Crônicas Em questão Margarete Hülsendeger Reflexão

QUAL É O LIMITE?

[…] quase tudo que é sério é difícil, e tudo é sério.

Rainer Maria Rilke

Margarete Hülsendeger

A linha entre o certo e o errado nunca esteve tão tênue como agora. O ético e o antiético muitas vezes se confundem de tal maneira que fica difícil precisar quando começa um e quando termina o outro. Contudo, quem não se deixa iludir por discursos demagógicos sabe que basta ter um pouco de espírito crítico para identificar, claramente, os limites entre a mentira e a verdade.

Admirar um autor e sua obra, por exemplo, não nos autoriza a copiá-lo ou reproduzi-lo sem o seu consentimento ou a devida identificação. Por isso, recorrer à internet para copiar e depois colar é uma atitude que não pode ser aceita e muito menos encorajada. No entanto, pesquisas apontam que esse comportamento tem-se tornado cada vez mais comum entre adolescentes e jovens adultos. Um dos motivos, segundo esses estudos, é a facilidade com que a internet oferece informações (nem sempre corretas) apenas digitando poucas palavras na ferramenta de busca. Essa prática se tornou tão frequente que um número expressivo de estudantes prefere recorrer ao Google a produzir seus próprios textos. É mais fácil ler, na maioria das vezes superficialmente, um artigo na internet e depois copiá-lo, do que colocar suas ideias no papel para serem avaliadas. Em razão disso, países como o Reino Unido observam um aumento expressivo no número de escolas que passaram a utilizar softwares para detectar plágios. No Brasil, até o momento, essas ferramentas estão restritas a universidades e revistas acadêmicas.

O mais estranho é que muitos pais, e até mesmo alguns educadores, não veem problema nessa conduta, pois defendem a ideia de que a criança e o jovem, ao fazerem uso da “cola”, também estão aprendendo. Essa prática poderia ser válida numa época na qual ao se copiar dos livros estava-se obrigatoriamente lendo. O problema é que agora até mesmo a leitura mais superficial não é feita. O aluno identifica o assunto, lê a primeira linha e depois, marcando todo o texto, cola direto no papel que irá entregar ao professor. Não são raros os casos nos quais o estudante sequer formata o trabalho, entregando-o do mesmo jeito que o encontrou na internet.

Por outro lado, seria ingenuidade acreditar que o plágio é uma invenção dos tempos modernos. Na verdade, ele sempre existiu. Até mesmo escritores como Saramago e Shakespeare já foram acusados de plágio. Contudo, o que se discute é a escala na qual isso vem ocorrendo. As pessoas não se limitam a somente copiar, elas também estão preferindo pagar para receber seus trabalhos prontos. Existem estudos indicando que, na Europa, um percentual significativo de estudantes universitários prefere pagar para não ter de se envolver em atividades cansativas como escrever um artigo ou trabalho de conclusão. Para esses alunos, o pagamento não só os libera desses compromissos, como permite que eles consigam uma boa avaliação.

A preguiça e a incompetência em dar forma às suas próprias ideias tornaram-se a tônica desses novos tempos nos quais as tecnologias modernas vêm ditando padrões de comportamento. No entanto, seria simplista apontar a internet como a vilã de tudo o que está acontecendo nas escolas e nas universidades. Na realidade, ela é somente um instrumento nas mãos de indivíduos que se contentam em ser muito menos do que poderiam ser. Do mesmo modo, falar em crise de valores morais e éticos também seria cair no lugar do comum, pois, como já disse, o plágio não é uma descoberta do século XXI. Então, o que fazer? Como orientar crianças e jovens para serem responsáveis por aquilo que dizem ou escrevem? Não há uma resposta simples para essa pergunta, já que estamos tratando de comportamento humano. Existem, porém, alguns princípios básicos que podem ser reforçados por pais e educadores. O primeiro é deixar claro que se apropriar do que não nos pertence é – e sempre será – uma ação condenável, um crime. O segundo é enfatizar que quem apela para esse tipo de recurso, além de não respeitar o trabalho alheio, demonstra incapacidade de compor algo próprio. E a terceira, mas não necessariamente a última, é frisar que ao não conceber nada que tenha a “sua marca” estará transmitindo a imagem de uma pessoa medíocre e sem ética.

O respeito ao trabalho do outro é um daqueles ensinamentos essenciais que devem ser incutidos na mente consciente e inconsciente do indivíduo desde a infância. Não se pode dizer a um adolescente que a “cola” é uma forma de estudo ou que o importante é entregar o trabalho – não interessa se ele é o resultado de um “copiar-colar” – pois o professor não vai perceber a diferença. Apossar-se do que não é nosso – e isso inclui o que se chama de conteúdo intelectual – é um delito grave e, portanto, não pode ser desculpado ou tolerado. Quem olha para o lado enquanto seu filho, ou filha, “cola” está compactuando com uma forma de fraude que, com o tempo, poderá se tornar algo bem mais sério do que simplesmente copiar um texto da internet. Os limites são importantes e precisam ser constantemente lembrados sob pena de esquecermos a diferença entre a verdade e a mentira, o certo e o errado, o justo e o injusto.

Margarete Hülsendeger – Possui graduação em Licenciatura Plena em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Mestrado em Educação em Ciências e Matemática pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2002-2004), Mestrado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014-2015) e Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2016-2020). Foi professora titular na disciplina de Física em escolas de ensino particular. É escritora, com textos publicados em revistas e sites literários, capítulos de livros, publicando, em 2011, pela EDIPUCRS, obra intitulada “E Todavia se Move” e, pela mesma editora, em 2014, a obra “Um diálogo improvável: homens e mulheres que fizeram história”.

Deixe um comentário