É normal que os vencedores joguem a história no lixo, ao passo que as vítimas levam a sério a história.
Noam Chomsky
Margarete Hülsendeger
Noam Chomsky (1928, Filadélfia, Pensilvânia), além de filósofo e sociólogo, é reverenciado no meio acadêmico como o “pai da linguística moderna”. Suas obras sobre esse tema se tornaram referência na área, despertando, ao mesmo tempo, admiração e crítica. No entanto, não é apenas no estudo da Gramática que ele provoca emoções conflitantes. Quando o assunto é política, em especial a política externa norte-americana, suas posições, ditas de “esquerda”, dividem as pessoas em dois grupos: os que amam e os que odeiam Noam Chomsky.
A leitura de um de seus livros mais conhecidos – Quem manda no mundo?[1] – é um mergulho no ideário de um homem que já viveu muito e por isso não esconde a sua preocupação com o futuro da humanidade. Segundo ele, atualmente, uma das “nuvens escuras” que paira sobre qualquer reflexão acerca da ordem global é a possibilidade, cada dia mais iminente, de uma catástrofe ambiental. Uma tragédia anunciada por cientistas de todo o mundo que, há alguns anos, vêm informando sobre a elevação da temperatura do planeta e o consequente aumento dos níveis dos mares em decorrência do rápido derretimento das calotas polares.
O que Chomsky procura fazer em Quem manda no mundo? é explicar ao leitor, de maneira didática e contundente, como a humanidade chegou a esse ponto de quase não retorno, onde a sobrevivência da própria espécie encontra-se ameaçada. Ele utiliza, por exemplo, a expressão “obsessões predatórias” ao se referir às inúmeras calamidades que já podem ser observadas no planeta. Uma dessas obsessões é a dependência dos combustíveis fósseis, cujos efeitos sobre o clima têm preocupado diferentes agências científicas, entre elas a Organização Meteorológica Mundial (OMM). De acordo com Chomsky, os relatórios emitidos por essas agências são, na maioria das vezes, silenciados (pela mídia e pela classe política) com a justificativa de serem alarmistas e exagerados. Como resultado, a forma padrão de tratar o tema é apresentando-o como um “debate” entre pessimistas (cientistas qualificados) e céticos (negacionistas resistentes)[2].
Quando o olhar de Chomsky se volta para os Estados Unidos a situação se torna ainda mais preocupante. Conforme o filósofo, homens de negócios e dirigentes empresariais conduzem campanhas de propaganda com o objetivo de convencer a população que o aquecimento global é uma “mentira esquerdista”. Esses empresários também contam com o apoio de políticos, com frequência fanáticos religiosos, que citam a Bíblia (de preferência o Velho Testamento) para justificar que a mudança climática “não pode ser de fato um problema porque Deus prometeu a Noé que não haverá outro dilúvio universal”. Em razão disso, Chomsky alerta que, se as pessoas se mantiverem passivas, apáticas, absortas com as redes sociais ou ocupadas sentindo ódio pelas minorias e os mais vulneráveis, os “poderosos continuarão fazendo o que lhes der na telha, e aos que sobreviverem não restará senão contemplar o resultado”.
Se pensarmos no Brasil logo perceberemos que qualquer semelhança não é mera coincidência. Aqui os negacionistas também são poderosos. Aqui eles também são apoiados por políticos capazes de anular qualquer investigação séria sobre os efeitos do aquecimento global, basta ver o desmantelamento ao qual foi submetido o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Com cortes de verbas e de pessoal, o IBAMA, assim como outros órgãos de fiscalização, foi obrigado a restringir sua vigilância, o que resultou na redução significativa de ações imediatas de combate e controle sobre práticas que colocam em risco o meio ambiente. Durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, o desmatamento na Amazônia cresceu 56,6% e mais da metade (51%) ocorreu em terras públicas, principalmente (83%) em áreas de domínio federal [3]. Portanto, o alerta de Chomsky serve para todos aqueles, independente de nacionalidade, cuja única ação é observar passivamente a destruição das reservas naturais do planeta.
Quem manda no mundo? foi publicado em 2016 um pouco antes da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Isso levou o autor a acrescentar um posfácio no qual especula sobre o futuro de seu país e do mundo nas mãos de Trump. No texto, ele deixa claro não esperar muito do novo governo, já que durante toda a campanha presidencial questões como as mudanças climáticas foram totalmente ignoradas. Hoje, seis anos depois, sabemos qual foi o resultado: Trump, entre outros “feitos”, rejeitou, em 2018, o relatório de seu próprio governo advertindo para os graves impactos do aquecimento global na economia e na saúde dos EUA. “Eu vi, li um pouco e está tudo bem. Eu não acredito”, afirmou Trump na época[4].
Quem manda no mundo? é uma leitura necessária nos tempos difíceis que vivemos. Como diz Chomsky no parágrafo final de seu livro, mais importante do que nos perguntarmos “quem comanda o mundo?” é saber “quais os principais valores que regem o mundo?”. A resposta a essa pergunta determinará as escolhas que faremos para que nossos filhos e netos ainda tenham um planeta onde viver.
[1] CHOMSKY, Noam. Quem manda no mundo? Tradução Renato Marques. São Paulo: Planeta, 2017.
[2] Veja o filme “Não olhe para cima” ou leia meu texto “O negacionismo na ciência”, publicado na Partes em 06/02/2022 (https://www.partes.com.br/2022/02/06/o-negacionismo-no-cinema/)
[3] Fonte: https://ipam.org.br/desmatamento-na-amazonia-cresceu-566-sob-governo-bolsonaro/. Acesso: 19 abril 2022
[4] Fonte: https://www.dw.com/pt-br/trump-rejeita-relat%C3%B3rio-sobre-aquecimento-global/a-46463167. Acesso: 19 de abril de2022