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A MÁSCARA DA MORTE RUBRA, DE EDGAR ALLAN POE: UM RELATO SOBRE A EXPERIÊNCIA DE ENSINO NO ESTUDO DA LITERATURA DE HORROR

A MÁSCARA DA MORTE RUBRA, DE EDGAR ALLAN POE: UM RELATO SOBRE A EXPERIÊNCIA DE ENSINO NO ESTUDO DA LITERATURA DE HORROR

 

Patrícia Berlini Alves Ferreira da Costa*

 

RESUMO

Patrícia Berlini Alves Ferreira da Costa – Formada em Letras e Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia. Pós-Graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela UNINTER. Pós-Graduada em Libras pela Faculdade de Santo André – Vilhena/RO. Orientadora Educacional do Instituto Federal de Rondônia. E-mail: patricia.berlini@ifro.edu.br

Esse artigo apresenta um relato de experiência correspondente a uma atividade desenvolvida com os alunos do 5º ano na escola COOPEVI – Cooperativa Educacional de Vilhena/RO. O trabalho realizado partiu da encenação do conto: A máscara da Morte Rubra, de Edgar Allan Poe, cujo objetivo foi o de demonstrar a importância do trabalho com a literatura de horror ainda na infância. Sob a luz de Flávia Alencar, no livro: O mal na narrativa para crianças e os jovens – olhares da literatura e do ensino, trazemos as peculiaridades das histórias de horror, como as de Edgar Allan Poe, para as crianças. Logo, através desse tipo de literatura, o pequeno leitor confronta seus monstros e enfrenta seus medos. Diante disso, percebemos a relevância de se ensinar os contos de horror na sala de aula para o público, ainda, pueril.

PALAVRAS-CHAVE: Contos de horror; Edgar Allan Poe; Criança; Teatro.

 

ABSTRACT

This article presentes na experience report corresponding to an activity developed with 5th grade students at COOPEVI school – Educational Cooperative of Vilhena / RO. The work made came from staging the tale: The mask of Death Rubra, by Edgar Allan Poe, whose objective was to demonstrate the importance of working with horror literature in childhood. Under the light of Flávia Alencar, in the book: Evil in the narrative for children and young people – looks of literature and teaching, we bring the peculiarities of horror stories, such as those of Edgar Allan Poe, for children. Therefore, through this type of literature, the small reader confronts his monsters and faces his fears. Given this, we realize the relevance of teaching horror stories in the classroom to the audience, still, childish.

KEYWORDS: Horror tales; Edgar Allan Poe; Child; Theater.

 

  1. Introdução

 

O conto A máscara da Morte Rubra (1942), de Edgar Allan Poe, narra a história do príncipe Próspero e de toda a sua tirania. O país, devastado por uma doença que surgia com dores agudas, súbitas vertigens e uma profusa sangueira que saía pelos poros, entrou em decomposição por causa das manchas vermelhas, em particular, no rosto das vítimas. O príncipe, pensando na salvação de seu reinado, escolheu os sadios fidalgos e as damas da corte colocando-os em uma abadia edificada por grandes muralhas. A abadia estava totalmente suprida podendo os cortesãos desafiar o contágio da doença e a morte.

O interior do palácio era dividido por sete salões cujas cores eram a marca de suas características: azul, purpúrea, verde, laranja, branco, violeta e preto. Após alguns meses de confinamento, o príncipe Próspero ofereceu aos subalternos um baile de máscaras. À meia-noite, ao som do relógio de ébano, a Morte Rubra, ilusão de uma máscara gótica, veio como um ladrão na noite, entrou, decompôs o príncipe e lavou o palácio com um banho de sangue. “A Escuridão, a Ruína e a Morte Rubra estenderam seu domínio ilimitado sobre tudo” (POE, 2013, p. 18). Eis o fim de um reinado.

