Margarete Hülsendeger
Nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais.
Umberto Eco
Ouvir a verdade dói? Sim. E dizer? Também. Dói no coração, dói na alma e às vezes dói até no corpo. Muitos creem que saber ouvir e dizer a verdade é uma parte dolorosa, mas necessária, do processo de autoconhecimento. Um processo que começa quando tomamos consciência de nós mesmos, como indivíduos, e termina apenas quando nossos olhos se fecham para esta vida. É claro que, em tempos de relativização, o conceito de verdade tornou-se bastante flexível – “o que é adequado para mim pode não ser para você” – e sustentar, de forma absoluta, uma determinada posição, tem a capacidade de conduzir ao fanatismo e à intolerância. No entanto, se em algumas situações, isso pode estar correto, a relativização da noção de verdade também tem o potencial de impedir que se perceba a diferença entre o certo e o errado, o justo e o injusto, estimulando a ideia de que “tudo é permitido”.
De qualquer forma, apesar das dificuldades que esse conceito carrega, existem pessoas que assumiram a difícil tarefa de apontar falhas em concepções que, em princípio, são (ou foram) consideradas inquestionáveis. E como poucos são aqueles que querem (ou gostam) de ouvir a verdade, pôr em dúvida o que é tido como certo pode despertar a ira daqueles que não compartilham da mesma opinião. Por esse motivo, é sempre mais fácil conceder. É sempre menos estressante não discutir. É sempre mais tranquilo comportar-se como ovelhas, animais facilmente guiados que quase nenhuma resistência oferecem a qualquer situação que lhes seja imposta. Basta indicar o caminho e elas o seguem, balindo, calmas, ordeiras e submissas. No ser humano, essa docilidade se manifesta pelo simples gesto de balançar a cabeça e dizer, repetidamente, “Sim, senhor!”.
Dizer a verdade também pode ir contra os “bons modos”. Como as pessoas se habituaram a se esconder atrás de um verniz de falsa cortesia, jogar a sujeira para debaixo do tapete se tornou um sinal de “boa educação”. Quem se atreve a ir contra essa “norma de conduta” é, com frequência, apontado como alguém grosseiro, agressivo, incapaz de respeitar os sentimentos alheios. E é justamente essa mistura de pseudocivilidade com “complexo de ovelha” a responsável por existirem tantas pessoas despreparadas para enfrentar as duras verdades da vida. Indivíduos que preferem olhar para o outro lado, fingir-se de cegos e surdos, enquanto o mundo está mergulhado em mentiras e falsidades.
Para o poeto sueco Vilhelm Ekelund (1880-1949), a origem de toda a angústia é ter perdido o contato com a verdade. Quando não conseguimos reconhecê-la, quando não podemos viver com ela, tornamo-nos seres dominados pelo medo, com receio de agir e até de expressar o mais simples dos pensamentos. Como resultado, nos transformamos em reféns de nós mesmos, facilitando o trabalho daqueles que nos querem manipular. Assumir uma posição contestadora, crítica, é estressante, enquanto que aceitar, concordando sempre – como dóceis ovelhas –, é, além de seguro, bem mais confortável.
Quem não deseja passar pelo mundo sendo uma ovelha precisa, muitas vezes, gritar, esbravejar contra tudo o que cheira a mentira ou enganação. As grandes revoluções não foram feitas pelos que se calavam. Ao contrário. As mudanças sociais realmente importantes foram realizadas por aqueles que não tinham medo de dizer a verdade, mesmo que ela machucasse e até matasse. Todavia, a repulsa – e, muitas vezes, a raiva – que essas ações despertam nos outros, torna a solidão a companheira mais constante daqueles que defendem uma ideia de verdade sem disfarces ou artifícios.
Portanto, é compreensível o sentimento de desesperança demonstrado por Cândido, personagem criado por Voltaire, quando, desiludido, pergunta: “Se este é o melhor dos mundos possíveis, o que será dos outros?”. No século XXI, em especial depois da pandemia, essa questão é ainda mais pertinente, pois a verdade que deveria redimir, muitas vezes envergonha e até mesmo constrange. E disso resultam diferentes tipos de tristezas. A tristeza de ter de se esconder por detrás de mentiras apenas porque elas confortam e protegem. A tristeza de pensar que a verdade é encarada por muitos com mal estar e desconfiança. E, finalmente, a tristeza de viver em um mundo onde mentir e ocultar é a regra e não a exceção.