*Por Wanessa Moriyama
Há alguns anos, li um artigo no jornal americano The New York Times, intitulado ‘Para Siri, Com Amor’, sobre o relato de uma mãe acerca da relação de Gus, seu filho autista, de 13 anos, com a assistente pessoal eletrônica da Apple. Judith Newman, jornalista por formação, explicava que, ao direcionar à inteligência artificial as diversas perguntas que seu filho lançava sobre temas corriqueiros como trens, aviões, ônibus, escadas rolantes e, sobretudo, o clima da cidade em que moravam, ela se culpava e questionava sobre “quão ruim” poderia ser considerada como mãe, já que “terceirizava” algumas etapas de interação com uma criança dentro do espectro do autismo.
Pouco tempo depois, Judith percebeu que – ao contrário do que imaginava – a interação com a pequena caixa tecnológica não a fazia “menos mãe” e ainda ajudava a melhorar a percepção de Gus sobre as relações interpessoais com seres humanos. As respostas sempre diretas e sucintas de Siri, acompanhadas de uma educação e polidez incondicional, mesmo quando não havia tal reciprocidade de seu interlocutor humano, fez com que Gus entendesse a importância da comunicação para se viver em sociedade, mesmo que ele ainda não estivesse completamente consciente de que tem aprendido tal lição. No seu bonito relato ao Times, Judith dizia que “em um mundo em que o senso comum é de que ‘a tecnologia nos isola’, vale a pena considerar o outro lado da história”.
E aqui faço uma consideração importante: a recorrente crítica, direcionada em sua grande maioria para smartphones, que atrapalhavam reuniões familiares e happy hours antes da pandemia, não deve considerar que essa mesma ferramenta ajuda um cansado pai viajante a ver o rosto de sua filha de três anos por 15 minutos, durante uma viagem a negócios? Será que, assim como Judith, não temos focalizado um ponto de vista “equivocado” nesta história toda de terceirização e isolamento humano?
Minha resposta é afirmativa, e a pandemia não me deixa mentir. Como estaríamos hoje (um ano após o início da dramática crise de saúde que nos atingiu em todos os níveis possíveis e impossíveis) sem as reuniões online, os relatórios enviados por e-mail, os serviços de e-commerce ou aquela ligação por vídeo para nossos pais idosos, enclausurados em suas casas, com medo de um vírus invisível?
Acredito que essa deve ser a atitude ao encararmos a inclusão das tecnologias em nossas relações interpessoais e profissionais. Não é, de forma alguma, uma substituição da mão de obra humana, tampouco das relações emocionais e sociais entre pessoas, tão importantes em momentos como os que temos vivido.
As facilidades geradas por ferramentas tecnológicas são infindáveis e, se usadas de forma consciente, podem trazer um grande número de vantagens para o lado de dentro das portas de nossas casas e escritórios. Aposto que Gus, e sua inspiradora mãe Judith, concordam comigo.
*Wanessa Moriyama é supervisora da equipe do NOC (Network Operation Center), que integra a área de Data Center e Administração de Redes do Instituto das Cidades Inteligentes (ICI).