Edgar Allan Poe, poeta, escritor, crítico literário e editor, nasceu em Boston, nos Estados Unidos. Escreveu contos cujo mistério foi a marca de sua literatura; além de trazer à tona um novo gênero e estilo literário: os contos de horror. Muitos de seus textos exploram o sofrimento causado pela morte – principal temática de suas narrativas. Ainda, seus poemas, assim como O Corvo, mergulham na tristeza refletindo, assim, os tormentos do autor. Algumas obras do escritor, além de A máscara da Morte Rubra, que merecem destaque são: A queda da casa Usher (1839), O poço e o pêndulo (1842), O gato preto (1943), e por fim, O coração revelador (1843).

Evidentemente, por causa do medo, da angústia, do sofrimento, da morte e de outros temas que trazem o horror para a literatura, além de dogmas, muitos pais e professores evitam contar histórias, tais como as de Poe, para as crianças. Muitos deles acreditam que o público infantil pode se influenciar negativamente pelo mal nas narrativas. Entretanto, alguns psicanalistas afirmam que as histórias do mal contribuem positivamente para o bem dos leitores mirins. Isso porque, de fato, é vencendo o mal que as crianças confrontam os monstros que agitam o seu interior e apaziguam suas ansiedades e seus medos.

Sendo assim, pensamos em uma atividade que rompe com o tabu de que a literatura de horror não pode ser contada para as crianças. Dessa forma, apresentaremos, nesse artigo, o relato de uma experiência docente sobre a encenação do conto: A máscara da Morte Rubra, de Edgar Allan Poe, feita pelos alunos do 5º ano da escola COOPEVI – Cooperativa Educacional de Vilhena, cujos resultados foram surpreendentes.

 

  1. A importância do mal na narrativa para as crianças

 

Compreendemos que, a partir da experiência prática, “na infância e adolescência há um interesse natural por histórias de medo e horror. A criança está processando o seu papel no mundo, buscando compreendê-lo e encontrar o seu lugar” (ALENCAR, 2020, p.259).  Tudo isso é proporcionado pelas histórias de monstros, seres góticos e insólitos.

De acordo com Flávia Alencar, a fascinação pelo medo, é algo que, apesar de repelirmos, sempre nos atraiu. Sob essa perspectiva, entendemos que o medo é um convite para a imaginação, pois é através dele que buscamos o lado sombrio e sobrenatural da humanidade. Além disso, o medo leva as pessoas a tomarem atitudes e a buscarem soluções para determinados fatos. Ter medo é bom. Ora, quando digo isso, não é porque devemos colocar o medo superior à nossa segurança, mas porque devemos pensar e falar sobre o que nos dá medo e o que nos deixa seguros. Ter medo é natural. Entretanto, a família e a escola muitas vezes não querem que as crianças sintam medo, por isso as superprotegem da fantasia e do que as amedrontam. Contudo, “É por meio da fantasia que o homem busca o autoconhecimento e aprende a enfrentar o real” (ALENCAR, 2020, p. 258).

Segundo Alencar,

É descortinando o mundo da fantasia e estimulando a imaginação que se criam os meios para que o pequeno leitor aprenda a lidar melhor com o mundo ao seu redor ou mesmo com os seus monstros interiores. Entretanto, há muito receio nos dias de hoje por parte de pais e agentes de leitura em apresentar às crianças histórias que tratam de temas como o medo e a fantasia. (ALENCAR, 2020, p. 258-259)

Para Betthelheim (2017), a crença de muitos pais e educadores é de que a criança deva ser afastada de tudo aquilo que a perturba, como: de suas angústias, de seus sofrimentos e de seus medos. Muitos deles apresentam às crianças somente o lado agradável das coisas e as fazem acreditar que todos os homens são bons. Eis o motivo do insucesso. De fato, sabemos que precisamos ter medo da realidade para corrermos atrás das coisas que nos realizam e que nos levam ao sucesso. Isso é próprio da natureza humana.

Dessa forma, Flávia Alencar reforça que a criança precisa de referências para distinguir, além do certo e do errado, da luta e do fracasso, o bem e o mal. E é através das histórias de medo que o público infantil aprende a lidar com os problemas tornando-se assim adultos mais resolvidos. Todavia, a “figura do monstro é a corporização do medo, seja ele um medo real ou imaginário. Nas narrativas ficcionais, o monstro nada mais é do que o medo que adquiriu forma física” (ALENCAR, 2020, p. 263). Aí está a importância de se ensinar os contos de horror, pois é através deles que a criança confronta os seus monstros e vencem, portanto, os seus medos.

