Educação Educação Ensino

Relações intertextuais: a tessitura de diálogos entre textos em uma experiência de gamificação

Relações intertextuais: a tessitura de diálogos entre textos em uma experiência de gamificação[*]

Patrícia Ribeiro[†]

Patrícia Ribeiro – Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Professora de Português, no Ensino Fundamental II, na rede particular. E-mail: patriciaribeiro_let@yahoo.com.br

Resumo: Este estudo tem por objetivo a análise de uma atividade de gamificação, realizada com discentes do sexto ano do Ensino Fundamental II, que envolvia a intertextualidade, através da paródia e da paráfrase. Assim, por meio de dados estatísticos, analisamos qual dessas duas formas de intertextualidade foi identificada mais facilmente pelos estudantes em diferentes gêneros textuais que se elaboravam com linguagem verbal, não verbal ou linguagem mista. Este trabalho está em consonância com as atuais tendências pedagógicas para o ensino com o uso das metodologias ativas e com os pressupostos da Base Nacional Comum Curricular.

Palavras-chave: Intertextualidade; Metodologias ativas; Gamificação; Ensino.

Abstract: This study aims to analyze a gamification activity with sixth grade students of elementary school stage II, which included intertextuality by means of parody and paraphrase. Thus, through statistical data, we investigated which of these two types of intertextuality had been more easily identified by students in different text genres constructed through verbal, non-verbal and hybrid comunication. This work is in line with current pedagogical trends focusing active teaching methodologies with the assumptions of National Common Curricular Base.

Keywords: Intertextuality; Active methodologies; Gamification; Teaching.

 

  1. Intertextualidade: entrelaçamento de vozes

Em uma perspectiva histórica, o conceito de intertextualidade remonta à Antiguidade clássica, com os filósofos Aristóteles que discutiu, na obra  Poética, a definição da forma dos gêneros literários, e Platão que apresentou, na obra República, a preocupação com a definição de cópia e, com isso, ele alude à questão da influência (CORRALES, 2010, s/p). Com o passar do tempo, muitos teóricos e estudiosos da linguagem debruçaram-se sobre o conceito de intertextualidade e ele também foi aproveitado em várias áreas do conhecimento, como a crítica psicanalista, a estética da recepção, a análise estilística e a crítica genética (CORRALES, 2010, s/p).

 Neste trabalho, como não é o foco de nossa análise, não desenvolveremos uma cronologia histórica da construção do conceito de ‘intertextualidade’. Assim, destacamos que o conceito de intertextualidade que orienta nossa pesquisa é o cunhado por Julia Kristeva, nos anos 1960, na França, quando alguns teóricos se reuniram para lançar a revista Tel Quel que representaria um novo paradigma para os estudos literários (SILVA, CAIADO, s/d, p.7).

 Nesse contexto, Kristeva afirma que um texto está sempre em construção, em processo de formulação de significados: “Qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é absorção e transformação de outro texto (…) a palavra literária não é um ponto, um sentido fixo, mas um cruzamento de superfícies textuais” (KRISTEVA apud CORRALES, 2010, s/p).

Assim, observa-se que a concepção de Julia Kristeva para o conceito de intertextualidade considera o texto como um intertexto, ou seja, é uma teia na qual se inserem muitos outros textos que se cruzam, logo resulta do imbricamento e da transformação de outros textos. Sendo assim, ele é percebido como algo heterogêneo e dinâmico, pois dialoga com outros textos e insere-se em um repertório sociocultural e discursivo de uma sociedade.

Na esteira dessas proposições, trazemos à tona os conceitos de paródia e paráfrase que são duas diferentes formas de realização da intertextualidade com as quais operamos em nossa pesquisa em sala de aula, a qual abordaremos adiante.

Bakhtin foi um dos mais reconhecidos estudiosos do conceito de paródia o qual implica em uma voz, em um texto, que se opõe ao texto original, assim, segundo o teórico: “A segunda voz, depois de se ter alojado na outra fala, entra em antagonismo com a voz original que a recebeu, forçando-a a servir a fins diretamente opostos (BAKHTIN apud SANT’ANNA, 2003, p. 14). Assim, a paródia como um texto cuja voz se opõe ao texto original é o conceito que foi utilizado em nosso trabalho em sala de aula, o qual proporcionou o desenvolvimento desta pesquisa.

