Crônicas Margarete Hülsendeger

TROLLISMO

O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.

Albert Einstein

Margarete Hülsendeger

No folclore escandinavo o troll era descrito como um gigante horrendo ou como uma pequena criatura igualmente horripilante. Maldoso e estúpido, ele viveria nas florestas e nas montanhas, em grutas ou cavernas subterrâneas. Além disso, teria medo da luz do sol, que pode transformá-lo em pedra, e do badalar dos sinos de igrejas, capaz de anular seus poderes malignos. Ou seja, a luz e os sinos de uma igreja, representações do sagrado, são como veneno para essas criaturas perversas.

Alguns poderão dizer que essas histórias são fantasias que serviam apenas para assustar criancinhas. Isso até seria verdade, se não víssemos esses monstros renascerem em pleno século XXI. Um renascimento que nada tem a ver com figuras mitológicas, mas com seres de carne e osso como um vizinho, um colega de trabalho, um suposto amigo ou até um desconhecido. Nós não os vemos porque hoje, em vez de se esconderem em florestas e montanhas, eles preferem quartos ou salas escuras. Também não são necessariamente feios, pelo menos por fora, vestindo-se e falando como qualquer pessoa comum. Mas, não se deixe enganar, os trolls estão entre nós.

Os trolls da modernidade são pessoas que resolvem extravasar, nos fóruns de discussões espalhados pela internet, seus piores e mais negros demônios interiores. E não estou falando daquela catarse construtiva feita, por exemplo, em conjunto num site de relacionamento, no qual um grupo de pessoas expõe seus problemas, buscando, nessas conversas virtuais, apoio e até mesmo soluções para as suas dificuldades. Estou me referindo aos que usam o anonimato da internet para ofender e agredir por pura diversão.

A atividade desses sujeitos é tão grande que até se criou uma expressão guarda-chuva para abarcar esses indivíduos, o “trollismo”. Define-se o trollismo como uma violação deliberada das regras implícitas de convivência social da internet;assim, os trolls não criam, apenas destroem o que já existe. Estudos sobre o assunto indicam que esses ogros modernos são formados, na sua maioria, por jovens. Uma análise realizada pela empresa britânica de pesquisas de mercado YouGov mostrou que os Millennials (pessoas que nasceram entre 1982 e 2004) têm duas vezes mais probabilidade de fazer isso do que pessoas mais velhas. Como acontece com a coação violenta, a “trollagem” tem diferentes níveis, da piada inofensiva ao cyberbullying. Desse modo, aquilo que começou como uma “brincadeira inofensiva” de jovens entediados, se torna uma forma, não só de atormentar pessoas, como de espalhar notícias falsas (fake news) que difundem informações de teor racista, homofóbico e sexista (discursos de ódio).

Há, no entanto, o troll pago. Pessoas, em geral, de um bom nível intelectual e vocabulário sofisticado que ostentam referências e contradizem os argumentos dos rivais com dados mentirosos, muitas vezes expondo suas vítimas ao ridículo e até questionando sua formação educacional. Tudo sobre esses trolls (fotos, perfis nas redes sociais) é falso, pois o único propósito é impressionar os desavisados e ganhar seguidores. Entram nas redes sociais, como eles mesmos dizem, “para detonar”.

O fato de a maioria dos trolls serem jovens sobre os quais nenhum tipo de controle foi exercido, apenas tornam mais claros muitos dos fenômenos sociais que atualmente vivemos. Ao longo dos anos, formou-se uma sociedade constituída de adultos que cresceram acreditando que no mundo virtual tudo podiam, fazendo dele seu parque de diversões particular. Nesse sentido, uma pesquisa realizada pela Universidade de Manitoba, no Canadá, constatou que o comportamento troll reúne uma “tétrade obscura”, isto é, um agrupamento de quatro transtornos de personalidade: (1) psicopatia (falta de remorso e empatia), (2) sadismo (sentir prazer com o sofrimento dos outros), (3) narcisismo (egoísmo e auto-obsessão) e (4) maquiavelismo (tendência a manipular os outros). Esses indivíduos encontram-se escondidos por aí, esperando a primeira oportunidade para destilar ódio e alimentar conflitos, exatamente como seus análogos nórdicos.

De qualquer forma, é importante entender que qualquer pessoa, independentemente da idade, pode se tornar um troll. Qualquer um, incluindo você ou eu. Basta para isso nos deixarmos levar por preconceitos que, em condições normais, procuraríamos esconder dos outros e até de nós mesmos. E é justamente nesse aspecto que precisamos ter mais cuidado. Como a internet dá uma falsa ilusão de anonimato, muitas pessoas acreditam que podem dar vazão a todo tipo de crueldade verbal, usando até palavrões e xingamentos para atingir os seus objetivos.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Felizmente, com a passagem dos anos muitas estratégias têm sido implementadas com o objetivo de punir essas “criaturas”. No Brasil, por exemplo, os trolls podem ser julgados com base nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, por crimes de calúnia, difamação e injúria. O problema, segundo os advogados, é que, no nosso Código Penal, a maioria dos crimes virtuais é enquadrada como crime contra a honra, que não tem pena de prisão, apenas serviço comunitário ou pagamento de cestas básicas.

O fato é que os pesquisadores da Cibercultura, assim como juízes e legisladores, têm muito trabalho pela frente se querem encontrar uma forma de opor-se aos trolls espalhados pela internet. É como diz a psicóloga Cleci Maraschin da UFRGS, “Quem é agressivo e não experimenta essa agressividade lá fora pode fazê-lo no mundo virtual. Quem não vivencia certas emoções no mundo real se sente incentivado a vivenciá-las de outro jeito”. E é esse “outro jeito” que precisamos combater.

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