  1. A máscara da Morte Rubra: De dentro para fora do conto

 

Sempre ensinei literatura de horror para as crianças. Esse tipo de histórias sempre esteve no meu acervo literário. Inclusive, é um dos gêneros literários que mais atraem as crianças na faixa etária de 10 e 12 anos. Isso é bom porque a literatura nos ensina que devemos fomentar o hábito de leitura partindo do que o público infantil gosta de ler e não dos nossos interesses pessoais. Dessa vez, quando fomos escolher um conto para se trabalhar com os alunos do 5º ano, pensamos em algo que envolvesse a participação de todas as crianças, por isso, escolhemos trabalhar com o conto: A máscara da Morte Rubra, de Edgar Allan Poe, pois haveríamos de realizar um baile de máscaras e assim, todos estariam envolvidos.

Logo, ao apresentarmos a ideia para os alunos houve uma grande expectativa o que, de fato, não nos surpreendeu, pois, de todos os anos de experiência profissional que tenho, a recepção de tais contos, pelas crianças, é sempre a mesma. Trata-se de uma literatura bem aceita pelo público mirim. Com relação aos pais, já existiu anos de minha prática pedagógica na qual os adultos proibiram essa ou aquela criança de participarem da literatura de horror, entretanto, esse ano não foi um deles. A nossa atividade partiu de uma sequência de ações desenvolvidas na qual os alunos tiveram participação ativa. São elas: Leitura e interpretação do conto, distribuição dos papeis, ensaio da peça, confecção da máscara, preparação do cenário, e por fim, apresentação do teatro.

Nesse sentido, para a leitura e interpretação do conto: A máscara da Morte Rubra, distribuímos a narrativa impressa aos alunos que a leram de forma individual e coletivamente. A seguir, na roda de conversa, colocamos em pauta os elementos da narrativa a fim de discutirmos as singularidades dos personagens, do narrador, do espaço, do tempo e do enredo. Logo, através de um sorteio escolhemos os alunos que interpretariam o príncipe Próspero, a Morte Rubra e a corte. Decidido isso, afastamos as carteiras da sala de aula na intenção de liberarmos espaço para os ensaios da peça. As crianças ajudaram. Vale lembrar que foram disponibilizadas duas aulas de Língua Portuguesa para essa atividade. Na quarta semana de desenvolvimento apresentamos a peça.

Quando finalizamos o ensaio, confeccionamos as máscaras que seriam utilizadas no baile (Figura 1). Para isso, utilizamos balão, cola branca e pedaços de jornais. Nessa atividade as crianças encheram o balão no formato cada qual de seu rosto, passaram cola branca e colaram 7 camadas de pedaços de jornais. Deixaram secar. Em seguida, estouraram o balão. Depois disso, recortaram no formato de sua escolha e fizeram a arte utilizando tinta guache. Ainda, improvisaram as fantasias com o que já tinham em casa.

 

 Figura 1. Confecção das máscaras para o baile.

Para o cenário da peça, fizemos uma vaquinha e compramos os tecidos que compunham as cores do salão do palácio. São elas: preto, vermelho, laranja, verde, violeta, branco e azul. Dispusemos os tecidos ao lado direito da sala, cada um representando um salão da abadia, junto com uma faixa na qual escrevemos o título do conto. Ao lado esquerdo, colocamos algumas fantasias penduradas como decoração do baile. Além disso, dispusemos ao fundo da sala um tecido preto com as vidraças vermelhas, o relógio de ébano e outras peças decorativas que emprestamos da escola (Figura 2). Para a confecção do relógio de ébano e das vidraças, utilizamos EVA e isopor. Ainda, na ponta oposta ao fundo preto, colocamos uma cadeira representando o trono do príncipe. Além disso, para causarmos um ambiente gótico, desligamos as luzes da sala, utilizamos jogo de luzes vermelhas e máquina de fumaça.