Outro conceito que embasou nossa pesquisa foi o de paráfrase, outra forma de realização da intertextualidade. Nessa perspectiva, segundo aponta Sant’Anna (2003), tendo em vista o fato de que a história se constrói muito mais por meio de rupturas e descontinuidades, o que remete à paródia, é muito mais recorrente a percepção desse fenômeno do que da paráfrase, termo cuja origem remonta ao grego ⸻ para – phrasis e significa continuidade ou repetição de uma sentença.

Assim, a definição clássica do conceito de paráfrase, apresentada pelo dicionário Literary Terms: A Dictionary, de Karl Beckson e Arthur Gànz (apud SANT’ANNA, 2003), consiste em uma “reafirmação, em palavras diferentes, do mesmo sentido de uma obra escrita. Uma paráfrase pode ser uma afirmação geral da ideia de uma obra como esclarecimento de uma passagem difícil. Em geral ela se aproxima do original em extensão” (SANT’ANNA, 2003, p.17). Portanto, conforme observa-se, a paráfrase implica a repetição, a reafirmação do sentido de uma obra original por meio de outras palavras, conceito este que foi adotado em nossa pesquisa em sala de aula.

  1. Intertextualidade, gamificação e a BNCC

Além dos conceitos de intertextualidade, paródia e paráfrase, ressaltamos que as proposições da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) também nortearam nossa pesquisa. Na BNCC, a área de Linguagens abrange os componentes curriculares de Língua Portuguesa, Artes, Educação Física e nos anos finais do Ensino Fundamental II, também inclui a Língua Inglesa.

De acordo com esse documento, o componente de Língua Portuguesa precisa proporcionar, aos discentes, experiências que os capacitem e ampliem seus conhecimentos em relação às diferentes formas de letramentos de modo a propiciar sua participação ativa e crítica em práticas sociais que envolvam a escrita, a leitura e a oralidade. Nesse sentido, ao trabalhar em nossa pesquisa com a intertextualidade, levamos em consideração o que a BNCC propõe acerca das práticas de leitura, ou seja, que ela engloba o texto escrito, imagens estáticas (foto, pintura, desenho, esquema, gráfico), imagens em movimento (filmes, vídeos) e o som (música), elementos presentes em muitos gêneros digitais.

Sendo assim, em nossa pesquisa, na sala de aula, trabalhamos com textos que envolvem a linguagem verbal, a linguagem não verbal e a linguagem mista (imagens e texto escrito juntos) a fim de ampliar as habilidade de leitura dos estudantes e verificar a compreensão deles acerca da intertextualidade, desenvolvida por meio da paródia e da paráfrase, em diferentes gêneros textuais e obras artísticas, conforme analisaremos na seção 4 deste trabalho.

  1. Gamificação: vamos jogar?

 

Dentre as metodologias ativas existentes, em nossa pesquisa, em sala de aula, utilizamos a metodologia da gamificação. Contudo, antes de discorrer um pouco sobre ela e sua relação com o processo de ensino-aprendizagem na sociedade contemporânea, apontamos para o fato de que o jogo é um fenômeno muito antigo na esfera da cultura. A esse respeito, Johan Huizinga (2019) observa:  “Os animais brincam tal como os homens. Bastará que observemos os cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções, encontram-se presentes todos os elementos essenciais do jogo humano” (HUIZINGA, 2019, p.1).

O jogo, inserido em nossa cultura, apresenta, segundo Huizinga (2019), inúmeras funções, como descarga da energia vital, exercício de autocontrole, satisfação de instinto de limitação, além do desejo de dominar e competir. Além disso, conforme esse teórico, para algumas teorias, o jogo também teria a função de preparar o jovem para tarefas sérias que mais tarde a vida lhe apresentará.

Na área da educação, os jogos com finalidades pedagógicas ganham cada vez mais espaço na contemporaneidade. Nessa perspectiva, em nossa pesquisa, em sala de aula, associamos os conteúdos da disciplina de Português, a saber, intertextualidade, paródia e paráfrase, a uma prática de gamificação[‡], uma forma de metodologia ativa. Um jogo, de acordo com Karl M. Kapp, no livro The Gamification of learning  and instruction (apud ALVES, 2015), define-se como “um sistema no qual jogadores se engajam em um desafio abstrato, definido por regras, interatividade e feedback; e que gera um resultado quantificável frequentemente elicitando uma reação emocional” (KAPP apud ALVES, 2015, p.21).

