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ZILDA ARNS – UMA LINDA MULHER BRASILEIRA

Nair Lúcia de Britto

Uma linda mulher brasileira é  Zilda Neumman Arns

Médica, pediatra, sanitarista, foi quem  fundou a Pastoral da Criança: um empreendimento  que salvou milhares de crianças da morte por desnutrição e desidratação não só no Brasil, mas em vários países ao redor do mundo.

“Amar a Deus sob todas as coisas significa inclusão social”, dizia. “Por que tantas guerras, por que tanta destruição? Tantas brigas? Aonde o mundo quer chegar? Querem se destruir uns aos outros?  Querem se matar? Quanto desperdício de dinheiro trazem essas guerras! Dinheiro que poderia acabar com a fome no mundo. Se, em vez de guerrear, os países mais ricos ajudassem os países mais pobres; como o mundo ficaria bem melhor!”. Desabafou Zilda numa entrevista com Paulo Markun, no programa “Roda Viva”, na TV Cultura e publicado em 6/10/2010.

“Amar a Deus significa não ter nenhum tipo de preconceito. É usar nossos talentos a favor de uma vida plena para aqueles que mais necessitam. Somar esforços para alcançar os objetivos. Servir com humildade e misericórdia sem perder a própria identidade. Creio que essa transformação social exige um investimento máximo de esforços para o desenvolvimento integral das crianças. Isso começa quando a criança ainda se encontra no ventre sagrado da mãe. As crianças quando são bem cuidadas são sementes de paz e esperança. Não existe ser humano mais justo, mais solidário e sem preconceitos do que a criança.’’

“As mães devem cuidar dos filhos  como os pássaros cuidam dos seus filhotes ao fazerem seus ninhos no alto das árvores e nas montanhas, longe dos predadores e dos perigos. Cuidar como um bem sagrado, promover o respeito aos seus direitos e protegê-los. “ Pensamentos de Zilda declamados por Marília Pera (rede Globo) 

“Ficou comprovado que crianças que vivem em lares conturbados, sofrem com a fome e a violência doméstica, tendem a se marginalizar e ir para o mundo do crime. Daí a importância da promoção da Cultura da Paz, através da fraternidade, do conhecimento e da solidariedade. Em muitas famílias o pai das crianças está ausente, a mãe sofre a sobrecarga da responsabilidade ou a repassa para os avós.”

“É preciso trazer esse pai de volta ao lar!”. Reeducar as pessoas sobre a noção do que seja uma família, cada membro com sua responsabilidade. Educar as mães para que saibam educar seus filhos. Se investirmos na educação das crianças, aproveitarmos seus talentos haverá mais progresso e menos violência. Para estudar, a criança precisa estar bem nutrida. Daí a necessidade de dar aos pais oportunidades de trabalho, salários justos e habilitar os professores. A Religião deve fazer parte das matérias de ensino, para dar aos alunos uma boa formação moral. Desde cedo os pais devem ensinar a criança a rezar com a família.”

“Se dermos um ensino de qualidade aos jovens e atividades saudáveis como música, dança, pintura, jogos etc… os jovens à noite estarão cansados e só vão querer dormir. E assim se evitará a gravidez precoce e os excessos da juventude. Em vez de gastar com defesa, que se gaste com prevenção através de uma Educação de qualidade para todos.” , ponderava a médica e benfeitora. 

Além da Pastoral da Criança, Zilda Arns fundou a Pastoral da Pessoa Idosa, através da qual dava assistência aos idosos, transmitia-lhes alegria, cultivava neles a autoestima e lhes mostrava cuidados com a saúde e seus direitos. Observava aos familiares dos idosos a importância de aprenderem com a experiência deles. Como acolhê-los com carinho e  valorizar  sua trajetória de vida.

Por fim, fundou a “Pastoral da Criança Internacional”, procurando levar a outros países o modelo do projeto que ela criou no Brasil. Todos seus projetos de trabalho tinham como característica marcante o Ecumenismo. Muitos líderes das Pastorais eram judeus, muçulmanos, evangélicos, protestantes, além dos católicos. Ela abraçava todas as crenças convergidas num único objetivo: o amor a Deus e ao próximo. Ou seja, a fraternidade, a solidariedade e o amor. “O amor faz milagres e só espalha o bem por onde quer que vá ou esteja.” Sobre política, Zilda dizia que para saber se um governo era bom, bastava avaliar se a desigualdade social estava diminuindo.