Figura 2. Cenário da peça interpretada pelos alunos do 5º ano.

A encenação começou no baile de máscaras. As crianças, cada uma com seu par, interpretaram a valsa e a cantoria. O príncipe Próspero, interpretado pelo aluno 1, sentado no trono, observa a diversão que propôs aos seus subalternos. De repente, surge entre a corte um novo mascarado, interpretado pelo aluno 2, que atraiu a atenção de todos. Logo, a corte, representada pelos demais alunos, ficaram estáticos e surpresos com àquela figura fantasmagórica. Cabe ressaltar que utilizamos um áudio narrativo para a interpretação da peça.

Em seguida, após o relógio de ébano tocar as doze badaladas da meia-noite, para a estagnação de todos, o espectro aparece no último salão (Figura 3). Vendo que todos estão estarrecidos, o príncipe Próspero decide percorrer os seis salões e enfrentar a Morte Rubra. De repente, um grito de horror povoa o palácio. Nesse momento, o príncipe cai no chão e a corte aglomera-se ao redor dele. Dessa forma, o aluno que interpretou a Morte Rubra deixa a máscara e a roupa no chão misturando-se com os demais. Assim, quando os alunos se afastam, permanecem caídos somente o príncipe, a máscara e a roupa da Morte Rubra. A seguir, um a um dos alunos caem no chão (Figura 4) e os dois alunos figurantes os cobrem com um tecido vermelho, de um lado a outro, dando o fim da peça.

 

 Figura 3. Morte Rubra no salão negro abaixo do relógio de ébano.

 

Figura 4. Momentos do baile de máscaras

Nesse dia, foi feita uma reportagem pela TV Allamanda sobre a importância da leitura. Foram inseridas na matéria fragmentos da encenação do conto: A máscara da Morte Rubra, de Edgar Allan Poe. A intérprete da Morte Rubra e a professora da turma foram entrevistadas. A reportagem pode ser conferida no link https://youtu.be/mz23kPxvjAk

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Poucos professores ensinam a literatura de horror para as crianças na sala de aula; assim como muitas famílias desaprovam esse trabalho do educador. Ousadia literária é uma palavra que muitos pedagogos desconhecem. É complexo de se falar aqui sobre a má formação que a pedagogia oferece aos futuros profissionais da educação. Literatura infantil, ou pelo menos literatura, deveria ser uma disciplina obrigatória da grade curricular dos cursos de Pedagogia, entretanto, não são. É aí que está a grande falha. Podemos dizer que muitos alunos chegam ao 5º ano desprezando a leitura porque não encontrou seu gênero literário. Logo, quando as crianças têm o contato com esse tipo de literatura, ou outras, são estimuladas e aprendem a gostar de ler. Afirmamos, para tanto, a importância de se apresentar o desconhecido à criança para que ela defina seu gosto literário, e um deles, é a literatura de horror. Temos a certeza de que a atividade apresentada nesse artigo será uma das marcas na trajetória escolar dos alunos do 5º ano, da escola COOPEVI – Cooperativa Educacional de Vilhena/RO.

 

 

  1. REFERÊNCIAS

 

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 34º ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017.

ALENCAR, Flavia Cortês de. A representação da figura do mostro no livro para crianças. In: CUNHA, Maria Zilda da; MICHLLI, Regina; SANTOS, Rita de Cássia Silva Dionísio. O mal na narrativa para crianças e jovens: olhares da literatura e do ensino. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2020.

POE, Edgar Allan. A máscara da Morte Rubra. In: A causa secreta e outros contos de horror. São Paulo: Boa Companhia, 2013.

 

Como Citar:  COSTA, P.B.A.F.

 

* Formada em Letras e Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia. Pós-Graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela UNINTER. Pós-Graduada em Libras pela Faculdade de Santo André – Vilhena/RO. Orientadora Educacional do Instituto Federal de Rondônia. E-mail: patricia.berlini@ifro.edu.br

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