*Rodrigo Luiz dos Santos
“A grande graça é ser escolhido. Você é!” Essa foi a frase que monsenhor Jonas Abib escreveu quando lhe pedi um autógrafo na primeira vez que o encontrei pessoalmente, em janeiro de 1999, em Cachoeira Paulista (SP). À época, eu tinha 17 anos, e mal imaginava os caminhos que tal escolha me levaria a seguir.
Emoldurei aquela profecia escrita com caneta azul e, durante anos, aquelas palavras me acompanharam como um farol em minhas decisões. Realmente, a escolha de Deus foi certeira. No ano 2000, ingressei na Comunidade Canção Nova. Em 2002, fui enviado à Itália para servir à Igreja no então Pontifício Conselho das Comunicações, no Vaticano e nos trabalhos próprios da Frente de Missão Canção Nova, em Roma.
Durante os cinco anos em que permaneci lá, recebemos por inúmeras vezes padre Jonas e tínhamos um contato muito fraterno e filial. Durante as manhãs, ele fazia questão de ir comigo a pé ao Vaticano. No caminho, o discipulado acontecia de maneira muito profunda em nossas partilhas.
Entre os diversos trabalhos que realizei em terras italianas, o de cinegrafista foi o mais desafiador. Afinal, sou um canhoto que precisou desenvolver a habilidade de trabalhar com a mão direita. Tal missão levou-me a países da Europa e do Oriente. Devido ao estado de saúde do Papa João Paulo II, a imprensa permanecia em plantão durante suas hospitalizações no Gemelli, em Roma. Certa vez, padre Jonas foi trabalhar conosco e me disse algo forte em italiano: “il tuo mestiere è il tuo ministero”, que em português quer dizer “seu serviço é seu ministério (seu dom)”, confirmando mais uma vez minha vocação.
Vivemos juntos momentos históricos como o funeral do Papa João Paulo II e a eleição de Bento XVI. Uma missão para a qual não me sentia preparado, porém as palavras do monsenhor eram sempre de incentivo e encorajamento. Sua vida sempre foi exemplo de serviço, doação, amizade. Em toda cobertura, padre Jonas contribuía nas produções com sugestões de pauta, contatos telefônicos, reportagens, entrevistas, entradas ao vivo e até servindo pizza! Isso mesmo, no final do trabalho, chegávamos em casa cansados e lá vinha padre Jonas nos servir à mesa com toda alegria de pai realizado com o trabalho dos filhos. Não tinha melhor pagamento do que aquele sorriso e carinho paterno.
Em 2007, retornei ao Brasil. Mais perto de monsenhor Jonas, na sede da Comunidade, em Cachoeira Paulista (SP), o contato com o pai se tornava mais frequente. Apesar de sua saúde, que já se tornava mais debilitada, passei a estar ao lado dele como “sentinela”, um serviço na Canção Nova confiado a alguns missionários para auxiliar como motorista e outros serviços. Nessa época, tive a graça de acompanhá-lo em Roma, no Reconhecimento Pontifício da Comunidade Canção Nova como uma Associação Internacional Privada de Fiéis, em 2008. Ali, o trabalho iniciado no Brasil recebia a bênção da Igreja para se estender ao mundo inteiro, cumprindo o mandado de Jesus: “ide e evangelizai” (Mc 16, 15).
Padre Jonas também esteve perto de nós quando chegamos novos à Canção Nova, e nos acompanhou nas experiências de namoro e casamento. Graças à intuição dele, inúmeras famílias missionárias surgiram! Inspirada no ensinamento de São João Bosco, a Canção Nova é ancorada sobre uma ideia de Igreja, concebida como a grande família dos filhos de Deus. Comprometidos com o trabalho, a educação dos filhos e a vida cotidiana, assumimos publicamente viver os compromissos batismais dedicando-nos à Deus, na Igreja Católica, em uma vivência comunitária.
Um dos últimos encontros que tivemos com o Monsenhor foi numa de suas internações. A convite da irmã dele, Tia Marta, fomos visitá-lo. “Mesmo enfermo, manteve-se guerreiro” (cfr. Joel 4, 10), num testemunho vivo da vivência da Palavra de Deus! “Ou Jesus vem ou iremos para Ele”, era sua pregação. E assim aconteceu, em 12 de dezembro de 2022, a vida de padre Jonas encerrava o ciclo terreno, aos 85 anos. Seu velório foi rodeado de filhos e filhas de todos os cantos do Brasil com homenagens desde as mais simples e sinceras até as das mais altas autoridades civis e religiosas.
O autógrafo de 1999, com o qual iniciei o texto, o tempo ocupou-se de apagá-lo, mas a memória segue iluminada. “Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e o amor; mas a maior de todas é o amor” (I Cor 13, 13). Afinal “o vento forte que me leva pra frente é o Amor de Deus”, como diz a letra da música que tantas vezes ouvi de seus lábios.
*Rodrigo Luiz dos Santos é jornalista e membro da comunidade Canção Nova