MARCELO DA SILVA FABRES*
RESUMO:
Neste texto, lançamos um olhar reflexivo sobre a “Espiral do silêncio” e os pleitos eleitorais na contemporaneidade, e de que maneira a comunicação pela internet e o fácil acesso a esta modificou a forma de percepção do “clima de opinião” trazendo consigo uma nova perspectiva sobre o comportamento do eleitorado e sua forma de se expressar diante do tecido social.
Palavras-chave: Espiral do Silêncio, Opinião, Mídia, Eleições.
ABSTRACT:
In this text, we take a reflective look at the “Spiral of silence” and the electoral elections in contemporary times, and how communication via the internet and easy access to it has changed the way of perceiving the “climate of opinion” bringing with it a new perspective on the behavior of the electorate and their way of expressing themselves in the social fabric.
Keywords: Spiral of Silence, Opinion, Media, Elections.
INTRODUÇÃO
No presente artigo apresentamos o conceito de “espiral de silêncio” (NEUMANN, 2017) e ponderaremos de quais formas esse fenômeno afeta ou pode afetar a opinião pública no Brasil.
Em um primeiro momento trouxemos uma breve explicação do conceito de espiral do silêncio e de clima de opinião.
No segundo subtítulo pontuamos sobre o perigo real que confronta o indivíduo que vai de encontro ao clima de opinião.
No terceiro subtítulo estabelecemos uma relação entre a ideia já mencionada e os pleitos eleitorais brasileiros e estadunidenses.
Por fim, concluímos que a internet trouxe uma nova roupagem para a teoria da espiral do silêncio e para a percepção do clima de opinião.
ESPIRAL DO SILÊNCIO E CLIMA DE OPINIÃO: CONCEITOS E CONSIDERAÇÕES
O conceito de “espiral do silêncio” formado em 1977 pela alemã Elisabeth Noelle-Neumann no livro “A ESPIRAL DO SILÊNCIO- OPINIÃO PÚBLICA: NOSSO TECIDO SOCIAL” nos remete ao comportamento exercido pela sociedade na tomada de decisões na política e no cotidiano, tendo como premissas conceituais a inibição e o medo do isolamento que o indivíduo possui na convivência em sociedade. Neumann exemplificando sobre como funciona essa inibição relembra um certo momento de agitação nos anos 70
A hipótese me lembrou da agitação estudantil do final da década de 1960 e início dos anos 1970, provavelmente devido a uma estudante em particular, que certo dia encontrei na entrada da sala de conferência. Percebi que ela levava um botton democrata cristão na jaqueta. “Não sabia que era partidária dos democratas cristãos”, disse a ela. Ao que ela explicou: “Não sou. Estou usando este botton para ver o que acontece”. Voltei a vê-la ao meio dia. Já não estava com o botton e eu a questionei o porquê de ter tirado. Ela respondeu:”Foi horrível! Retirei-o” (NEUMANN, 2017, p.21)
Tal acontecimento trouxe a autora o questionamento sobre os gatilhos motivadores da mudez opinativa ou da mentira proposital geradora de um “clima de opinião” que obscurece o verdadeiro juízo público, distorce a percepção da realidade dos grupos, indivíduos e sociedades, conforme explica Elisabeth
Parece que o medo do isolamento é a força ativadora da espiral do silêncio. Seguir a multidão constitui um estado de relativa felicidade. Mas se esta opção não é possível, quando não se quer compartilhar em público uma convicção aceita aparentemente de modo universal, ao menos é possível permanecer em silêncio, uma segunda opção para continuar sendo tolerado pelos demais. (NEUMANN, 2017, p.23)
Para um melhor parecer, precisamos nos ocupar do contexto da criação da expressão “Clima de Opinião”, vivenciado pela autora em uma época de pleitos políticos acirrados e de uma grande divisão opinativa. Neste meio, presenciou mudanças bruscas do eleitorado na fase final das eleições, relatando
Em julho de 1965, os democratas cristãos estavam muito à frente e, em agosto, a expectativa de sua vitória alcançava quase 50%. Era como se a intenção de voto do eleitorado e a opinião desse eleitorado sobre qual partido estaria em vantagem estivessem em planetas distintos. Por fim, todos pegaram carona na alternativa vencedora. Como se estivessem presos a uma corrente, de 3% a 4% dos votantes foram arrastados para o partido que, segundo a expectativa geral, sairia vencedor. (NEUMANN, 2017, p.19)
Devemos pontuar que a percepção do “clima de opinião” advém geralmente de uma ideia superestimada ou subestimada, embora, os integrantes do tecido social, até certo limite, possam entender o minoritário e o majoritário, para evitar um viés confirmatório devemos compreender que a influência do que não é percebido por um observador comum pode ser relevante para a tomada de decisões, pois, o clima referido, embora impulsione alguns indivíduos a manifestações mais ou menos ostensivas, também é dissuasório para outros, estes que permanecem em silêncio ou usam de fabulações para que mantenham-se encaixados no próprio meio social.
