A redoma limitante que cercava a vida das mulheres tem se enfraquecido. A busca pela ocupação de novos espaços é uma demanda do século XXI e, aparentemente, há muito por vir.
Por Petlyn Dara Lima*
Em uma breve análise do passado, é perceptível a falta de protagonismo feminino, sendo esse reconhecido como o Segundo Sexo ou o Outro, por Simone de Beauvoir. Em sua obra, de mesmo título, ela observa “sim, as mulheres, em seu conjunto, são hoje inferiores aos homens, isto é, sua situação oferece-lhes possibilidades menores: o problema consiste em saber se esse estado de coisas deve se perpetuar”. Até o século XIX as mulheres não eram donas de seu futuro, não possuíam o direito ao voto, ao estudo e sua visão de futuro era delimitada aos afazeres da casa, não desfrutando de assuntos que envolvessem política e economia – o que ainda se mantém parte da realidade atual de muitas mulheres, principalmente das que vivem sob regimes ditatoriais e, principalmente, teocráticos. A necessidade de mão de obra feminina nas fábricas surgiu a partir da Revolução Industrial, o que ocasionou um movimento que reivindicava os mesmos direitos que os homens já tinham. Contudo, a luta por espaço, principalmente no mercado de trabalho, continua.
Em 1909, foi fundado na Inglaterra, o Movimento Bandeirante, um clamor das irmãs dos escoteiros, que gostariam de participar das atividades promovidas pelo grupo – que na época era permitida apenas a participação masculina. Atualmente, a Associação Mundial de Bandeirantes (WAGGGS) é reconhecida pela ONU como uma das maiores organizações internacionais de educação não formal. O movimento cria e desenvolve programas inovadores, com propósito de trabalhar na formação de valores, desenvolvimento de liderança e ação comunitária, assim, empoderando crianças e jovens para construir um futuro melhor. A coordenadora de grupos do Movimento Bandeirante de Florianópolis, Isabella Caldas, contou como o movimento introduz crianças e adolescentes às pautas feministas sem as crenças limitantes relacionadas ao gênero, “o Movimento Bandeirante mundialmente já tem mais de 100 anos então ao longo do tempo a sua estrutura foi se modificando e se adaptando para a realidade da criança ou do jovem. Antigamente a mulher era estimulada, por exemplo, a aprender tarefas de limpeza doméstica ou a cozinhar. Já hoje em dia, as jovens bandeirantes são ensinadas a viver na natureza, montar o seu próprio projeto, ajudar a sua comunidade do jeito que ela quiser.”
Ainda de acordo com Isabella, as crianças não nascem conformadas aos valores e crenças sociais vigentes, mas são ensinadas a se adequar ao que já existe. Justamente por isso, ela defende a possibilidade de intervir na formação das pessoas, ainda na infância, para apresentar outras maneiras de ver o mundo. “Através de projetos lúdicos com métodos eficazes é possível abordar assuntos de extrema importância como o feminismo e a igualdade de gênero, por isso, trabalhamos com muitos projetos voltados para igualdade de gênero e para poder justamente empoderar e dar voz para as meninas. Mas, também é nosso objetivo fazer com que os meninos compreendam o porquê eles precisam ceder esse espaço, que já é majoritariamente ocupado por eles”.
Isabella, que participou do movimento durante a infância e adolescência, compartilha sua experiência, “eu me uso como exemplo para isso porque eu sempre fui uma criança decidida e que sabia lidar com a pressão. Dentro do bandeirante eu ganhei voz e isso me fez uma líder nata, inclusive a liderança feminina é o tópico principal de vários eventos e projetos que eu participo”.
Política e ciência são duas das principais áreas com baixíssima atuação feminina – reconhecida. A falta da voz de mulheres ao longo da história impacta até hoje nesse cenário de baixa representatividade feminina nos cargos de tomadas de decisões (tanto públicas, quanto privadas). A falta de credibilidade e reconhecimento de mulheres que foram responsáveis por descobertas essenciais ao mundo contemporâneo, como Ada Byron que desenvolveu o primeiro algoritmo para computador, é um forte sinal da desigualdade vivida.
O Inter-Parliamentary Union (organização internacional dos parlamentos dos Estados soberanos, cujo objetivo é mediar os contatos multilaterais dos parlamentares) aponta o Brasil como o terceiro país com a menor taxa de parlamentares mulheres da América Latina, apresentando aproximadamente 10 pontos percentuais a menos que a média global.
No Brasil, a ONU Mulheres atua com inúmeros programas voltados a promover a participação política de mulheres, pensando na inclusão de mulheres negras, indígenas, ciganas, rurais e LGBTQI+. Um deles é o programa Jovens Mulheres Líderes: Programa de Fortalecimento em Questões de Gênero e Juventude que tem como objetivo promover conversas e unir militâncias, trazendo a perspectiva de contexto de cada mulher para uma luta conjunta por um futuro mais igualitário. Um olhar otimista aparece quando o nome de Jacinda Arden entra em pauta. A primeira-ministra da Nova Zelândia mantém uma carreira forte e promissora, mantendo-se popular e inspiradora para jovens ao redor do mundo. Durante a crise devido ao Covid-19, foi a chefe de estado mais elogiada em medidas contra o vírus, ao lado de Katrín Jakobsdóttir, Kersti Kaljulaid e de Tsai Ing-wen. As quatro lideram países que se apresentam entre os dez países com melhor desempenho (em termos de testes e mortalidade). Porém, do outro lado do espectro está presente Marielle Franco, mulher negra, periférica, LGBTQI+, ativista e a quinta vereadora mais votada no Rio de Janeiro nas eleições de 2016. Seus atos políticos acabaram provocando sua morte, eliminando a voz política de milhares de mulheres que depositaram sua fé no trabalho de Marielle e afastando jovens que sonhavam com um futuro político mais inclusivo. Apesar de mais portas se abrirem, o trajeto até a igualdade permanece distante.
Na ciência, a história se desenvolve com certa semelhança. Apesar do pouco incentivo, e até a proibição, existe uma participação ativa e essencial de mulheres na ciência. Desde Hipátia de Alexandria – assassinada quando seus estudos de física, astronomia e filosofia foram descobertos – até a cientista brasileira Celina Turchi, presente na lista da revista Nature como uma das cem personalidades mais importantes da ciência.
Ao longo dos anos, o Segundo Sexo pôde notar uma maior variedade de perspectivas de futuro, que não se limitassem aos afazeres da casa, a menos que estes fossem o desejado. Com o apoio de organizações, como o Movimento Bandeirante, muitas jovens já crescem sem as crenças limitantes relacionadas ao gênero, mas ainda reconhecem os moldes que as cercam.
* Estudante de Jornalismo da Universidade de Sorocaba.