*Pedro Lino
Já faz um ano que a maior parte das crianças e jovens brasileiros precisou alterar completamente sua rotina de estudo para o ensino remoto. Depois de tanto tempo e de tantas experiências, há quem acredite que o país está preparado para encarar uma proposta que vem ganhando força junto a alguns setores da sociedade, o homeschooling. Nos últimos dias, um projeto que estava parado na Câmara dos Deputados desde dezembro de 2019 voltou a avançar na casa. Embora a vivência do ensino remoto seja uma realidade, é preciso cuidado para não confundi-la com a vivência real do homeschooling, modelo de ensino que ainda não é legalizado no Brasil e nem se assemelha ao que está sendo adotado devido à pandemia de Covid-19.
Ao longo do ano letivo de 2020, os estudantes brasileiros precisaram se manter longe das salas de aula como medida de redução da contaminação pelo novo coronavírus. No ensino remoto, as crianças recebem orientações, direcionamentos e atividades por meio de uma instituição de ensino. As realidades são muito diversas e, enquanto há estudantes que conseguiram acompanhar de forma satisfatória os conteúdos propostos, outros sequer têm a estrutura básica necessária para assistir às aulas ou realizar as atividades. Dificuldades no acesso à internet, falta de um ambiente adequado para fazer as tarefas e avaliações, acesso restrito até mesmo a uma alimentação saudável e de qualidade são, infelizmente, questões cotidianas para muitos jovens em todas as regiões do país.
A escola precisou se esforçar para manter essas crianças matriculadas e frequentando as aulas, ainda que on-line. Isso foi possível ora por meio de aulas síncronas, ora com vídeos – e com muito trabalho extra de professores e equipes pedagógicas que, muitas vezes, foram até a casa de muitos de seus alunos para entregar materiais, solucionar dúvidas, prestar apoio pedagógico e emocional. Mas a realidade do Brasil apresenta dificuldades nessa condução. Nosso país é continental e a pobreza tem se aprofundado durante a pandemia. Um enorme número de famílias depende de ajuda governamental para situações básicas de subsistência. Por mais que a escola trabalhe para minimizar os danos, muitas crianças foram prejudicadas por não terem condições mínimas de aprendizagem.
Mesmo sem formação adequada, tecnologias ou metodologias, as escolas tiveram que se reinventar e têm cumprido seu papel da melhor forma possível nesse novo contexto. No entanto, não se pode assegurar que o modelo atual funcione para todos e que garanta aprendizagem. E, se o modelo não é o ideal, também está longe de ser um simulacro do que seria o homeschooling.
Essa modalidade de ensino se dá quando a família opta por fazer os estudos dos filhos inteiramente em casa. Para isso pode-se ou não contratar um professor particular, mas uma característica é certa: no homeschooling, não há, em nenhum nível, contato ou orientação de uma instituição de ensino. A realidade imposta pela pandemia de Covid-19 é muito diferente da que nossos estudantes conheciam até 2020, mas não serve como parâmetro para que seja comparada com o exercício do ensino pelos próprios pais ou por professores desvinculados de unidades de ensino tradicionais.
É justo reconhecer que, ao longo do último ano, o papel dos pais, responsáveis e familiares no processo de ensino e aprendizagem foi ampliado pelas circunstâncias. Principalmente no caso das crianças mais novas, esses familiares precisaram atuar como mediadoras dos conteúdos. A maior parte deles, entretanto, não foi preparada para desempenhar essa função. Além disso, todo o conteúdo vem sendo preparado e organizado de forma didática pelas escolas.
Debater a possibilidade da adoção do homeschooling é uma prerrogativa das instâncias legislativas brasileiras, mas não se pode tomar como base argumentativa para isso uma experiência de ensino remoto que vem sendo improvisada para reduzir prejuízos, às custas de muito esforço por parte das equipes escolares. Os seres humanos são seres sociais e precisam da interação para que as competências socioemocionais se consolidem. Para além dos conteúdos e do conhecimento acadêmico, espera-se que a escola seja um espaço de convívio, inclusão social e respeito à diversidade.
*Pedro Lino é supervisor pedagógico da área pública do Sistema de Ensino Aprende Brasil.