Há uma probabilidade do grupo silencioso, até então inerte e indisposto a compartilhar sua verdadeira opinião em pesquisas, provoque uma mudança real de última hora, trazendo à tona a verdadeira opinião majoritária e consequentemente uma mudança brusca no “clima de opinião”, tal fato é amplamente visível nos pleitos eleitorais, em que a pesquisa feita não corresponde com a da decisão final dos eleitores.
CONTRARIEDADE AO CLIMA DE OPINIÃO: DE PERIGOS REAIS PARA DECISÕES ERRADAS
A contrariedade ao “clima de opinião”, embora, geralmente inofensivo para aquele que contraria, é, muitas vezes, na prática um fator que expõe o indivíduo a um perigo real, com uma observação rápida de fatos notórios da história do mundo podemos entender esta conclusão, por exemplo, na Revolução Francesa no período jacobino momento em que aconteceram “17 mil execuções oficiais em 14 meses.” (HOBSBAWM, 2012, p.76), na antiga União Soviética, em que os que não aderiram por algum motivo a opinião “correta” eram perseguidos, presos e obrigados a exercer trabalhos forçados nos GULAG’S (Soljenítsin, 1976) ou ainda quando o renomado escritor Fiódor Dostoiévski foi exilado na Sibéria por combater o regime do Czar Nicolau I (Frazão,2019).
Diante de acontecimentos similares aos descritos a melhor forma de manter-se seguro é aceitar em silêncio a opinião pública. Neumann pontua precisamente sobre os momentos de revolução:
Nos períodos de mudanças sociais drásticas, prestar atenção em como se deve comportar-se para não ser isolado se torna mais necessários. Quando vigora a ordem e a estabilidade, a maioria das pessoas não contesta a opinião pública se ela não parece violar os valores vigentes; sequer alguém cairá em um redemoinho de silêncio. O que fazer, dizer ou deixar de dizer é tão óbvio que a pressão de consentimento atua como uma pressão atmosférica sob nossos pés: não nos damos conta dela. Mas em épocas pré-revolucionárias e revolucionárias, a sociedade experimenta sempre novas sensações. (NEUMANN, 2017, p.117)
Em outros casos menos violentos a opinião pública condena o indivíduo ao ostracismo e ao isolamento, uma punição discreta, porém, também rigorosa, que muitas vezes pode acarretar danos psicológicos.
Por outro prisma, o próprio governante termina por ceder a uma possível opinião pública e deixa de governar por interesse da nação para buscar uma reeleição, de forma que, este pode colocar em perigo fatores essenciais de um Estado, pontua Tocqueville “ Molda-se a seus gostos e suas animosidades prevê seus desejos, antecipa suas queixas, submete-se a seus anseios mais fúteis”, (TOCQUEVILLE, 2005) referindo-se aos caprichos e gostos da opinião pública, que muitas vezes são atécnicas e evidentemente inoportunas.
ELEIÇÕES BRASILEIRAS E ESTADUNIDENSES – REDES SOCIAIS E ESPIRAL DO SILÊNCIO
Nas eleições do ano de 2016 nos Estados Unidos da América observamos a vitória no pleito eleitoral do agora presidente Donald Trump. É sabido que muitas pesquisas (REUTERS,2016) que foram divulgadas pela mídia traziam uma derrota inevitável do candidato, no entanto, o espanto quando o resultado final foi divulgado trouxe a tona a teoria da “espiral do silêncio”, porquanto, mesmo o pesquisado com uma aparência quase generalizada de discordância com o futuro vencedor, ainda assim, Trump venceu. Magnota acredita que:
[…] devido ao alto índice de desconfiança do americano com a mídia tradicional, o fato desses veículos endossarem Clinton acabou, de certa forma, reforçando aspectos negativos da sua imagem e, na contramão, favorecendo Trump que dialogava diretamente com esse eleitorado que tem aversão à comunicação de massa. (MAGNOTA, 2017, p. 404)
No Brasil nas eleições de 2018 do atual presidente Jair Messias Bolsonaro, com uma peculiar similaridade com o pleito americano, havia uma maioria de pesquisas (DATAFOLHA, 2018) que demonstravam sua derrota, no entanto, mais uma vez, o contrário ocorreu, consagrando Bolsonaro o 38º presidente brasileiro.
Diante dos acontecimentos, podemos vislumbrar como a maioria silenciosa, muitas vezes por crer que “todos” votarão neste ou naquele candidato, preferem, portanto, não se manifestar diante de pesquisadores ou entrevistadores da mídia tradicional.
