Crônicas Margarete Hülsendeger

UMA NOVA LÓGICA

Só depois que a tecnologia inventou o telefone, o telégrafo, a televisão, a internet, foi que se descobriu que o problema de comunicação mais sério era o de perto.

Millôr Fernandes

Margarete Hülsendeger

Quando pensamos nas “calamidades” que assolam a sociedade moderna, nos vemos diante de uma lista bem longa: violência, drogas, contaminação da atmosfera, escassez de alimentos, crise energética, colapso na saúde, guerras… O grau de exposição, na maioria das vezes negativa, ao qual estamos sujeitos é tão grande que, em diversos momentos, somos dominados por sentimentos que vão desde a angústia profunda até a sensação de completa impotência.

Segundo os estudiosos do assunto – Pierre Lévy é um deles[1] –, uma das razões para toda essa incerteza encontra-se na nova lógica imposta pelas tecnologias modernas. A partir do momento em que esses recursos ficaram à disposição da maioria das pessoas, terríveis e desconhecidos medos começaram a surgir no seu rastro. Como explica o psicólogo Michael Zanchet, do Centro Contemporâneo de Saúde e Bem-Estar, os recursos das novas tecnologias, apesar de terem facilitado várias tarefas do dia a dia, também tornaram muitas pessoas dependentes e isso tem “gerado um nível de ansiedade maior em decorrência do cérebro muitas vezes não ter pausas e não conseguir suportar o número de informações processadas e não processadas, e consequentemente não reter as informações”.[2]

Por outro lado, como a internet nos oferece a cada segundo diferentes e ininterruptas informações, passamos a acreditar que nos tornamos mais sábios. Assim, os mais velhos sentem que nada mais têm a ensinar, enquanto os jovens acreditam que pouco têm a aprender. Afinal, porque se esforçar para compreender um conceito, se o simples apertar de um botão nos dará toda a informação que desejamos? E, novamente, o sentimento de angústia, agora misturado com o de inadequação, volta a se fazer presente. Por isso, Zanchet diz que o uso exagerado de aparelhos eletrônicos e, consequentemente, das redes sociais causa “dificuldade de relacionamento interpessoale social, pois as pessoas tendem, assim, a se habituar ao mundo virtual, o que pode resultar em fobia social, síndrome do pensamento acelerado ou síndrome do pânico”.

Medo. Angústia. Inadequação. Insegurança. Frustração. Fobias. Pânico. Esses são apenas alguns dos mal-estares surgidos a partir dessa nova mentalidade, imposta pela internet.

De qualquer maneira, parece claro que as modernas tecnologias vieram para ficar. Insistir na ideia de eliminá-las é querer voltar no tempo. Por outro lado, também não acredito que devamos nos submeter à tirania incutida por essas inovações tecnológicas. Crer que as informações obtidas da internetsão inquestionáveis e que nada mais temos a aprender ou ensinar é não compreender o significado mais profundo da palavra sabedoria. Considerar as mensagens recebidas nos grupos de WhatsApp como verdades absolutas apenas abre espaço para a ignorância, o desrespeito e o fanatismo.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

A interneté, como disse Pierre Lévy, um instrumento de desenvolvimento social. Endeusá-la ou torná-la algo diabólico só irá aumentar ainda mais os sentimentos de angústia e frustração. Por isso, antes de tudo, é importante entender que a internetnos oferece apenas informações. É preciso discernimento e espirito crítico para separar o que é bom do que é ruim, a verdade da mentira. Para fazer isso outras habilidades são necessárias: paciência, concentração, criticidade, análise e interpretação. E nenhuma delas será obtida só navegando pela internet, lendo parcialmente o que passa diante dos nossos olhos conforme deslizamos o mouse.

Na verdade, essas qualidades são o resultado de um conjunto de atos que ocorrem no indivíduo a partir do seu amadurecimento interior e das relações que ele é capaz de estabelecer com o seu entorno. A vida virtual, por mais que os projetistas de novos softwares se esforcem, não é vida. Fazer com que os jovens entendam esse conceito deve ser o objetivo principal de pais e educadores. Aprender implica dedicação e comprometimento, qualidades que nenhum equipamento, por mais avançado que seja, pode oferecer. E mesmo que Pierre Lévy recomende que “é preciso navegar neste mundo de transformações” chamado internet, também é importante encontrar um equilíbrio, usando a tecnologia a nosso favor e não contra nós.


[1] Seu livro As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática (1990),é um clássico no que se refere ao papel da informação na constituição das culturas e as inteligências dos grupos humanos.

[2] Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/bem-viver/2020/07/30/interna_bem_viver,1171488/uso-de-tecnologia-em-excesso-pode-ser-prejudicial-a-saude.shtml. Acesso em: 19 out. 2022.

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