Margarete Hülsendeger
Os regimes populares exigem que esqueçamos, e, portanto, classificam os livros como luxos supérfluos; os regimes totalitários exigem que não pensemos, e, portanto, proíbem, ameaçam e censuram.
Alberto Manguel
No fim da década de 1970 houve uma série de estudos cujo objetivo era investigar a cognição animal. Foi no âmbito desses estudos que surgiu o termo “Teoria da Mente”. Desde essa época, a expressão passou a se referir às pesquisas sobre a habilidade humana de perceber os pensamentos e emoções de outras pessoas. Ou seja, a capacidade do ser humano de colocar-se no lugar no outro.
Apesar de ainda ser uma teoria, na medida em que a mente não é diretamente observável, muitas pesquisas vêm tentando explicar os processos mentais que desencadeiam, por exemplo, a empatia ou a falta dela. Um exemplo é o trabalho desenvolvido pelo Instituto de Neurociência Cognitiva da University College de Londres, onde pesquisadores procuram compreender o autismo do ponto de vista psicológico, já que sua principal anomalia é a incapacidade de construir elaborações sobre a mente alheia.
Outro estudo, tendo como base a Teoria da Mente, tem como hipótese a ideia de que a literatura pode contribuir para melhorar os relacionamentos interpessoais. Essa pesquisa constatou, no entanto, que não era qualquer tipo de literatura que provocava esse efeito. Segundo os cientistas, a chamada “literatura de entretenimento” não seria a responsável pelo aprimoramento das habilidades sociais, mas, sim, a ficção considerada “séria”, como obras finalistas ou ganhadoras de prêmios literários. Para Emanuele Castano e David Kidd, do Departamento de Psicologia da New School for Social Research, em Nova York, isso ocorre porque as obras literárias “mais complexas” não se centram apenas nos enredos, mas se aprofundam nos perfis psicológicos dos personagens, forçando o leitor a preencher espaços vazios, interpretar intenções e até mesmo tornar-se coautor da história. O exercício dessas habilidades desencadeia processos mentais mais intricados que treinam a capacidade de teorização do cérebro. Como resultado, a leitura torna-se uma experiência poderosa que pode, de acordo com a pesquisa americana, aprimorar a aptidão de um indivíduo em compreender o comportamento de seu semelhante.
O escritor argentino Ricardo Piglia (1941-2017) dizia que não existe nada mais real e ilusório do que o ato de ler. Um paradoxo que caracteriza o efeito da literatura sobre aquele que lê. Logo, é o leitor que decide os limites entre o real e o imaginário, estabelecendo as conexões que tornarão a leitura mais ou menos satisfatória. Esse é um dos motivos da “ficção séria” ter obtido melhores resultados no quesito “reflexão sobre o outro”. Quando tudo já foi dito e nada é deixado para a imaginação, o cérebro não recebe os estímulos necessários e a mente permanece em uma espécie de letargia, dificultando o surgimento de novos nexos (sinapses) e a elaboração de emoções mais complexas. Portanto, são os paradoxos criados pela boa literatura que servem de alimento à mente, tornando-a mais sensível na percepção dos sentimentos alheios.
Contudo, é preciso reconhecer que a “ficção popular” (os best sellers) também tem um papel importante nesse contexto mais amplo chamado literatura. Acredito que, apesar de não favorecer o desenvolvimento da empatia (hipótese do estudo americano), ela pode se tornar o estímulo necessário para quem ainda não adquiriu o hábito da leitura. Depois, quando o costume se instalar, o verdadeiro leitor estará pronto para voos mais ousados. O escapismo oferecido por esse tipo de literatura não será mais suficiente e o leitor se sentirá compelido a sair da sua zona de conforto transformando-se, quem sabe, em protagonista das histórias que também ajudará a construir.
De qualquer forma, é muito bom saber que pesquisas sérias sobre os benefícios da literatura sobre a mente humana estão sendo realizadas. Sou uma defensora da leitura como forma de desenvolver a consciência de si mesmo, assim como de entender o que o outro pensa e sente. Creio que se essas habilidades fossem melhor exploradas – pela literatura ou qualquer outra área do conhecimento –, teríamos maiores chances de construir uma sociedade mais crítica, solidária e compassiva. Não é por acaso que governos autoritários restringem a leitura a obras e autores aprovados pelos censores, isso quando não as proíbem. Como bem disse o escritor argentino Alberto Manguel, regimes tirânicos vivem a ilusão de que, ao queimarem livros, “podem cancelar a história e abolir o passado”. Não deixemos que isso aconteça.