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Eltânia André: sensibilidade à flor da pele

LETRAS

                                                                                  Adelto Gonçalves (*)

                                                           I

Com o seu arguto olhar feminino e feminista, característica já marcante em suas obras anteriores, a romancista e contista Eltânia André volta a premiar seus leitores com um novo livro, desta vez, de contos, e minicontos ou microcontos: Corpos luminosos (São Paulo, Editora Urutau, 2022), que reúne 29 peças em que a autora se mostra conhecedora das variadas técnicas da escrita, como o monólogo interior e o fluxo de consciência,  exercitando o realismo, especialmente o interior, que procura ressaltar os conflitos da alma. E tudo feito com singular liberdade criadora.

No texto de apresentação que escreveu para esta obra, o experiente romancista e contista Whisner Fraga, diz, com percuciência, que a prosa de Eltânia é densa, urdida para apanhar o leitor no contrapé. “Com diversas referências da mitologia, da literatura, da filosofia, da música, de outras artes, estes textos cativam pelo lirismo e pela abrangência de temas e situações”, ressalta.

Depois de considerar Eltânia uma escritora completa, com uma carreira consolidada, que sabe como e por que escrever, observa que, em Corpos luminosos, ela “resgata a animalidade do homem, levando-o à perda não só da própria identidade, mas também de tudo aquilo que poderia diferenciá-lo das demais criaturas”.

O jornalista e poeta André di Bernardi, em resenha publicada na revista digital de letras, artes e ideias Caliban, também soube apontar muito bem as qualidades da escritora, especialmente um certo humor cético, em textos em que ela procura investigar a psicologia das personagens e das relações sociais. “Os personagens do livro de Eltânia estão, de um modo, ou de outro, muito longe das aleluias e das redenções de um paraíso adequado. Eles transitam, perdidos, perdendo suas identidades diante de limitações intransponíveis, morais, religiosas, pessoais”, observa.

                                               II

Com tão boas referências, não fica difícil apontar outras qualidades do texto da autora. No conto que dá título ao livro, por exemplo, Eltânia parece recuperar memórias da infância na terra natal, ao evocar as aventuras que tivera ao lado do vô Nô, a quem acompanhava no engenho, no seu sítio, na condução dos bois. “Com frequência, ele fazia mingau de fubá doce, enquanto falava das lendas da Vila Encantada, da cobra que engoliu um anjo, do sapo cantor e tantas outras fábulas que guardo na ponta da língua”.

Outro conto que chama a atenção por sua beleza estética e concisão e pela recriação de personagens e cenários, em termos imaginários, é “O-dores”, em que a autora assume a personalidade de um jovem, Quincas, que deixa a tranquila Cataguases sem completar o segundo grau para se aventurar na gigantesca São Paulo em busca de uma “vaga de apontador de obra numa construtora de reputação duvidosa”, mas que acaba virando vigilante privado, depois de comprar um diploma provavelmente falsificado. E que passava as noites solitárias rememorando os anos de infância e adolescência em que acompanhava o pai em caçadas “na mata do Horto Florestal habitado por tamanduás, pacas, tatus, ouriços-cacheiros, lagartos e preás”.

Em todos os contos, o que se constata é a técnica de sondagem na intimidade das personagens, em que as cenas servem para descrever e analisar as personalidades. E tudo feito com argúcia e sensibilidade.  Além de contos, a autora se mostra extremamente arguta nos minicontos ou microcontos. Vejam estes exemplos: “Toma-lá-dá-cá”: Devolva a nossa língua-mãe ou ao menos desligue o fado”. “Dolar furado”: A Casa da Moeda se chocou com a Terra. Não houve sobreviventes. “Mito da criação”: Tira esse Matusalém com os séculos e a barba pesando sobre as minhas costelas.

                                                III

Nascida em Cataguases, cidade-ícone da Literatura Brasileira, localizada no interior do Estado de Minas Gerais, Eltânia André fez, em sua terra natal, os estudos primário e secundário, tendo trabalhado na indústria têxtil. Tem graduação em Administração de Empresas e em Psicologia, com pós-graduação em Saúde Pública e Psicopatologia na Universidade de São Paulo (USP).

Morou em Belo Horizonte, onde trabalhou numa concessionária de veículos, e, em São Paulo, onde, como psicóloga concursada, atuou no Centro de Atenção Psicossocial (Caps), da vizinha cidade de São Bernardo do Campo. Tem trabalhos e participações em diversos jornais, revistas e suplementos culturais e em várias antologias. Depois de viver experiências traumáticas com a violência urbana que marca a vida numa cidade grande como São Paulo, Eltânia André hoje mora em São Pedro do Estoril, aldeia da freguesia de Cascais e Estoril, perto de Lisboa.

É dona de uma obra que já se destaca entre os autores da Literatura Brasileira: Meu nome agora é Jaque (contos, Belo Horizonte, Editora Rona, 2007), seu livro de estreia; Manhãs adiadas (contos, São Paulo, Dobra Editorial, 2012); Duelos (contos, São Paulo, Editora Patuá, 2018), Para fugir dos vivos (romance, São Paulo, Editora Patuá, 2015), Diolindas (romance, São Paulo, Editora Penalux, 2016), escrito em parceria com Ronaldo Cagiano, e Terra dividida (romance, São Paulo, Editora Laranja Original, 2020).

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Corpos luminosos, de Eltânia André, com texto de apresentação de Whisner Fraga e foto da autora por Ozias Filho. Cotia-SP-Brasil/Barreiro-Portugal: Editora Urutau, 86 páginas, R$ 45,00, 2022. Site: contato@editoraurutau.com.br

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage, o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (São Paulo, Imesp/Academia Brasileira de Letras, 2012),  Direito e Justiça em terras d´el-rei na São Paulo Colonial (São Paulo, Imesp, 2015), Os vira-latas da madrugada (José Olympio Editora, 1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015) e O reino, a colônia e o poder: o governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (São Paulo, Imesp, 2019), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br

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Eltânia André, contista e romancista: o olhar feminino e feminista é uma das características marcantes de sua produção – Fotos: Ozias Filho

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