No contexto da Educação, o uso da metodologia ativa da gamificação, em sala de aula, é pertinente, uma vez que jogar é algo prazeroso e divertido, algo que coloca o aluno como protagonista no centro do processo de ensino-aprendizagem, conforme propõe a BNCC. Além disso, essa metodologia é relevante, pois a aprendizagem baseada em jogos implica o engajamento dos discentes (jogadores) em um desafio que será enfrentado com regras claras do jogo, por meio da interação entre os jogadores e mediante a apresentação de um feedback, que promove a apresentação quantificável dos resultados e a expressão de emoções pelos discentes/jogadores (FLORA, 2015, p.27), elementos que retomaremos na Seção 4 deste trabalho em que apresentamos o jogo que desenvolvemos e aplicamos em sala de aula.

 

  1. Metodologia

A pesquisa que desenvolvemos, em sala de aula, com alunos do sexto ano do Ensino Fundamental II teve o caráter de uma pesquisa quali-quantitativa, tendo em vista o fato de que a abordagem qualitativa e a quantitativa possuem propósitos distintos, assim, elas aplicaram-se de maneira complementar. Dessa forma, em nossa pesquisa, houve o uso da estatística para a explicação de dados e houve, também, a interpretação desses dados para atribuir significados a eles dentro de um contexto educacional.

Nosso estudo, em sala de aula, envolveu o conteúdo de intertextualidade e a metodologia ativa de gamificação. Para isso, na primeira etapa deste trabalho, preparei um material complementar impresso em que apresentei aos alunos os conceitos de intertextualidade, paródia e paráfrase, associados a atividades com textos que utilizavam apenas a linguagem verbal, a linguagem não verbal e a linguagem mista (tipologia de linguagem era um conteúdo que já havia sido estudado previamente com os alunos).

Inicialmente, nos exercícios apresentados aos alunos, havia alguns textos os quais foram divididos em dois grupos. Assim, por meio da comparação entre os textos, os alunos deveriam identificar se cada um dos textos dos grupos 1 e 2 eram uma paródia ou paráfrase do texto original. Além disso, na conclusão dessa atividade, houve uma discussão e a definição do significado dos conceitos de paródia e paráfrase.

Posteriormente, em outra aula, apresentei aos alunos uma atividade elaborada com o Microsoft Sway, um programa de apresentação do pacote de produtos do Microsoft Office, no qual havia uma sequência de textos e os alunos deveriam identificar se eles eram paródia ou paráfrase. Em alguns casos, nessa atividade com o Sway, o texto original também foi apresentado para que os alunos tivessem um parâmetro para identificação da paródia ou paráfrase.

Na sequência, em outra aula, os discentes participaram de uma atividade que envolvia a metodologia ativa da gamificação. Essa atividade consistia em um jogo, elaborado com o Kahoot ⸻ uma plataforma de aprendizado baseada em jogos ⸻, contendo doze perguntas as quais apresentavam textos com linguagem verbal, não verbal e linguagem mista e os alunos, no momento em que estivessem jogando, deveriam clicar no botão vermelho para a opção paródia ou no botão azul para paráfrase. Vale ressaltar que metade dos textos era paródia e a outra metade era paráfrase, além disso destacamos que, para a realização da experiência do jogo, em sala de aula, contamos com o uso de uma lousa digital com datashow e tablets nos quais os alunos jogavam e marcavam suas respostas para cada questão.

Assim, esse jogo, batizado de “Game: paródia ou paráfrase?” foi elaborado seguindo o protocolo do que é básico para a elaboração e/ou caracterização de um jogo segundo Flora Alves (2015). Nesse sentido, primeiramente, os alunos foram apresentados às regras do jogo para que soubessem o que deveriam fazer (quais eram os procedimentos/as ações para jogar) qual era o desafio (acertar um maior número de questões para ser o jogador vencedor), o tempo para responder cada questão (30 ou 60 segundos, dependendo do tipo de texto a ser analisado) e o objetivo do jogo (identificar se o texto era paródia ou paródia para acertar as questões), o que gera um senso de propósito para o jogo.

