Thais Takagi*
De maneira geral, relacionamento interpessoal sempre foi um grande desafio para o mundo corporativo, sobretudo no que tange aos valores éticos e morais, uma vez que cada indivíduo traz consigo bagagens baseadas nas próprias experiências, emoções e no repertório cultural particular.
As preocupações sobre os desgastes desses conflitos, principalmente nos relacionamentos entre líderes e liderados, extrapolam os limites de responsabilidade das companhias, atingindo categorias como pesquisas e protocolos aplicados na medicina, diante das consequências causadas à saúde, como depressão, estresse, ansiedade, distúrbios e abrangendo também amplas discussões no ordenamento jurídico.
A caracterização do assédio moral determina que essas práticas abusivas podem causar danos imensuráveis para a vida e para a carreira das pessoas que sofrem, além de impactar negativamente a reputação e a produtividade da empresa. Atualmente, diante do cenário pandêmico, essa realidade autoritária vem refletindo no aumento significativo de casos registrados no judiciário, e que não é uma exclusividade do Brasil.
Ainda assim, diante de toda essa conjuntura, nossa pretensão aqui não é analisar as várias formas que esse dano causa na vida das pessoas, mas trazer reflexões sobre as consequências negativas que a empresa pode ter, diante da ausência de conceitos estabelecidos sobre o que é o assédio moral e direcionamentos claros sobre o limite das cobranças de metas realizadas pelos gestores.
Sem a pretensão de afastar o peso do tema, até porque essa discussão traz à tona reflexões de que o assédio moral no universo laboral pode constituir violações – inclusive a direitos humanos –, porém, as considerações aqui apresentadas são sobre a importância e responsabilidade que tem a área de compliance, junto com a alta administração, em manter viva a cultura da organização, e o quanto se fazem necessários pilares de um programa de compliance bem estabelecido, para que a aplicação no dia a dia seja praticada de forma efetiva, servindo como um norteador para solucionar esses dilemas corriqueiros.
A ausência de treinamentos corporativos provoca uma série de consequências negativas, causando, inclusive, sentimentos de insegurança e ameaça aos colaboradores, não apenas pela comunicação falha, mas por identificarem os próprios erros e fraquezas.
Nesse sentido, avaliando o outro lado do assédio moral, percebo que essa falta de clareza de informação interfere negativamente até nos resultados das equipes, nas quais, muitas vezes, líderes se sentem oprimidos ou até mesmo acuados em cobrar as metas de seus liderados por receio de estarem cometendo atos de assédio moral. Questões triviais em cargos de gestão, como avaliações de desempenho e feedbacks, começam a se tornar dilemas atribulados na rotina da liderança.
É necessário que a companhia direcione recursos apropriados para que a área de compliance desenvolva um plano de comunicação e treinamentos eficiente, visando à capacitação para toda companhia, clarificando, por exemplo, que situações estressantes, conflitos de opiniões, cobrança por resultados não configuram assédio moral.
Sabemos que muitas empresas ainda se encontram presas ao conceito literal do termo compliance, preocupadas apenas com o cumprimento de normas e com a formalização de regras em documentos corporativos, que vão na contramão dos progressos científico e moral que o mundo vem apresentando.
A área de compliance deixou de ser um diferencial competitivo, passando a ser um caminho de integridade, escolhas e aprendizados. Hoje, a atuação da área precisa estar baseada no entendimento sobre o funcionamento da companhia, ter clareza sobre a personalidade da empresa e dos seus colaboradores, com uma comunicação clara e transparente, trazendo uma dinâmica voltada para as necessidades reais da companhia.
Para que tudo isso aconteça, realizar o “arroz com feijão”, o “cumprimento de regras” não é o suficiente para manter uma organização saudável, com metas atendidas e ainda ter uma reputação de marca sustentável. É necessário que não haja uma desconexão da gestão diária da organização.
Por fim, entendo que essas reflexões trazem à tona questões binárias em relação a julgamento de valores. O futuro já chegou e o papel do compliance se faz necessário para mostrar preceitos muito maiores do que aqueles estabelecidos no papel, sem fórmulas genéricas e retóricas, mas permitindo que questões relevantes sejam repensadas com mais profundidade, trazendo a combinação de valores, atitudes e hábitos, e gerando um ambiente organizacional saudável.
*Thais Takagi, gerente de Compliance na Tecnobank