TRAJETÓRIA DE VIDA

Nascida na cidade de Forquilhinha, em Santa Catarina, no dia 25 de agosto de 1934, Zilda era descendente de um casal de alemães; pessoas simples, mas muito trabalhadoras. Foi a penúltima filha entre seus 13 irmãos. Alguns se tornaram religiosos (três freiras e dois padres). Todos foram criados numa Fazenda, onde não tinham empregados; cada um dos filhos tinha a sua responsabilidade nos afazeres da casa. Mas a Educação era a prioridade e, assim, com o dinheiro obtido com a venda de terras o pai de Zilda pagava uma Escola de qualidade para os filhos.

Todos estudavam em tempo integral. Levantavam cedinho para ir à Escola, voltavam para almoçar e, à tarde, retornavam à Escola para o reforço e práticas esportivas. De noite a família se reunia para cantar, tocar música e dançar. A hora de rezar era sagrada, todos se ajoelhavam e rezavam juntos. Através dos bons exemplos dos pais junto aos filhos é que se fortalece uma família e se começa o processo educativo.

Com apenas sete anos de idade e suas belas tranças douradas, Zilda já gostava de cuidar das crianças pequenas na varanda da Igreja enquanto os pais assistiam a missa. O pai de Zilda queria que ela fosse professora, mas ela queria ser médica. Foi o irmão, Evaristo Arns, quem ajudou a convencer o pai sobre a vocação de Zilda. Assim, ela ingressou na Universidade Federal do Paraná e se formou em 1959. Especializou-se em Pediatria, Saúde Pública e Sanitária.

Foi uma das poucas mulheres a se formar nessa área, em comparação aos homens que constituíam a maioria.  Começou a exercer a profissão  no Hospital Pediátrico, em Curitiba; mas bem antes disso já trabalhava com Saúde Pública, iniciando-se como voluntária. Costumava dizer  que as pessoas deviam estar sempre próximas de Deus, para  desenvolverem  seus dons mais facilmente e se habilitarem melhor para construírem um mundo de paz. 

Aos 21 anos de idade, já formada, Zilda casou-se com o administrador Aloysio Neumann com quem teve seis filhos: Marcelo, que ela perdeu com poucos dias de vida; Rubens (médico veterinário), Nelson (médico) Heloisa (Psicóloga); Rogério (administrador de empresas) e Silvia (que perdeu num acidente de carro). O impacto da perda do primeiro filho foi uma inspiração para que, mais tarde, Zilda fizesse um trabalho para evitar que outras mães não passassem o mesma dor que ela tinha sofrido. 

PASTORAL DA CRIANÇA

No início da década de 80,  Zilda já estava viúva quando seu irmão, Paulo Evaristo Arns, que  era o Bispo emérito de São Paulo, sugeriu-lhe realizar um projeto social que combatesse a mortalidade infantil no Brasil. Ao final daquele dia, Zilda rezou a noite toda para que Deus a iluminasse sobre tamanha responsabilidade. Foi assim que, em 1983, com  o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Zilda Arns fundou a  Pastoral da Criança na pequena cidade de Florestópolis, no Paraná, sob sua liderança e coordenação. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) designou e o Arcebispo Dom Geraldo Majella para auxiliá-la.

Um grupo de Voluntários, que foi crescendo gradativamente, também juntou-se a Zilda para realizar esse trabalho . Ela os habilitava a repassar conhecimentos relacionados à saúde  para as famílias pobres. Para facilitar o acesso junto a elas, os Voluntários residiam, respectivamente, nas próprias comunidades que necessitavam de ajuda.

Zilda relizava palestras, acompanhada de comitivas. Percorria os cantos mais remotos do Brasil (inclusive zonas rurais e indígenas). Até que seu trabalho alcançou 72% do território Nacional e se expandiu para vinte países da América Latina, Ásia e África. Ensinava às famílias noções básicas de saúde, higiene e educação. Orientava as mães como cuidarem dos seus filhos, a combaterem a desnutrição e a desidratação, através do soro caseiro e a multimistura, uma receita que ela desenvolveu, sob orientação de nutricionistas.

Incentivava o aleitamento materno, que proporcionaria à criança uma vida adulta mais saudável, e a vacinação dos bebês. Também orientava as mães a manter um bom relacionamento familiar e uma boa convivência com os vizinhos. Como evitar acidentes domésticos, a trabalhar a autoestima, cultivar sentimentos de dignidade e ações de cidadania. Repudiava o aborto, e estimulava as mulheres a usar métodos naturais como  contraceptivo.

O apoio do governo Federal (na época) foi fundamental, uma vez que a maior parte dos recursos financeiros vinham do Ministério da Saúde. A outra parte vinha através de doações de prefeituras, da iniciativa privada, de empresas e da população em geral. Seu altruísmo ganhou reconhecimento internacional, recebeu muitos prêmios e, por várias vezes, foi indicada para receber o prêmio Nobel da Paz. Mas para Zilda Arns o prêmio Nobel que a deixava feliz e vitoriosa era a cada ano socorrer cinco mil crianças e salvar suas vidas.