Além da apresentação das regras antes do início do jogo, destacamos que, no jogo que desenvolvemos, após cada questão, a plataforma Kahoot apresentava um ranking com os cinco participantes que estavam na frente no jogo, ou seja, aqueles que tinham mais acertos e que responderam às questões mais rápido que os outros jogadores. Assim, nosso jogo também continha o feedback, um elemento essencial para os jogadores, pois ele é capaz de motivar o engajamento deles.

Portanto, mediante o conhecimento das regras do jogo pelos discentes, demos início ao jogo em sala de aula. Ao todo foram 51 alunos das cinco turmas de sexto ano, para as quais leciono, que participaram dessa atividade, assinaram um TALE e seus responsáveis assinaram TCLE, assim, estavam cientes de que a atividade do jogo fazia parte de minha pesquisa acadêmica. Portanto, houve liberdade para que todos os alunos, juntamente com seus responsáveis, optassem ou não por participar conforme a vontade deles.

  1. Apresentação e discussão dos resultados

Na atividade que foi aplicada em sala de aula, envolvendo gamificação, minha hipótese era a de que os alunos teriam maior facilidade para a identificação da paródia ou da paráfrase em textos que envolviam somente a linguagem não verbal em sua elaboração. Isso porque, no século XXI, a todo momento, somos bombardeados por imagens que demandam rápida percepção e compreensão, logo teriam mais facilidade com a linguagem não verbal.

Assim, a leitura de uma imagem estaria mais próxima do cotidiano dos discentes,  o que levantou o pressuposto de que, no contexto do jogo, eles teriam maior facilidade com textos de linguagem não verbal do que com textos de linguagem verbal ⸻ que demandam maior atenção e concentração para sua análise e compreensão ⸻ ou com textos de linguagem mista que pressupõem maior complexidade de leitura devido à necessidade de associação entre elementos verbais e não verbais. Essa hipótese de análise será desdobrada, a seguir, mediante a apresentação de algumas questões do jogo, aplicado em sala de aula, e dos gráficos que quantificam os erros e acertos dos estudantes em relação à identificação da paródia e paráfrase.

Nessa perspectiva, passamos à análise das questões cujos textos para análise envolvem somente a linguagem não verbal. A questão 4 de nosso jogo apresentava um trecho da letra da música “Monte Castelo”, uma composição de Renato Russo, executada pela banda “Legião Urbana”. A figura abaixo foi apresentada, no jogo, para os alunos, e nessa imagem, verifica-se que há intertextualidade da canção com um trecho da Bíblia e com um soneto do poeta português Luís Vaz de Camões, textos apresentados aos discentes na segunda atividade sobre intertextualidade, feita em sala de aula, que mencionamos anteriormente.

Nessa questão do jogo, verifica-se que a letra da música é uma paráfrase do texto bíblico e do poema de Camões, pois mantém o sentido dos textos originais, conforme indica o conceito de paráfrase, apresentado na seção 1 deste trabalho, intitulada “Intertextualidade: entrelaçamento de vozes”. Nesse caso, para essa questão, houve um índice de acerto de 60,78% (porcentagem dos discentes que identificaram, corretamente, tratar-se de uma paráfrase), índice de erro de 37,25% e 1,96% de respostas em branco.

A questão 5 de nosso jogo também envolvia um texto elaborado apenas com linguagem não verbal, intitulado “Europa, França e Bahia”, um poema de Carlos Drummond de Andrade, que se configura como uma paráfrase do poema “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias.

Nessa questão do jogo, 25,94% dos alunos identificaram, corretamente, que se tratava de uma paráfrase, assim, o percentual de erro foi de 70, 59% e o percentual de respostas em branco foi de 3,92%). A questão 8 do jogo também tinha uma relação intertextual com o poema de Gonçalves Dias, porém se tratava de uma paródia, por meio do poema “Canto de regresso à pátria”, de Oswald de Andrade. Nesse caso, o percentual de acerto foi maior do que da outra questão (questão 5) que envolvia uma relação intertextual com o poema “Canção do exílio”, sendo assim, as porcentagens foram: 58,82% de acertos, 39,22% de erros e 1,96% de erros.

