João Wilson Savino Carvalho*
Resumo: o artigo apresenta a relação trabalho e conhecimento como categoria de análise e fio condutor para o desvelamento do sentido de uma prática pedagógica, através da aplicação de metodologia dialética, concluindo por um roteiro prático de análise.
Palavras-chave: Categoria de Análise. Relação Trabalho e Conhecimento. Metodologia Dialética. Prática Pedagógica.
Abstract: the article presents the relationship between work and knowledge as a category of analysis and a guideline for the unveiling of the meaning of a pedagogical practice, through the application of dialectical methodology, concluding with a practical script of analysis.
Keywords: Analysis Category. Relationship Work and Knowledge. Dialectical Methodology. Pedagogical Practice.
Keywords: Work. Knowledge. Pedagogical Practice. Analysis Category.
Resumen: el artículo presenta la relación entre trabajo y saber como categoría de análisis y directriz para el develamiento del sentido de una práctica pedagógica, a través de la aplicación de la metodología dialéctica, concluyendo con un guión práctico de análisis.
Palabras clave: Categoría de análisis. Relación Trabajo y Conocimiento. Metodología Dialéctica. Práctica Pedagógica.
Introdução
O interesse em uma categoria de análise que permita alcançar com eficácia e objetividade a natureza e o sentido de uma prática pedagógica apresenta uma motivação bem singela, aliás, a mesma que motiva os incontáveis trabalhos acadêmicos que se debruçam sobre o faz-de-conta que pontilha o panorama da
história do Brasil, desde as famosas imponentes instituições públicas criadas sem qualquer base orçamentária do tempo do Império até as recentes transformações radicais da educação brasileira, puramente formais, onde a mudança tem sido simplesmente documental, apenas ao nível da terminologia, enquanto a prática permanece a mesma.
Seja nas práticas pedagógicas concretas, independente da teoria que as embase, seja na área acadêmica, essa reiterada e malfadada postura sempre apresenta o seu efeito mais perverso: o trabalho inócuo que desmotiva o mais abnegado dos profissionais. Isso vai dos cursos de Filosofia sem uma aula sequer sobre o pensamento dialético da época do tecnicismo autoritarismo à explosão das faculdades privadas com a redemocratização, comandadas exclusivamente pelos interesses de mercado e toleradas mansamente pelos órgãos de controle.
Quando nos deparamos com a filosofia antifilosófica do autoritarismo ou com o fazer inócuo da demagogia é que as questões básicas a relação entre a produção científica e sua aplicação mais afligem.
O que é (qual o sentido de) conhecimento, ciência e produção científica na academia? Pode ser aceito como o tesismo formal e repetitivo da pós-graduação? Ou “escolão” sem pesquisa da graduação? Ou o fazer que, em consequência, acaba desaguando no ensino de segundo grau? E na educação informal e não-formal? É possível um fazer pedagógico diferente, realmente eficaz?
O que acontece nas escolas de segundo grau é um reflexo do que os alunos da graduação recebem nas universidades. E o monstruoso hiato de pesquisa que existe entre a graduação e a pós-graduação na academia alimenta e perpetuaa concepção de conhecimento e trabalho prevalente no imaginário social instituido cotidianamente nas instâncias de mando da sociedade brasileira.
E não se diga que é uma questão de teoria pedagógica básica porque é exatamente disso que tentamos falar. Há práticas pedagógicas com excelente fundamentação teórica que se reduzem a práticas medíocres, com resultados acachapantes em termos de formação da consciência crítica. E há escolas públicas que alcançam resultados surpreendentes e reais, pelo denodo de alguns abnegados, trabalhando com o mínimo de recursos, e ainda aplicando linhas pedagógicas tradicionais.
Daí a necessidade da aplicação de uma categoria de análise hábil à produção de uma interpretação dirigida ao sentido das práticas pedagógicas, que entendemos não ser outra senão a relação trabalho e conhecimento.
A Relação Trabalho e Conhecimento
Em primeiro lugar, o que é o conhecimento? Evidentemente, o cerne da discussão não é, aqui, estabelecer o conhecimento como uma construção cotidiana composta de pequenos momentos, viés pelo qual se perderia a perspectiva globalizante.