Com a tecnologia de internet avançada, as pessoas obtêm acesso as redes sociais, se conectando com grupos que pensam e opinam de forma parecida ou igual. Esse acontecimento mudou a perspectiva do fenômeno da “Espiral do silêncio”, pois, agora, encontrar o grupo que nos faz sentir integrado não é mais um trabalho árduo, basta a digitação de um nome ou alguns acessos que permitam ao algoritmo definir o que deve ser visto pelo usuário . Aparentemente, por isso, o medo de manifestar-se não alcançou as redes na mesma proporção de antes, tendo em vista, a possibilidade de expressar-se apenas para quem concorda, sendo assim, não é de se espantar que as pesquisas tradicionais sobre as candidaturas foram postas em xeque.
CONCLUSÃO
O presente artigo pretendeu aplicar o paradigma da “espiral do silêncio” de Neumann a influência das tecnologias de comunicação, principalmente sob o enfoque dos pleitos eleitorais e suas pesquisas.
Os resultados apontam para uma nova perspectiva sobre a teoria da Espiral do Silêncio, pois, antes, tínhamos poucas vias possíveis para sentir o clima de opinião, por exemplo a televisão, rádio e jornais, que criavam e comunicavam o sentimento que permeava o tecido social sobre determinado candidato ou partido. Na contemporaneidade não é mais assim, estamos diante de uma revolução da comunicação, momento em que basta poucos segundos para que uma mensagem chegue ao seu destino, logo, não há necessidade de conformar-se com os grupos próximos, pois, com apenas um aparelho com acesso à internet é possível encontrar outros grupos.
O silêncio que a teoria empiricamente demonstra funciona de forma diversa na atualidade, visto que, o clima de opinião é sentido de novas formas, criando uma certa aversão a mídia tradicional, que, geralmente, comunica apenas uma das visões possíveis sob certo ponto, mesmo que sem intenção, essa aversão a pesquisas e opiniões por ela propagadas mostram que o eleitor continua silencioso apenas perante os meios tradicionais de comunicação, no entanto, na internet, sob um manto de coragem devido à ausência de grandes ameaças, o novo eleitor comunica-se acirradamente dentro de seu grupo escolhido.
REFERÊNCIAS
Balthazar, Ricardo. Pesquisa Datafolha mostra Bolsonaro com 59% e Haddad com 41% dos votos válidos no 2º turno. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/datafolha-mostra-bolsonaro-com-59-e-haddad-com-41-dos-votos-validos.shtml> Acesso em 23 de outubro de 2020
DEROSA, Cristian (2018). Entrevistas com Bolsonaro e as técnicas baseadas na espiral do silêncio. Disponível em<https://www.estudosnacionais.com/8549/entrevistas-com-bolsonaro-e-as-tecnicas-baseadas-na-espiral-do-silencio/> Acesso em 19 de outubro de 2020
FRAZÃO, Dilva (2019). BIOFRAGIA DE Fiódor Dostoiévski. Disponível em <https://www.ebiografia.com/fiodor_dostoievski/#:~:text=Fi%C3%B3dor%20Dostoi%C3%A9vski%20(1821%2D1881),estados%20patol%C3%B3gicos%20do%20ser%20humano> Acesso em 18 de outubro de 2020
G1. Vitória de Trump contraria pesquisas e projeções nos EUA. Disponível em <http://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2016/noticia/2016/11/pesquisas_.html> Acesso em 23 de outubro de 2020
G1. Após surpresa nos EUA, analistas tentam explicar falhas de pesquisas. Disponível em<http://g1.globo.com/mundo/eleicoes-nos-eua/2016/noticia/2016/11/apos-surpresa-nos-eua-analistas-tentam-explicar-falhas-de-pesquisas.html> Acesso em 22 de outubro de 2020
HOBSBAWM, Erick. A ERA DAS REVOLUÇÕES 1789 – 1848. Editora Paz Terra – 1989.
MAGNOTTA, Fernanda. Trump: mídia, opinião pública e a espiral do silêncio. Disponível em <https://periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos/article/view/2175-7976.2017v24n38p396/37524> Acesso em 19 de outubro de 2020.
MAIS RETORNO. EFEITO ADESÃO. Disponível em <https://maisretorno.com/blog/termos/e/efeito-adesao> Acesso em 24 de outubro de 2020
NEUMANN, Elisabeth Noelle. A ESPIRAL DO SILÊNCIO OPINIÃO PÚBLICA: NOSSO TECIDO SOCIAL. Editora Estudos Nacionais – 2017
SOLZHENITSYN, Aleksandr. Arquipélago Gulag. Editora Biblioteca do Exército – Rio de Janeiro 1976
TAMMAN, Maurice. Pesquisa Reuters/Ipsos indica que Hillary tem 90% de chance de ganhar eleição nos EUA. Disponível em<https://br.reuters.com/article/idBRKBN1322LF> Acesso em 24 de outubro de 2020
TOCQUEVILLE, Alexis. DA DEMOCRACIA NA AMÉRICA. Editora Vide Editorial – 2019
*Advogado. Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pelotas. E-mail: ms.fabres@hotmail.com