As duas outras questões do jogo que envolviam texto com linguagem não verbal tiveram 43,14% (era uma paráfrase) e 31,37% (era uma paráfrase) de acertos. Portanto, observando as cinco questões que envolviam apenas a linguagem não verbal, concluímos que a questão que envolvia um texto com linguagem verbal que era uma paródia (questão 8, mencionada anteriormente) obteve um percentual de acerto maior que as outras questões com texto com linguagem verbal que eram uma paráfrase, conforme é possível verificar pelos dados apresentados.

Em nosso jogo, dos 12 textos apresentados nas questões, dois eram construídos com linguagem mista (linguagem verbal e linguagem não verbal juntas). Uma dessas questões apresentava o autorretrato do pintor Vincent Willem van Gogh, obra de 1889, e um meme que mantinha uma relação intertextual com essa pintura, mas a associava ao contexto da “Black Friday”, conforme observamos abaixo:

Figura 1 – Fonte: https://www.huffpostbrasil.com/

Figura 2  – Fonte: Instagram @artesdepressao

Essa questão (questão 6 do jogo), relacionada à obra de Van Gogh, teve um alto percentual de acerto pelos alunos os quais identificaram que o meme se tratava de uma paródia do texto original, pois subverte o sentido da obra, inserindo-a em um contexto relacionado à “Black Friday”, uma prática que ocorre, no Brasil, inspirada no costume dos EUA, onde essa data ocorre um dia após o dia de Ação de Graças, quando é aberta a temporada de compras para o Natal com muitos descontos e promoções oferecidos pelas lojas. Assim, para essa questão houve 72,55% de acertos, 25,49% de erros e 1,96% de respostas em branco, o que indica que a maioria dos os discentes não tiveram dificuldade na análise do texto com linguagem mista e identificarão que o meme era uma paródia do texto original.

Outra questão (questão 11) de nosso jogo que cotejava o uso da linguagem mista compreendia um intertexto entre Guernica, um painel do pintor espanhol Pablo Picasso, produzido em 1937, que retrata o bombardeio à cidade de Guernica durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), e uma charge. Esse texto foi elaborado pelo chargista Iotti e publicado no período do Carnaval, no Jornal Zero Hora (em 2 de março de 2006), remetendo ao trânsito intenso nessa época, assim, o criador da charge inseriu um carro e um texto, associados à obra de Picasso, conforme observamos:

Essa questão que também envolvia a linguagem mista, assim como a questão sobre a obra de Van Gogh,  teve alto percentual de acerto, de modo que 82,35% dos alunos acertaram que a charge se tratava de uma paródia do painel de Picasso; houve 15,69% de erros e 1,96% de respostas em branco. Portanto, se analisarmos os dados estatísticos das duas questões de nosso jogo que possuíam textos com linguagem mista, notamos que elas tiveram um alto percentual de acerto, conforme apresentamos, e como ocorreu com as questões com linguagem verbal, a identificação da paródia não representou grande dificuldade para os estudantes, haja vista o alto percentual de acerto nas questões que continham paródia, como se pode verificar pelos dados que apresentamos.

Com relação aos textos com linguagem não verbal em nosso jogo, notamos diferenças mais significativas nos dados estatísticos em relação à identificação da paródia ou paráfrase nesses textos. Assim, é possível afirmar que a linguagem não verbal influenciou na percepção da paródia ou paráfrase nos textos construídos somente com esse tipo de linguagem. A esse respeito vejamos a questão (questão 3 do nosso jogo) a seguir:

Essa questão do jogo apresenta uma paródia da obra “Moça com brinco de pérola”, de Johannes Vermer, tendo em vista o fato de que não há uma continuidade de sentido em relação à obra original. Nesse caso, uma personagem do universo dos desenhos animados, da Disney, foi inserida na obra e não foi a imagem de uma outra mulher, assim, houve uma ruptura, há contraste. A maioria dos alunos percebeu isso e os resultados para essa questão foram: houve 84,31% de acertos, 13,73% de erros e 1,96% de respostas em branco.

Por outro lado, em uma questão do jogo que envolvia a linguagem não verbal e a intertextualidade na forma de paráfrase, houve um índice baixo de acerto pelos alunos:

Figura 5 Obra do Museu Madame Tussauds, em Amsterdã.
Fonte: https://www.todamateria.com.br/parodia-e-parafrase/

Essa obra, na questão 2 de nosso jogo, apresenta uma paráfrase da obra Monalisa de Leonardo da Vinci, uma vez que se mantém a figura feminina com uma expressão facial e a posição do corpo próximas da obra original, o que colabora para o senso de continuidade entre a paráfrase e o original. Nessa questão do jogo, houve 50,98% de acertos, 47,06% de erros e 1,96% de erros.

