Saúde

Setembro Amarelo: é preciso ter ferramentas para lidar com o mundo

Letícia Lyle

No semáforo, a cor amarela é frequentemente associada com desaceleração. O motorista precisa reduzir a velocidade ou até mesmo parar. Muitos ainda relacionam esse tom com confiança, liderança intelectual, sabedoria e otimismo. Todos esses pontos podem – e devem – estar conectados com a campanha Setembro Amarelo, iniciada no Brasil em 2015, em busca da valorização da vida.  

O tema suicídio – e os subtópicos adjacentes, como o combate às causas relacionadas, entre elas a depressão – vem deixando de ser tabu há algum tempo. Produções audiovisuais, como a série da Netflix “13 reasons why”, ajudaram a trazer esse debate à mesa, desmistificando essa conversa, que precisa acontecer. Mas bem longe do audiovisual e bem pertinho da nossa realidade: você já parou para pensar que pode ter uma Hannah (protagonista da obra televisiva) a metros de distância?

Antes de falar do tema suicídio em si, é preciso abordar alguns componentes que giram ao seu redor. Bullying, solidão, depressão e baixa autoestima fazem parte do dia a dia de muitos jovens na escola e, muitas vezes, não há espaço, e principalmente ferramentas, para lidar com isso.

Mais do que nunca, precisamos de aparatos para lidar com o mundo, especificamente em fases como infância, pré-adolescência e adolescência. Há 10 anos, estudo o desenvolvimento de competências socioemocionais e trabalho com isso. Antes de estar em um cargo de direção pedagógica, criei programas em escolas públicas e privadas, projetos de formação de professores, adaptei currículos e materiais didáticos. Cada uma dessas experiências evidenciou a importância dessas competências e do quanto são essenciais para o processo de ensino e aprendizagem – e para o desenvolvimento humano de pais, responsáveis, professores e estudantes.

Quando falamos sobre competências socioemocionais, delimitamos um conjunto de ações, habilidades, comportamentos e valores que norteiam a maneira pela qual o indivíduo se relaciona consigo mesmo, com as pessoas e com o mundo a sua volta. Uma série de estudos e experiências no Brasil e em outros países demonstram os benefícios do trabalho com essas habilidades. Modelos educacionais de todo o mundo, dentre eles os da Finlândia, Austrália e Cingapura, estão voltando esforços para garantir nas escolas esse trabalho com aprendizagem socioemocional.

Mesmo com boas práticas e intenções, alguns dados continuam sendo alarmantes. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), anualmente, cerca de 800 mil pessoas tiram as próprias vidas. É um número assustador e corresponde à população de uma grande cidade. No Brasil, a Organização Mundial da Saúde – OMS estima que 32 indivíduos morrem diariamente pelos mesmos motivos.

A pandemia do novo coronavírus, que nos obrigou a ficar em casa, agravou alguns quadros de depressão e ansiedade em até 100%, segundo estima um estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, publicado pela revista científica The Lancet. Ainda não se sabe muito sobre os impactos neurológicos a longo prazo das pessoas que tiveram Covid-19 e se recuperaram.

Na condição de docentes e pedagogos, não podemos nos silenciar diante de qualquer sinal de introspecção fora do comum, agressividade demasiada ou melancolia inesperada. Esses cenários podem estar relacionados a quadros de violência dentro ou fora da sala de aula. Temos que olhar com uma lupa para cada uma e cada um de nossos estudantes. O mesmo deve acontecer dentro de casa: pais, familiares e responsáveis têm que estar “de plantão” e não normalizar situações de instabilidade emocional. Ninguém entra em um quadro depressivo de um dia para o outro. Os sinais vão sendo mostrados aos poucos.

O Instituto Ayrton Senna (IAS) lidera um grupo de estudos chamado Edulab21, que busca desenvolver instrumentos para a avaliação das competências socioemocionais em escolas. Na sua primeira versão, o instrumento criado por eles, SENNA 1.0, conseguiu apontar correlações entre vulnerabilidade e violência e competências socioemocionais.

Muitos dos fatores interligados com as causas da depressão e do suicídio estão relacionados à infância e à adolescência. A própria campanha do Setembro Amarelo tem base nessas faixas etárias. Em 1994, Mike Emme, de apenas 17 anos, tirou a própria vida em seu Mustang 1968, pintado por ele de amarelo. Seus pais iniciaram, então, um trabalho de conscientização após o triste fato e o laço com essa tonalidade acabou se tornando o símbolo dessa luta pela vida.

Letícia Lyle – cofundadora da Camino Education e diretora da Camino School

É crucial pensar que pode ter um Mike bem perto de cada um de nós. Um olhar cauteloso e empático, seguido por um tratamento adequado, pode sim salvar vidas. Para além disso, precisamos buscar maneiras de garantir que nossos jovens possam se desenvolver com segurança, e espaço para crescer. Já são muitas as soluções disponíveis e evidências sobre os efeitos positivos do trabalho com as competências socioemocionais em variados formatos. Escolha um, invente um, faça o teste – esse desafio é de todos nós.

Letícia Lyle – cofundadora da Camino Education e diretora da Camino School

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