Zilda era uma pessoa simples e contra qualquer tipo de preconceito. Recebia a todos com igual carinho. Pessoas de qualquer religião, de todos os partido político, de qualquer raça ou classe social. Muitos dos Voluntários eram negros. “Os negros são bonitos, inteligentes, fortes e talentosos. Os brancos são negros desbotados!”, dizia com um sorriso. Nas aldeias indígenas que ela socorria, dançava alegremente com os índios. Eles a amavam e a chamavam carinhosamente de um termo indígena que queria dizer: “Um pássaro pequeno que voa alto e muito longe”. 

Certa vez visitou um reduto de prostitutas, numa cidadezinha do interior do Nordeste, e apiedou-se das condições de vida em que viviam. Conversou com elas, naturalmente, e sugeriu que tivessem outro tipo de atividade, como o trabalho artesanal, por exemplo. E o resultado da conversa foi positivo. Inclusive duas delas também se tornaram Voluntárias.

Para salvar crianças desnutridas no Brasil, Zilda Arns inspirou-se no milagre de Jesus, que multiplicou  dois peixes e cinco pães para saciar a fome de cinco mil pessoas. O Papa Francisco comentou: “É o que está acontecendo na Pastoral da Criança, onde a solidariedade humana, os conhecimentos sobre a saúde, a nutrição, a educação e a cidadania se multiplicaram em rede a comunidades organizadas.” Apesar das injustiças e dos sofrimentos, a vitória do Senhor é certa!”

DESPEDIDA NO HAITI

Zilda Arns tinha 75 anos quando Deus a levou. Foi no dia em que um terremoto devastou o Haiti, em 12 de janeiro de 2010. Ela estava na cidade de Porto Príncipe para uma conferência religiosa. O país era considerado o mais pobre das Américas e ela planejava implantar as ações da Pastoral da Criança para dirimir os problemas locais. Ao encerramento da palestra, o chão começou a tremer. Zilda assustou-se e deu um passo para trás. Neste instante o teto da Igreja desabou sobre ela e outros religiosos, vitimando-os implacavelmente. Entre os destroços, só uma estátua de Jesus pregado na cruz permaneceu de pé.

DOM ALDO PAGOTTO INICIOU O PROCESSO DE BEATIFICAÇÃO

A ideia surgiu diante da comoção geral que a tragédia, que levou Zilda Arns, provocou. Não havia uma só pessoa que não lastimasse perda tão preciosa.  “Era uma santa!”, diziam todos. Essa frase soou tantas vezes ao ouvido de Nelson Arns Neumann, filho de Zilda, que ele chegou à conclusão de que o que o povo clamava era uma grande verdade. Sua mãe realmente  merecia o título de Santa.

Então, Dom Aldo di Cillo Pagotto, que era o arcebispo da Paraíba e Presidente da Pastoral da Criança, sugeriu a Nelson Arns que fosse realizada outra missa na data em que Zilda Arns completaria 80 anos de vida. Recomendou a coleta de todas as assinaturas com o pedido de beatificação e as entregasse diretamente a ele, para que o Bispo encaminhasse a moção ao Vaticano. Uma missa de um ano, em homenagem a ela, já havia sido presidida por Dom Aldo, no Santuário Nossa Senhora de Guadalupe, em Curitiba (PR), assistida por todos que a admiravam. Ele relembrou o início da Pastoral:  “Começou pequenina e hoje está em quase 4 mil municípios e 21 países.”.   

A ENTREGA OFICIAL DA MOÇÃO

A celebração eucarística da entrega oficial da moção, contendo mais de 130 mil assinaturas, para a  beatificação da fundadora da Pastoral da Criança, foi realizada na Arena da Baixada, em Curitiba (espaço cedido pelo Atlético). Posteriormente, a moção seria levada ao Vaticano. O evento foi um sucesso, com o Padre Reginaldo Manzotti cantando junto com o público suas canções. O entusiasmo dele contagiava a plateia.

Chegavam caravanas de todas as partes; algumas tinham viajado até 14 horas. No total, foram cerca de 40 mil pessoas de todos os estados brasileiros que compareceram à celebração conduzida pelo presidente da CNBB, Cardeal Raymundo Damasceno.  Também estiveram presentes  20 bispos de municípios brasileiros; além de autoridades municipais e estaduais. Cheio de entusiasmo, o padre Manzotti cantou para abrilhantar ainda mais a comemoração.

“O trabalho da minha mãe foi marcado pelo altruísmo e permanece até hoje. As pessoas que integram a Pastoral buscam melhorar sua atuação junto às crianças e à Sociedade. Não pedem nada para si, mas pelos outros. O apoio à beatificação de uma pessoa que não era uma Religiosa também chama a atenção para o fato de que todos os cristãos são chamados à santidade; e não apenas aqueles que seguem vocação religiosa”, falou Nelson Arns.

