Adilson Luiz Gonçalves Colunistas Crônicas

ENQUANTO HÁ TEMPO

   

Há uma frase muito usada: “Antes que seja tarde”.   

Ela cabe bem na música de Ivan Lins, mas eu prefiro: “Enquanto há tempo”, embora ambas tenham o mesmo sentido de premência e induzam a reflexões.   

Também há outra frase que ouvi menos vezes: “Sou o senhor do meu tempo!”.   

Apesar de sugerir autonomia e poder, o contexto geralmente estava associado ao cerceamento de liberdade. Nesse caso, ela tende a resultar num desligamento da realidade, numa ilusão de que temos controle total sobre nossa vida.   

No entanto, nem quem está absolutamente só tem controle sobre seu tempo, pois ele passa independentemente de nossa vontade, como bem sintetiza a música cantada por Nana Caymmi: “Ele sabe passar e eu não sei”.   

Quando se fala em tempo, estamos falando em vida, e o mais próximo que podemos chegar de sermos senhores de nosso tempo é na forma como encaramos, assumimos e administramos o almejado e desafiante livre-arbítrio.   

Drummond, num poema, contou que: “No meio do caminho tinha uma pedra “. Mesmo estando estática, em nenhum momento arremessada contra ele, essa “pedra” o marcou profundamente.   

Será que ouviu o conselho de Roberto e Erasmo: “Cada pedra no caminho você pode retirar”?   

“É preciso saber viver!” para ter a força necessária para remover as “pedras” no caminho?   

Essas respostas cabem a cada um, pois as “pedras” podem ter diferentes “dimensões”, “formas” e “pesos”. Da mesma forma, os caminhos onde as encontramos podem variar em largura e comprimento. Além disso, elas podem não ser o único e nem o principal obstáculo que encontramos na vida. Mas essa exortação aparentemente simplória, subentende que viver é um contínuo aprendizado: uma prova mista na qual há múltipla escolha, mas cada decisão é dissertativa.   

Quem vive plenamente, grava sua história na pedra. E quando maior a pedra, maior a história! Enquanto quem acredita ser senhor de seu tempo, rabisca na areia da praia palavras ao vento, e não ao tempo e nem em tempo.   

Podemos remover as pedras do caminho, sim! Mas a sabedoria nos permite contorná-las sem tanto esforço.    

Ouvi certa vez, num filme, uma pessoa perguntar a um religioso como resolver um dilema: ser incapaz de perdoar.   

Surpreso, o consultado pediu um tempo para pensar. Como conciliar sua pregação do perdão como um bálsamo, uma libertação do espírito, com essa situação real.   

Era um personagem fictício, mas a situação era verossímil. Talvez tenha confrontado suas crenças ou, ao menos, seu discurso.   

E se o ato de perdoar ou pedir perdão estivesse relacionado com uma impossibilidade absoluta: uma pessoa falecida?   

Tempos depois, o religioso respondeu que o perdão poderia ser pensado de várias formas. No caso, seria perdoar-se por não ser capaz de perdoar.   

Seria uma forma de remover essa “pedra”?   

O ideal é que toda “pedra” sirva para pavimentar os caminhos e construir pontes, para vencer os obstáculos da vida. E isso preferencialmente a várias mãos: de parentes, amigos e de todas as pessoas com as quais cruzemos nos caminhos da vida.   

Isso tem a ver com tempo, sem dúvida! Mas tem muito mais a ver com a forma como “conversamos” com ele e a maneira como aprendemos a seguir com ele, não como senhores, mas como parceiros, pois, de fato, ele é o único que nos acompanha por toda a nossa existência.   

É bom aprender a viver assim enquanto há tempo, antes que seja tarde.   

Adilson Luiz Gonçalves  

Escritor, Engenheiro e Pesquisador Universitário  

Membro da Academia Santista de Letras 

+ 55 13 997723538 

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