Por Margarete Hülsendeger
O ideal materno choca-se violentamente contra as obrigações cada vez mais exigentes do mundo do trabalho. Como atender a um sem sacrificar o outro.
Elisabeth Badinter
Em 2010, a historiadora, filósofa e escritora francesa foi nomeada pela revista francesa Marianne como a “intelectual mais influente da França”, em razão de seus livros sobre os direitos das mulheres e a maternidade. Entre suas várias publicações encontra-se O conflito: a mulher e a mãe (2011)[1], um livro que questiona o mito de que toda a mulher tem o desejo e o instinto natural de ser mãe. Para explicar sua tese, ela escreve sobre a “ofensiva naturalista”, movimento que defende o retorno a um modelo tradicional que incluiria a volta da mulher ao lar, reassumindo o papel de dona de casa e mãe.
Segundo Badinter, o pensamento naturalista tomou força quando, após sucessivas crises econômicas, muitas mulheres, em especial as menos preparadas e as economicamente mais frágeis, foram obrigadas a deixar seus empregos para retomar suas funções de esposa e mãe. Para justificar esse retorno, começou-se a ouvir, com maior frequência sobre a necessidade de respeitar as leis da natureza e os impositivos da biologia. Essa manobra permitiu aos partidários do naturalismo dirigir contra as mulheres uma “arma incomparável”, uma arma que teria a capacidade de fazer os “costumes evoluírem na direção que eles querem: a culpa das mães”.
Instalou-se, então, uma guerra subterrânea travada por naturalistas, que se dizem “advogados das crianças” e aquelas que se negam a ver as liberdades femininas recuarem. E nessa guerra vale tudo. Desde o retorno aos partos naturais, longe dos hospitais e das anestesias peridurais, passando pela rejeição às mamadeiras, aos leites em pó e às fraldas descartáveis, até a necessidade, “beirando a bovina”, da preservação do vínculo materno, “pele a pele”, logo depois do parto. O que esses defensores da volta a natureza esquecem de dizer, explica Badinter, é que não existe uma única maneira de viver a maternidade, mas uma infinidade, impedindo que se fale de um instinto baseado em um determinismo biológico universal. A frágil voz da “mãe natureza” precisa levar em conta outros fatores – o meio, as pressões sociais e o percurso psicológico – antes de estabelecer que uma mulher deve ser mãe apenas por que é do sexo feminino.
Badinter acredita que uma abordagem que faz da biologia o suporte de todas as virtudes condena em um mesmo movimento homens e mulheres que não querem ser pais e mães. Como resultado, estigmatizam-se as mulheres que preferem dar mamadeira, utilizar fraldas descartáveis e ter seus bebês em hospitais, assistidas por médicas(os) e enfermeiras(os) qualificadas(os). Ademais, os manuais naturalistas omitem que, ao lado da imagem idealizada da maternidade, há a outra face da moeda: “o fim da liberdade, e o bebê guloso e déspota que devora a mãe”. Por consequência, assim que a criança volta a ser problema exclusivo da mulher, o “pai exime-se da culpa e vai tratar dos seus negócios”.
A suposta existência de uma pressão exercida pelo “relógio biológico”, uma “força irresistível” que impeliria as mulheres a desejarem ter um filho, é questionada, conforme Badinter, por pesquisadores anglo-americanos. Nesses estudos que classificaram, descreveram e avaliaram as opções da vida feminina no século XXI foram observadas três categorias de mulheres: (1ª) centradas na casa (home-centred), (2ª) adaptáveis (adptive) e (3ª) centradas no trabalho (work-centred). Ou seja, apesar da impressão disseminada pelas ciências sociais, as mulheres não formam um grupo homogêneo que procura combinar emprego e vida familiar, mas três grupos distintos com desejos e expectativas diferentes. Entretanto, essa heterogeneidade de preferências e prioridades acabou por criar conflitos entre as mulheres, pois dificulta que se fale em interesses comuns, como é habitual nos discursos feministas. Essa seria, segundo as pesquisas, uma das principais causas do fracasso do modelo igualitário.
O panorama traçado por Elisabeth Badinter deixa claro que, mesmo no século XXI, para a grande maioria das mulheres, a “conciliação entre os deveres maternos, que não param de aumentar, e o próprio desenvolvimento pessoal continua problemática”. A razão por detrás dessa “problemática” está no fato de até hoje nenhuma política familiar ter se revelado eficaz no que se refere à igualdade entre homens e mulheres, principalmente quando o foco é a divisão de tarefas entre o casal. Assim, continua recaindo sobre os ombros das mulheres o ônus de encontrar um ponto de equilíbrio entre aspirações pessoais e o cuidado dos filhos. As investidas naturalistas apenas agregam mais dificuldades a esse cenário já bastante conturbado, pois afinal “qual mãe não sentirá uma pitada de culpa se não se conformar às leis da natureza?”.
A obra O conflito: a mulher e a mãe deve ser lida com a mente aberta pensando além dos preconceitos que o patriarcado vem impondo a mulher há séculos. Como diz Badinter, querendo ou não “graças à contracepção, ou por causa dela, o mundo das mulheres divide-se e diversifica-se. Não querer reconhecê-lo é cegueira”.
[1] BADINTER, Elisabeth. O conflito: a mulher e a mãe. Tradução de Véra Lucia dos Reis. Rio de Janeiro: Record, 2011 (Edição Kindle).
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