Dom Aldo Pagotto ressaltou que a beatificação de Zilda Arns, pela Igreja Católica, seria o  reconhecimento do trabalho da médica, líder e benemérita. Representaria a valorização do enorme legado deixado por ela. “Foi agregadora dos valores de defesa e promoção da vida de crianças e idosos. Seu trabalho tem um caráter sagrado, mas também político”,  disse ele.

A OPINIÃO DA PRÓPRIA ZILDA

Numa das inúmeras entrevistas que Zilda Arns deu sobre seu trabalho, o repórter lhe perguntou se ela cogitava sobre a possibilidade de algum dia se tornar santa. Ela riu e disse: “Santa, eu? Falta muito para que eu chegar a ser santa. Eu só procuro fazer o dever de um cristão, que é fazer o que Jesus quer de nós: amar o próximo e praticar a caridade. Sinto que Jesus está sempre do meu lado em tudo que eu faço. E como diz Dom Geraldo Majella: “Se a obra é de Deus, vai dar tudo certo!”

INTUIÇÃO

          Foi uma forte intuição que me levou a escrever este texto sobre Zilda Arns. Tão intensa quanto aquela, ao escrever os textos sobre Dom Aldo Pagotto. Ambos defenderam a UNIDADE e o respeito às diferenças. Ambos defendiam a VIDA; combatiam o PECADO, mas acolhiam os  pecadores. Queriam que nenhuma religião falasse mal das outras. “Que coisa feia”, dizia Dom Aldo. Mas sim que todos se unissem  como irmãos, filhos de um mesmo Pai.

Zilda Arns saiu do conforto da sua casa para socorrer os pobres nos lugares mais inóspitos. Dom Aldo, ainda bem jovem, saía de madrugada para socorrer viciados. Colaborou com as Pastorais, incentivou o trabalho voluntário.  Não se limitou a ficar só na Igreja, como  num “clube de salvos”. Empenhou-se junto ao combate da seca no Nordeste. Junto aos políticos, clamava por Escolas e  oportunidades de trabalho para todos. “Quer maior valor que a família?”. Defendeu a integração das famílias: escreveu um Livro, reconciliava casais. Nas eleições atualizava a Cartilha que criou, com esmero admirável, para os eleitores votarem em candidatos honestos e capacitados (disponível na P@rtes).

“A nossa querida Zilda continua viva em nossos corações pelo exemplo de mulher sempre preocupada com os mais desassistidos nos grandes bolsões de pobreza do nosso Brasil e outros países. O bem-estar das nossas crianças foi a preocupação que regeu a vida dessa batalhadora. Preocupou-se também com o outro extremo da nossa vida terrestre: as pessoas idosas”, escreveu Dom Aldo em Nota Oficial da Arquidiocese da Paraíba, antes de celebrar a missa de um ano, após a passagem de Zilda.

A principal virtude de um santo é a humildade. Por isso Zilda Arns não se considerava uma santa. Mas tudo que ela fez pelo Brasil foi um verdadeiro milagre!

                                       Santa Zilda, rogai por nós!

O QUE É AMAR?

“Amar é acolher, é compreender, é fazer o outro crescer. “E não se enganem! Uma gotinha no oceano faz, sim, muita diferença!”

                                                         (Zilda Arns)

PROTEGER A CRIANÇA DESDE SUA CONCEPÇÃO

“Uma vez concebido um ser humano, e é por inteiro, ele vai apenas desenvolver, ele tem uma vida autônoma. A mulher não tem o direito de tirar essa vida, estando com uma pessoa em seu ventre, essa vida é sagrada. A criança sim tem o direito de ser bem tratada com uma gestação propícia ao nascimento. Essa é sempre a nossa posição, então, em vez de apelar para o aborto, apelamos para formas legítimas de cuidado com uma série de atitudes que favoreçam a vida desde a sua concepção.”

                                                 (Dom Aldo Pagotto)

POEMA DECLAMADO POR ZILDA ARNS

Tinha um caminho no meio de uma pedra

Desviei e segui embriagada por vinhos escuros,

Vinhos tintos da lucidez

E da rocha se fez o verbo

A palavra que justifica o ato,

A vida

E o verbo se fez pão

Multiplicai-vos

És teu desafio

Multiplicai-vos

És tua missão

É cara, meu caro, custa

Então vai, vai pelo sombreado

De teus vultos

Concede-te o direito à escolha

De teus pulsares erguerás digno

De teus agires verterás o rio

O rio em vinho

E beberás o sim da tua colheita

O sim do teu destino      

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