Tampouco faz sentido, em uma análise dialética do conhecimento, o que é determinante, se o conhecimento como um todo (produto global do empreendimento humano de transformar a natureza), ou do conhecimento como parte, cada específico processo de conhecer, uma vez que a concepção dialética se fundamenta justamente no conceito de processo dinâmico de contradição e superação. Nesse sentido é que definimos operacionalmente o conhecimento como todo esquema interpretativo da realidade ‑ filosófico, científico, religioso ou artístico ‑ traduzido nas diversas formas concretas em que se constituem os fundamentos da ação humana; ou seja, um processo dinâmico de instituição da realidade social do homem, ao mesmo tempo, continuamente determinado por essa realidade social.
Afinal, só conhecemos algo na medida em que integramos esse algo, seja uma teoria científica ou uma obra de arte, ao nosso sistema de cognições, fora do que temos apenas uma parcela do processo e que, separada do todo, não tem sequer significado (falar da sensação em si, como um processo puramente biológico é falar do fictício).
Se for assim, o conhecimento é sempre integrante de uma relação e, como tal, não se dá no vazio. Como toda relação, é mediada em espaços concretos, como o mundo do trabalho (a fábrica, a legislação trabalhista…), da educação (formal, não‑formal, informal…), da ação política (o partido, o sindicato…), todos estes determinados culturalmente (produtos do conhecimento), onde a linguagem (que já dá o conteúdo ideológico) e o imaginário social (constituído de uma moral, de uma concepção de ciência, do senso comum…) estão imbricados em um processo de naturalização (universalização) que, por si, já condiciona as práticas sociais (FRIGOTTO, 2015).
Admitindo, com Marx, que é pelo trabalho que o homem transforma a natureza, humaniza a natureza e que, portanto, através dele define historicamente a sua existência, vemos que o sentido dado ao trabalho em uma dada sociedade está intrinsecamente ligado ao modo de produção vigente, como aspectos de uma mesma instituição social histórica, logo, parte fundamental desse processo global de produção do homem pelo conhecimento (MARX e ENGELS, 1989, p. 44-45). É nesse sentido que falamos na relação trabalho e conhecimento como um processo histórico e dinâmico de produção de significados sociais pela interação entre o modo como o homem transforma a realidade e o modo como o homem entende a realidade (articulada em práticas concretas), em um processo caracterizado pela interdependência entre os dois pólos da relação. A relação trabalho e conhecimento é, fundamentalmente, uma correlação.
4. Roteiro para Aplicação da Relação Trabalho e Conhecimento como Categoria de Análise de uma Prática Pedagógica
Aqui a análise toma uma feição realmente prática, inclinando-se sobre os dados obtidos através de técnicas já consagradas para coleta de dados, e buscando a conjugação de duas formas de sistematização: 1º)segundo um roteiro previamente estabelecido para análise de práticas educativas, em primeiro lugar, e, 2º), tentando seguir o desenvolvimento histórico da implantação da prática educativa na Instituição determinada. Assim, um possível roteiro a ser seguido para a análise de uma prática educativa incluiria o exame, no mínimo, dos seguintes componentes:
1. A Forma e o Conteúdo: quanto à articulação interna da relação trabalho e conhecimento no conteúdo e na forma dos cursos e atividades da prática analisada e da Instituição escolhida, observando atentamente as imagens, tipo dicotomia prático-teórico com supervalorização do teórico, parco ou excessivo rigor do controle do processo pedagógico, rituais de ingresso, etc.
2. Os Agentes: evidentemente, não é possível restringir a definição de agentes da educação para todos os tipos de práticas pedagógicas à categoria de professores ou instrutores. Dada a ausência de um controle pedagógico formal em vários tipos de instituições, é necessário incluir nessa categoria todos os que a direcionam, e isso é válido tanto para o diretor de escola como para um superintendente de serviço. O importante aqui é identificar o perfil do agente.
