Pois ser humano, com toda a miséria e grandeza que isso significa, não é apenas desejar consolo e esperança, mas também abrir os olhos e enxergar além disso, sem perder a alegria.
Lya Luft
Margarete Hülsendeger
No final de 2021 recebemos a notícia que escritora gaúcha Lya Luft havia falecido, aos 83 anos. A causa da morte foi um câncer, mais especificamente um melanoma, diagnosticado quando já estava em metástase. Antes do Natal, no entanto, ela quis voltar para casa e esperar, junto à família, a visita “daquela” que está sempre nos observando, desde o instante que abrimos os olhos para o mundo. Quando “Ela” apareceu a encontrou dormindo.
A carreira literária de Lya Luft começou em 1964, mas ela só se considerou uma autora em 1980 quando publicou As parceiras. A partir desse momento, não parou mais de escrever e publicar, tendo, inclusive, de deixar a faculdade, onde era professora de linguística, para dedicar-se a carreira de escritora. Como resultado dessa escolha, ela escreveu e publicou 23 livros, entre romances, coletâneas de poemas, crônicas, ensaios e livros infantis, muitos deles traduzidos para outros idiomas.
Recentemente, terminei de ler O silêncio dos amantes[1], o livro que marcou a volta de Lya Luft à literatura de ficção após ter permanecido quase dez anos afastada desse tipo de narrativa. O título dá a impressão de se tratar de um daqueles romances açucarados, com o previsível “felizes para sempre”. Nada mais equivocado. Trata-se, na verdade, de uma coletânea de contos cujo tema central é a complexidade das relações humanas, em especial as familiares. Segundo a autora, esses relatos estão ligados pela mesma proposta que vem desde os seus primeiros romances e poemas: “refletir sobre a incomunicabilidade e a solidão, os conflitos humanos, a morte que nos ronda, além do mistério e da beleza que nos fazem repensar a vida”.
Além de ser um livro lindamente escrito, ele tem o mérito de nos fazer refletir. Todos os temas são tratados com delicadeza e sensibilidade, não havendo o perigo de nos sentirmos entediados. O perigo, talvez, esteja em nos emocionarmos, pois com vários deles poderemos nos identificar. Acredito que esse tenha sido o objetivo da autora: a identificação dos leitores com seus personagens.
Em seus textos, iremos encontrar desde um pai que não conseguiu lidar com a questão da paternidade, até um casal de amantes que, após inúmeros infortúnios, encontrou no silêncio a paz que tanto procurava. São, portanto, histórias de pessoas – como você ou eu – que tentam desesperadamente compreender o que aconteceu – de certo e de errado – em seus relacionamentos. E quando nos identificamos com qualquer um dos personagens fica difícil manter o distanciamento. Somos forçados a assumir uma posição e a pensar sobre o como e o porquê das nossas próprias escolhas. Todos esses elementos acabam por tornar a leitura ainda mais interessante.
Os contos com temas diretamente relacionados às questões familiares são, com certeza, os de maior complexidade. Como diz um velho ditado popular, “família não se escolhe”, o que, para muitos, significa viver durante anos com pessoas com as quais não se tem nenhuma afinidade. Nessas relações, a ausência de uma comunicação real e efetiva cria espaços vazios, preenchidos, com frequência, por sentimentos que vão desde a simples mágoa até o ódio corrosivo. E se acrescentarmos a esse caldeirão de sentimentos desencontrados a culpa, igualmente poderosa na sua capacidade de destruição, veremos personagens sofrendo por não conseguirem amar e nem ser amados por aqueles com os quais são obrigados a conviver. Como consequência, a culpa, assim como o desespero, o ressentimento e o medo, se transformam também em personagens.
O silêncio dos amantes é, portanto, uma leitura difícil em vários momentos, mas extremamente emocionante. Ao nos transportarmos para os diferentes mundos descritos por Lya Luft, nos tornamos também parte deles. A leitura atenta convida a uma reflexão séria sobre como conduzimos nossas relações, pois, ao não nascermos com uma cartilha nas mãos, estamos sempre tentando acertar, mesmo quando insistimos nos mesmos erros. Nas histórias de Lya Luft a vida transforma-se em um outro tipo de arte: a arte de viver com aqueles que, mesmo sendo próximos, muitas vezes nos são totalmente estranhos e – porque não? – indiferentes.
Boa leitura!
[1] LUFT, Lya. O silêncio dos amantes. Rio de Janeiro: Record, 2011 (Edição Kindle).
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