Francis Ricken*
Na última semana de março, algo chamou bastante atenção da opinião pública e da classe artística nacional, que foi a decisão monocrática do ministro Raul Araújo, do TSE, sobre propaganda eleitoral antecipada no Festival Lollapalooza Brasil. O ministro, provocado pelo Partido Liberal, do candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, acabou aplicando, com base nos fatos ocorridos nos shows das cantoras Pabllo Vittar e Marina Sena, a multa de 50 mil reais para os artistas que se manifestassem politicamente provocando propaganda eleitoral antecipada durante a realização do festival, que ocorreu durante três dias, na cidade de São Paulo.
Obviamente, a decisão do ministro soou estranha, primeiro, pela fundamentação dos fatos que colocaram na boca das cantoras atos e falas que não correspondiam com a realidade e, segundo, por considerar que expressar preferências políticas, manifestar apoio ao alistamento eleitoral por jovens de 16 e 17 anos de idade, e fazer críticas ácidas ao governo pudessem ser caracterizadas como propaganda eleitoral antecipada. Além disso, a aplicação de sanção caiu como uma bomba sobre o festival, dando a impressão que se tratava de censura prévia às falas dos artistas que se apresentariam no decorrer do evento. A polêmica foi uma constante durante todo Lollapalooza, o que fomentou críticas diretas ao presidente da República e ao seu governo, que tem um tom claramente autoritário.
Mas, qual o fundamento para a chamada propaganda eleitoral antecipada, que deu causa à decisão do ministro? A propaganda eleitoral é regulamentada pela legislação, inclusive estabelecendo prazos para sua realização e utilização de parâmetros para sua vinculação. Fora de limites determinados pela lei, as condutas acabam sendo penalizadas, geralmente com aplicação de sanções pecuniárias para quem as faz, o que, pela decisão, teria acontecido no festival de música em São Paulo. Entretanto, manifestações políticas de pessoas demonstrando seu interesse ou preferência, desde que não envolvam pedido explícito de voto para determinado candidato, estão muito mais próximas de ser liberdade de expressão do que propriamente de campanha eleitoral, tanto que o ministro Edson Fachin, atual presidente do TSE, determinou que o tema seja debatido no plenário do Tribunal Superior Eleitoral para que controvérsias sobre as campanhas sejam esclarecidas o mais breve possível. Tal medida pode colocar uma pá de cal na impressão de que o tribunal tende a ser flexível com certas condutas do presidente da República, quando utiliza os canais de comunicação do governo nos atos de exaltação ao Palácio do Planalto, ou em eventos “espontâneos” durante as viagens presidenciais, e que poderiam também ser consideradas propaganda eleitoral antecipada.
Não é culpa do TSE a volatilidade dos processos eleitorais que estão cada vez mais complexos e de difícil regulamentação. O fenômeno do fluxo de informações e da ampla exposição que qualquer evento público, que está a um toque de distância nas telas das redes sociais e dos mecanismos de comunicação, colocaram o Tribunal em uma situação de ter que solucionar demandas numa velocidade sobre-humana, impossibilitando soluções concretas para todas as questões. Sem dúvida que a decisão do plenário trará mais tranquilidade aos processos eleitorais, mas é impossível acreditar que o Judiciário e o próprio Legislativo sejam capazes de dar respostas imediatas e categóricas para todas as discussões políticas do nosso país, já que, dificilmente a vida cabe no texto de lei ou em uma decisão jurisprudencial. Considerar o TSE o vilão diante de uma decisão polêmica sobre um caso concreto é fragilizar uma das instituições exemplares e garantidoras de um processo eleitoral que promete ser muito quente em 2022.
*Francis Ricken é advogado, mestre em Ciência Política e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).