Por Vinicius Brum*
O ensino fundamental, arrisco dizer, é a etapa mais crítica para a formação educacional do cidadão. Deficiências nesta segmentação do ensino básico poderão trazer várias consequências para o aprendizado futuro, formação social e colocação no mercado de trabalho — algumas delas de difícil recuperação. De acordo com o Censo Escolar 2021, o Brasil registra cerca de 26,5 milhões de alunos matriculados no ensino fundamental, entre o 1º e o 5º ano, e devemos dar um foco de atenção especial a este grupo.
Para esses estudantes, o cenário educacional torna-se mais preocupante pós-pandemia. Os últimos números do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em setembro, mostra a real dimensão dos efeitos da pandemia sobre a aprendizagem dos estudantes brasileiros em todo o país, com números que indicam uma queda no aprendizado de disciplinas básicas, como língua portuguesa e matemática.
Além disso, esses dados podem ocultar um número ainda pior. Explico. O Ideb considera dois fatores: a taxa de aprovação dos alunos, quantos não repetiram de ano, e os resultados das provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Mas, por conta da pandemia, parte da rede de ensino adotou a aprovação automática de todos seus alunos sem que isso representasse mérito ou resultado da avaliação de um real aprendizado. Já as avaliações do Saeb tiveram baixa adesão, justamente por conta do afastamento imposto pela Covid-19.
É importante lembrar que essas provas foram aplicadas entre novembro e dezembro de 2021, período em que muitas instituições de ensino tinham recém retomado o ensino presencial, e outras ainda estavam em sistema híbrido. A soma desses dois fatores pode ter comprometido as estatísticas, já que muito provavelmente foram os alunos em maior vulnerabilidade que se afastaram da escola, aqueles estudantes que já apresentavam certa dificuldade escolar. Dessa forma, o cenário pode ser ainda mais desanimador para nossa nossa educação.
Ainda que tenhamos uma taxa de escolarização de 99,7% da população na faixa etária de seis a 14 anos (PNAD, 2019), algo próximo à universalização da educação, devemos avaliar, criteriosamente, a qualidade do ensino e do serviço prestado nas instituições. O Brasil possui hoje cerca de 11 milhões de jovens analfabetos acima de 15 anos de idade, ou seja, logo após a faixa etária comum à conclusão do ensino fundamental.
Esse contingente de jovens não teve acesso às salas de aula ou terminou o ensino médio sem saber ler e escrever, com capacidade reduzida de resolver contas simples, como as de adição, subtração ou multiplicação. E o retrato é ainda mais grave: mais de 40% das crianças brasileiras com idade entre seis e oito anos, ainda não foram alfabetizadas, conforme dados divulgados na pesquisa “Todos pela Educação”, do IBGE, de 2021.
Este é o cenário amplo do ensino fundamental no Brasil, que já compromete os resultados de aprendizagem no presente e traz indícios de um futuro de muitas dificuldades para nossos jovens. Talvez ainda estejamos longe de uma educação efetivamente universal e de qualidade. Mas há solução e ela não passa exclusivamente por investir mais dinheiro na educação pública. É um equívoco resumir as deficiências do ensino à falta de investimento financeiro, como ouvimos recorrentemente em alta voz.
Há, sim, grandes oportunidades de melhoria da gestão para uma melhor utilização dos recursos públicos já disponíveis. Quase 80% dos alunos do ensino fundamental estão matriculados em escolas públicas distribuídas pelos municípios do país, conforme o PNAD. Portanto, cuidar deste assunto é cuidar do futuro do Brasil.
A cidade do Rio de Janeiro sai na frente com uma meta ambiciosa e necessária para reduzir a desigualdade na aprendizagem das crianças da rede pública de ensino na capital: ter 90% dos alunos alfabetizados até o fim do 1º ano do ensino fundamental. Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, a Falconi, maior consultoria brasileira de gestão empresarial e de pessoas, tem participado na construção de uma engrenagem de mudanças positivas nas quase 1,5 mil unidades escolares do Rio para ajudar a superar alguns desafios como, por exemplo, déficit nos índices de aprendizagem, frequência, estrutura de instalações e falta de pessoal.
O caminho? Melhoria da gestão pública na educação e capacitação dos seus profissionais. Foco no aprendizado na idade certa e cultura digital como fator de educação e inserção social. É um processo de mudança cultural no sistema educacional do Rio conduzido a partir de um direcionamento estratégico e suportado pela implantação de uma governança de resultados, por um maior envolvimento das pessoas e pelo aperfeiçoamento da gestão.
O trabalho está dividido em quatro grandes grupos: Impacto Educacional, assegurando aprendizagem na idade certa com equidade entre os alunos; Educação e Cultura Digital que propiciem acesso e apropriação de conteúdos e práticas inovadoras como fator de inserção social; gestão para melhorar a eficiência operacional e de gastos; e valorização pessoal para qualificar e engajar profissionais com construção de liderança entre eles.
Trata-se de um trabalho de base para elevar o nível de excelência do ensino público a médio prazo, com resultados efetivos a partir de 2023. O objetivo com esse projeto é transformar a educação para a educação transformar o Brasil. Novidade? Talvez nenhuma, exceto pela iniciativa de ir lá e começar a fazer certo.
* Vinicius Brum é Diretor dos segmentos de Educação, Serviços de Saúde, Saneamento e Governos da Falconi, maior consultoria brasileira de gestão empresarial e de pessoas.