Portanto, se compararmos as questões 3 e 2 do jogo, apresentadas anteriormente, notamos que elas indicam uma disparidade no reconhecimento da paródia e da paráfrase em textos com linguagem não verbal, de modo que se pode perceber que, nessa situação (textos que se compunham somente com a linguagem não verbal), a identificação da paródia foi mais fácil para alunos, dadas as porcentagens apresentadas para a questão 3. E essa tendência se manteve para as outras questões com textos com linguagem não verbal, presentes no jogo, ou seja, nessas circunstâncias, a questão com texto com linguagem não verbal que era uma paródia foi reconhecida mais facilmente pelos alunos, de acordo com os dados que coletamos.

 

Considerações finais 

Essa pesquisa possibilitou, portanto, a constatação de que a gamificação é uma metodologia ativa eficiente para despertar a atenção dos alunos e colocá-los, ativamente, no processo de ensino-aprendizagem, pois o conteúdo é apresentado de maneira atrativa para eles. Além disso, a atividade com o jogo também possibilitou trabalhar, conforme postula a BNCC, na perspectiva do eixo da leitura, com a relação entre textos, de modo que os discentes pudessem identificar as diferentes vozes que emanam das produções textuais e perceber a diferença entre paródia e paráfrase realizadas em diferentes gêneros textuais.

Ressaltamos que nossa hipótese se confirmou, uma vez que, conforme os dados apresentados, os discentes tiveram maior facilidade na leitura de textos que envolviam somente a linguagem não verbal. Contudo, ao contrário do que pensamos, as questões do jogo que contemplaram a paródia tiveram as maiores porcentagens de acerto pelos estudantes.

Esse aspecto revelou-se o oposto que imaginávamos, pois, inicialmente, consideramos que os alunos teriam maior facilidade na identificação da paráfrase que pressupõe um discurso de continuidade, porém, o olhar dos alunos detectou mais fácil o discurso da paródia que indica uma oposição, uma ruptura com o original. Isso vai ao encontro do que Sant’Anna (2003), assinalou no sentido de que a ruptura, a invenção e a descontinuidade marcam mais, chamam mais a atenção, logo são percebidas com maior facilidade, como ocorreu no caso de nosso jogo com a percepção da paródia pelos estudantes.

Além disso, ressaltamos que a identificação da paródia pelos alunos também se mostrou com mais fácil reconhecimento em textos construídos apenas com a linguagem não verbal e, também, em textos elaborados com a linguagem mista. Assim, essa constatação ratifica a ideia de que a paródia, por indicar um contraste em relação a uma produção original é mais fácil de ser percebida pelos interlocutores de uma obra, o que se opõe à nossa hipótese inicial de que a paráfrase seria mais facilmente identificada pelos alunos.

[*] Este artigo é fruto de uma pesquisa realizada no âmbito da Pós-graduação em Docência do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG).

[†]Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Professora de Português, no Ensino Fundamental II, na rede particular. E-mail: patriciaribeiro_let@yahoo.com.br

[‡] Segundo Flora Alves (2015), há uma diversidade com relação à grafia do termo gamification, também escrito como gamefication ou, aportuguesado, como gameficação. A autora optou pela grafia “gamification”. Neste trabalho, adotamos a tradução para o português e utilizamos a forma “gamificação”.

 

Referências

ALVES, Flora. Gamification: como criar experiências de aprendizagem engajadoras – um guia completo do conceito à prática. São Paulo: DVS Editora, 2015.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2017.

CORRALES, Luciano. A intertextualidade e suas origens. In: Semana de Letras, 10, PUCRS, 2010. Porto Alegre: 10ª Semana de Letras 2010. EDIPUCRS, Comunicações, grupo 11. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/Xsemanadeletras/comunicacoes/LucianoCorrales.pdf .

HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Trad. João Paulo Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 2019.

SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & Cia. São Paulo: Editora Ática, 2003.

SILVA, Gutemberg da; CAIADO, Roberta Varginha. A intertextualidade: um conceito em muitos olhares. Disponível em: https://gelne.com.br/arquivos/anais/gelne-2014/anexos/708.pdf

Deixe um comentário