cuja significação mais profunda talvez tenha passado despercebida por ele, o professor, e que teve importante influência sobre mim. […]. (FREIRE, 1996, p. 18).

As relações entre discência e docência têm sido discutidas no campo do conhecimento didático como elementos indissociáveis. A esse respeito, o primeiro capítulo do livro “Pedagogia da Autonomia” de Paulo Freire, intitulado: “Não há docência sem discência”, evidencia elementos nesta direção. (FREIRE, 1996). Para o autor, o exercício docente exige um conjunto de ações como a rigorosidade metódica, os processos investigativos, respeito aos conhecimentos dos estudantes, visão crítica da atividade que desempenha, aspectos éticos e estéticos, a pedagogia do exemplo, coragem diante do novo com posicionamento inequívoco diante da discriminação e a consideração sobre a identidade cultural.

Assim, na perspectiva freireana, o processo formativo está presente na relação discência e docência,  beneficiando igualmente os dois grupos que aprendem ao longo da caminhada: “É preciso que […] desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. […]”. (FREIRE, 1996, p. 12).

Uma das formas que encontramos de realizar esta discussão no Curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural da Universidade Federal de Rondônia, Campus de Ji-Paraná nos processos de formação docente, foi desencadear o debate por meio das experiências dos próprios estudantes através da produção de narrativas escritas. Em função disso, propomos a elaboração do texto: “Meu professor ou professora inesquecível”, uma elaboração apoiada nas lembranças pessoais. Conforme os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas, a produção de memoriais representam “[…] situações educacionais em forma de um saber experiencial que vai sendo construído e sistematizado pelos sujeitos indígenas nos eventos educacionais […]”. (BRASIL, 2002, p. 44).

Assim, os memoriais são instrumentos relevantes para a reflexão dos saberes docentes. Dentre outros aspectos, os estudos apontam que a qualidade do trabalho do professor ou professora tem relação direta com a antecipação das aulas que se traduz na elaboração de um planejamento que possa ser adaptado a um processo formativo específico.  Esta forma de pensar as atividades de sala de aula não pode perder de vista as necessidades de aprendizagem dos estudantes. Assim, a elaboração das sequências didáticas são organizadas de forma articulada, mas flexíveis, entretanto sem marcas de eternas improvisações. (ZABALA, 2014).

Possivelmente estas características estiveram presentes no jeito de ensinar do professor Garixamã Surui,  pois no relato apresentado a organização  das aulas foi destacada, fator que contribuiu para a compreensão dos conteúdos escolares: “O meu professor inesquecível foi aquele que me ensinou no primeiro dia de aula […]. O nome dele é Garixamã Surui, ele é legal e sabe ensinar o seu aluno com amizade para que compreenda os conteúdos por isso quando ele me ensinava eu aprendia rápido”. (KANED SURUI, 2021, p. 1, grifo nosso).  

Figura 1 – Professor indígena inesquecível.

Fonte: Garixamã Surui (2015).

De acordo com o relato discente, a ação do professor Garixamã foi marcante e significativa porque envolvia também negociações permanentes com os interesses dos (as) estudantes, caso da inclusão de atividades partindo do que já conheciam e envolvendo o que as crianças gostavam de fazer, como desenhar, ouvir e contar histórias, além das brincadeiras. Isso confirma a perspectiva de Zabala (2014) que tais fatores contribuem para a atribuição de sentidos dos saberes escolares.

Isto pode ocorrer quando a linguagem pedagógica é entendida e os/aprendizes se sentem seguros e confiantes compreendendo o que precisam fazer e porque tem que fazer determinadas atividades:

Durante as aulas, as matérias que ele usava era livro e desenhos com brincadeiras. E ele tinha maior paciência conosco. Quando a gente não entendia ele explicava de outra forma e assim era possível compreender. Depois disso no final da aula ele contava a história do nosso povo, assim a aula era muito legal. Assim, o professor Garixamã Surui foi um professor difícil de se esquecer. Ele ajudou muito no meu estudo, marcou minha história. […] explicava até eu compreender, por isso ele foi importante em minha trajetória acadêmica. (KANED SURUÍ, 2021, p. 1).  

Um elemento perceptível nesta relação é a gratidão, o reconhecimento do que foi desenvolvido pela ação docente. O que nos aproxima das concepções freireanas sobre o significado da docência crítica: “Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a serenidade”. (FREIRE, 1996, p. 13).

Considerações Finais

O tema que discutimos neste escrito foi a relação discência/docência e como este fator impacta as aprendizagens. Constitui um dos conteúdos importantes para a formação docente, inicial e continuada. Buscamos compartilhar uma vivência sobre o início da escolarização a partir de recordações sobre o “Meu professor ou professora inesquecível”, construído durante a realização da disciplina de “Didática Intercultural: processos de ensinar e aprender” neste segundo semestre de 2021 que está ocorrendo de forma remota devido à pandemia da covid-19.

Sua elaboração considerou a pesquisa bibliográfica e narrativa, recursos importantes para análise e aprofundamento do assunto. Foi possível saber que o Professor Garixamã Surui, egresso da Licenciatura em Educação Básica Intercultural foi o professor inesquecível da narrativa. Um aspecto importante também para o conhecimento da ação de ex-estudantes do curso.

A análise do relato permitiu compreender que as qualidades de uma boa docência tem relação com a afetividade e o jeito de ensinar que assegura a construção das aprendizagens. Estas lembranças contribuem ainda para refletir como era a educação de ontem e como acontece na atualidade, exercícios comparativos e históricos importantes para avaliar melhor a trajetória da Educação Escolar Indígena em Rondônia.

Referências

BRASIL. MEC. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília, 1998.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.  26. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

CUNHA, Maria Isabel da. Conta-me agora!As narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa e no ensino. Rev. Fac. Educ. vol. 23 n. 1-2 São Paulo jan./dec. 1997.

SURUI, Garixamã. Processos próprios de alfabetização em Paiter Surui. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Licenciatura em Educação Básica Intercultural. Universidade Federal de Rondônia. Campus de Ji-Paraná, Ji-Paraná-RO, 2015.

ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar [recurso eletrônico]. Porto Alegre: Penso, 2014.


* Estudante indígena do Curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural – Universidade Federal de Rondônia oykoekanend@gmail.com

** Docente no Curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural – Universidade Federal de Rondônia joseliagomesneves@gmail.com

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