3. O Educando:enquanto que em relação aos agentes realça certa facilidade em distinguir perfis, quanto aos educando isso resulta realmente complexo, inclusive pela generalidade do conceito de práticas pedagógicas, abarcando desde a escola formal até cursos de preparação para o trabalho ou todos os tipos de suplência, profissionalizantes ou gerais.
Entretanto, algumas imagens se destacam e se apresentam muito úteis para a compreensão do sentido da existência da instituição de ensino e de sua prática pedagógica. Destacamos aqui a dicotomia teoria x prática, com desvantagem socialmente estabelecida para o que se sabe na prática, ou a interessante imagem que representa a do status ocupado pelo estudante na comunidade no imaginário coletivo.
4. A finalidade: Qual a real finalidade da instituição educativa com suas práticas pedagógicas? Certamente não a que está na normatização, já que esta sequer é garantida na realidade. Pela ausência de controle, pela aceitação passiva das distorções, e, até, pelo próprio processo de formação de seu quadro de técnicos e professores, podemos deduzir a verdadeira finalidade dessas práticas, ou como sendo a de garantir os significados sociais quanto à articulação trabalho e conhecimento ao molde da concepção das classes dominantes, ou realmente a finalidade libertadora de consciências, que provavelmente estará escrita em seus documentos (ARRUDA, 1988).
Uma imagem fundamental, nesse sentido, é a vulnerabilidade de seus programas à manipulação política, fato que pode até ser dado como normal, e naturalizado tanto pelos dirigentes como pelos comunitários, mesmo quando participam de encontros onde é enfatizado que é um direito, e não um favor de um político qualquer.
5. Os Meios: quando aos métodos, e aqui uma regularidade que deve ser cuidadosamente observada é justamente a ausência de uma metodologia formalmente estabelecida. Sem qualquer apoio metodológico, o executor confecciona o seu próprio material, consequentemente, repassa ao aluno exatamente o seu próprio processo de socialização;
6. AProposta Político-pedagógica: a proposta varia com o momento político vivenciado, mas a questão é se tem a ver com o que acontece na realidade.
7. A Origem dos Recursos: quanto a origem dos recursos da instituição de ensino, alguma imagem relacionada aos interesses de classe sempre assoma como fundamental para o estabelecimento do sentido de suas práticas.
8. Os Resultados da Ação: aqui a imagem mais conspícua e também mais importante a observar é o que se poderia chamar “falsa concretude”. Para muitos agentes de uma instituição de ensino e também para a maior parte de sua clientela, uma ação “efetiva” é definida pelo seu produto visível, devidamente registrado de preferência em fotografias ou até mesmo em vídeo, “concreta”, e não pelo processo através da qual ocorreu. Um exemplo é quando o planejamento de uma instituição pública de ensino é apresentado como construído com a comunidade, mas que, na verdade é construído pelos técnicos, tendo alguns representantes da comunidade apenas como platéia.
E, por fim, o fundamento e objetivo de uma análise concebida na perspectiva dialética: o desvelamento do sentido oculto da realidade para o enfrentamento e transformação. Não basta perceber uma prática social como inócua, cumpre demonstrá-lo objetivamente, desvelando seu verdadeiro ser e sentido, suas identificações de classe e verdadeiros objetivos, seu papel social insculpido em cada ato e que tem principalmente na ação e nos resultados da ação o locus da interpretação.
Referências Bibliográficas
Arruda, M. Metodologia da práxis e formação dos trabalhadores. Rio de Janeiro: julho de 1988 (mimeo).
Frigotto, G. (2015). A PRODUTIVIDADE DA ESCOLA IMPRODUTIVA 30 ANOS DEPOIS: REGRESSÃO SOCIAL E HEGEMONIA ÀS AVESSAS. Revista Trabalho Necessário, 13(20). https://doi.org/10.22409/tn.13i20.p8619
Kosik, K. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
Como citar este artigo:
CARVALHO, J.W.S., A relação trabalho e conhecimento como categoria de análise de práticas pedagógicas. (…)
* Professor e advogado. Doutor em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia/MG. E-mail:wilsoncarvalho@unifap.br.