Então, o perigo sempre foi muito pior do que pensávamos.
Noam Chomsky
Margarete Hülsendeger
Em 1947 o comitê de diretores do Bulletin of the Atomic Scientists da Universidade de Chicago criou um relógio simbólico que marca em “minutos para a meia-noite” o tempo que resta para o fim da humanidade em decorrência de uma guerra nuclear. No dia de sua criação, ele foi iniciado em sete minutos para meia-noite e desde então tem sido atrasado e adiantado levando em conta a situação mundial e a perspectiva de um conflito nuclear.
Infelizmente, deste o início dessa contagem simbólica não tem havido escassez de acontecimentos com o potencial de levar a raça humana à beira da extinção. A crise dos misseis, em 1962, foi um desses momentos emblemáticos. Nesse ano, o cidadão comum, quem sabe pela primeira vez, percebeu como seria fácil para uma das grandes potências nucleares da época – EUA e URSS – ter iniciado hostilidades que poriam fim à vida como a conhecemos no planeta. Esse, no entanto, não foi o único momento crítico pelo qual já passamos. Em 2015, por exemplo, o relógio foi adiantado em 3 min antes da meia noite (23h57min) porque, conforme o Bulletin of the Atomic Scientists, os líderes globais “falharam em agir na velocidade requerida para proteger os cidadãos de uma potencial catástrofe, seja pelo aquecimento global ou na luta contra a corrida armamentista”[1]. A partir desse ano os ponteiros do relógio não deixaram de se aproximar da meia-noite atingindo em 2020 a marca de 23h58min. O motivo para esse avanço foi, segundo o Bulletin, o fim do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Internacional entre EUA e Rússia, o aumento das tensões entre Irã e EUA, o fracasso contínuo no combate às mudanças climáticas e a pandemia do Covid. A boa notícia é que até janeiro de 2022 os ponteiros do Relógio não avançaram, mas a má é que isso poderá, em breve, mudar. Motivo? A invasão da Ucrânia pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022.
Em entrevista recente, concedida a News Stateman, o filósofo e linguista Noam Chomsky apresentou duas maneiras de entender essa nova guerra na Europa. A primeira tem a ver com a figura do presidente russo e o que se passa nos “recessos da mente distorcida de Putin para determinar o que está acontecendo na sua psique profunda”[2]. A segunda, aborda um ponto amplamente discutido por Chomsky em um de seus livros mais conhecidos, Quem manda no mundo?, o “cerco da OTAN”.
Segundo Chomsky, a demanda norte-americana pela primazia estratégica tem forçado a expansão da OTAN para o leste. Uma expansão que seria a quebra das promessas verbais feitas a Mikhail Gorbachev para que ele concordasse em apoiar a entrada de uma Alemanha unificada na OTAN. Para o linguista, a guerra da Ucrânia é uma das consequências dessa quebra de palavra dos Estados Unidos. Para pontuar essa afirmativa, Chomsky recorda que, em setembro de 2021, o governo americano fez uma forte declaração política, pedindo uma maior cooperação militar da Ucrânia com o objetivo de integrá-la à OTAN.
Essa tentativa dos Estados Unidos de estenderam sua influência a leste da Europa teria desencadeado a reação russa. Vladimir Putin, preocupado não só com o “cerco da OTAN”, mas também com a possibilidade da disseminação da democracia liberal na Ucrânia e em outras regiões muito próximas do território russo, decidiu, como bom ditador, tomar o assunto em suas próprias mãos. O resultado desse jogo de xadrez é o que temos visto todos os dias na tela da TV e lido nas páginas dos jornais: a devastação da Ucrânia, apesar da resistência da população, e a possibilidade de um conflito nuclear. Putin, com sua “mente distorcida” não tem problemas em dizer (mais de uma vez) que qualquer país que tente intervir enfrentará uma resposta “rápida como um relâmpago”, pois têm “todas as ferramentas [para responder] das quais ninguém pode se gabar. E não vamos nos gabar delas, vamos usá-las se necessário”[3].
São essas declarações e esses movimentos (muitos deles invisíveis às pessoas comuns) que fizeram Chomsky, em 2015, no livro Quem manda no mundo?, lembrar o Manifesto Russel-Einstein. Esse texto, redigido por Bertrand Russel e apoiado por onze cientistas e intelectuais notáveis, entre eles Albert Einstein, alertava, em 1955, para a necessidade de encararmos um dilema penoso e inquietante: “ou adquirimos um pouco de sensatez, ou iremos todos perecer. Uma reviravolta do pensamento político terá que acontecer para que seja evitado o desastre final”. Em 2022, sete anos após a publicação de Quem manda no mundo?, Noam Chomsky repete, de forma mais suscinta, o alerta de 1955 ao dizer que “Estamos agora enfrentando a perspectiva de destruição da vida humana organizada na Terra”.
É trágico pensarmos que, passados 67 anos do Manifesto Russel-Einstein e 77 do bombardeio de Hiroshima e Nagazaki, nada tenha realmente mudado. Assim, não nos deveria surpreender que os ponteiros do Relógio do Juízo Final continuem avançando de forma inexorável para a meia-noite. O que me leva a perguntar, toda vez que assisto à TV ou leio o jornal, quantos segundos ainda nos restam antes de ouvirmos as 12 batidas finais?
[1] Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/sustentabilidade/relogio-do-apocalipse-adiantado-para-23h57m-humanidade-fica-mais-perto-da-extincao-15123391. Acesso: 09 maio 2022.
[2] Fonte: https://socientifica.com.br/noam-chomsky/. Acesso: 09 maio 2022.
[3] Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61255166. Acesso: 09 maio 2022.
