Docência Indígena a partir da Lei Complementar Nº 578 de 2010 e do Projeto de Ensino Médio com Mediação Tecnológica
Rozane Alonso Alves[*]
Jonatha Daniel dos Santos[†]
Resumo: A proposta deste excerto é analisar as implicações da construção e elaboração do primeiro concurso de caráter efetivo para os professores e professoras indígenas do Estado de Rondônia, bem como os efeitos da criação do Projeto de Ensino Médio com medicação Tecnológica nas escolas da rede pública estadual de ensino, especificamente, nas escolas indígenas que atuam com esta etapa da Educação Básica. Neste sentido, buscamos problematizar Lei Complementar nº 578/2010, discutindo os avanços e retrocessos que a inserção deste projeto na carreira do Magistério Público Indígena.
Palavras-chave: Magistério Público Indígena,Lei Complementar nº 578/2010, Projeto de Ensino Médio, Mediação Tecnológica.
Indigenous Teaching From Complementary Law Nº 578 Of 2010 And From The High School Project With Technological Mediation
Abstract: The purpose of this excerpt is to analyze the implications of the construction and elaboration of the first effective contest for indigenous teachers in the State of Rondônia, as well as the effects of the creation of the High School Project with Technological medication in public schools state teaching, specifically, in indigenous schools that work with this stage of Basic Education. In this sense, we seek to problematize Complementary Law nº 578/2010, discussing the advances and setbacks that the insertion of this project in the career of the Indigenous Public Ministry.
Keywords: Public Indigenous Teaching. Complementary Law nº 578/2010. High School Project. Technological Mediation.
Introdução
É importante ressaltar que as discussões deste excerto foram iniciadas junto ao evento XII Seminário de Educação – SED, realizado no ano de 2019 pela Universidade Federal de Rondônia. Dito isso, passamos agora a retomar tais discussões e inquietações como pesquisador@s que atuam com pesquisas com/para os povos indígenas de Rondônia.
O campo da educação escolar indígena no Brasil historicamente está alinhado a grandes enfrentamentos, seja no campo das políticas públicas ou no cumprimento de uma educação especifica e diferenciada pelos governos federais, estaduais e municipais. É sabido que a Constituição Federal de 1988 – CF constituiu um documento importantíssimo para os movimentos indígenas e para as próprias comunidades indígenas espalhadas pelo Brasil. No campo da educação a CF possibilitou direitos a uma educação própria bem como a possibilidade de que isso poderia ser realizado pelos próprios indígenas em suas comunidades.
O Artigo 210, § 2º da CF garante às comunidades indígenas “a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” no ensino fundamental. Essa proposta assegura novas direções para as questões indígenas no país, principalmente quando tratado sobre as políticas educacionais. Por meio da CF outros documentos foram criados no sentido da instituição de políticas públicas de uma educação escolar diferenciada para os povos indígenas no Brasil.
Assim, os movimentos em prol da garantia de uma educação pública especifica e diferenciada aos grupos indígenas vão se moldando conforme a necessidade e alinhada aos movimentos políticos. No estado de Rondônia, ao Norte do país, isso não foi diferente. Esse estado conta conforme dados do IBGE com uma população aproximada no ano de 2017 de 1.805.788 habitantes, onde conforme Neves, Gavião e Abrantes (2018) 13.076 pessoas se autodeclaram indígenas, de diferentes povos como os Tupari, Canoé, Suruí, Jaboti, Aruá, Arara, Aikanã, Kassupá, Sabanê, Mamaindê, Karitiana, Kwazá, Migueleno, Gavião, Oro Waram, Oro Mon, Oro Waram Xijein, Oro Eo, Oro Nao´, Cao Oro Waje, Karipuna, Salamãi, dentre outros.
Lei complementar nº 578 de 2010 e o projeto de ensino médio com medicação tecnológica
Os professores e professoras indígenas atuantes nas escolas indígenas sempre trabalharam via contrato com a Secretaria de Educação, chamados de contratos temporários ou contratos emergências. Com as primeiras formações no Projeto Açaí e consequentemente da primeira turma no curso Licenciatura em Educação Básica Intercultural no ano de 2014, as discussões que já existiam sobre a possibilidade de concurso público para professores indígenas foram tomando corpo, efetivado no ano de 2015.
No ano de 2010 pela Lei Complementar nº 578, de 1 de Junho de 2010 e publicado no Diário Oficial do Estado com o nº 1.502, de 2 de Junho de 2010 que dispõe sobre a criação do Quadro de Magistério Público Indígena do Estado de Rondônia, da carreira de Professor Indígena e da carreira de Técnico Administrativo Educacional Nível 1 e Técnico Administrativo Educacional Nível 3, na forma que indica. De acordo com o Art. 5º, O ingresso no cargo de Professor Indígena das carreiras do Magistério Público Indígena, dar-se-á mediante a aprovação em concurso público de provas de conteúdo específico, na referência e no nível correspondente ao da habilitação prevista no § 1º do art. 6º.
Segue expondo que: § 1º. É requisito fundamental para a inscrição no concurso para Magistério Público Indígena
I – que o candidato possua declaração de identidade étnica indígena expedida pela FUNAI ou RG civil onde conste a etnia indígena; II – ser portador de Carta de Apresentação assinada pela maioria da comunidade da qual faça parte; III – possuir, se for o caso, curso de formação de Professor Indígena, de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 6º, e os conhecimentos necessários ao desempenho do cargo; e IV – ter conhecimento dos processos de produção e dos processos próprios econômicos da comunidade e dos métodos de ensino-aprendizagem para que possam desenvolver a interlocução cultural e prática da cidadania.
Ainda nessa lei propõe dois regimes de trabalho, sendo um de 20 horas e outro de 40 horas. No Art. 6º. define três níveis de trabalho:
I – Nível A, integrado por Professor Indígena com titulação no Nível Médio Formação Magistério, para atuar na educação infantil e do 1o ao 5o ano; II – Nível B, integrado por Professor Indígena com titulação em Licenciatura Plena, para atuar do 6o ao 9o ano e ensino médio; e III – Nível Especial, integrado por Professor Indígena sem necessidade de comprovação de titulação, para atuar da educação infantil ao ensino médio, nas disciplinas relacionadas à organização social, usos, costumes, tradições, crenças e língua daquela comunidade.
No anexo I da Lei Complementar nº 578, é distribuído um quantitativo de 561 vagas, sendo 195 para o Nível A; 239 para o Nível B e 127 para o Nível Especial. Essa lei foi um grande avanço para aquele momento, pois consentia com a necessidade de haver concurso público para docentes indígenas bem como define as vagas para uma efetiva educação indígena realizada pelos próprios indígenas.
Após intensas discussões sobre como esse concurso seria realizado, o formato de sua prova e outras questões que envolvem uma complexidade maior no que compete a realização de um concurso público voltado especificamente para os povos indígenas do estado de Rondônia, é publicado o edital n. 131/GDHR/GAB/SEARH no dia 22 de Maio de 2015, do qual torna público que realizará, através da Fundação Professor Carlos Augusto Bittencourt – FUNCAB, Concurso Público para provimento de 130 (cento e trinta) vagas de cargos efetivos, sendo: 60 (sessenta) Professor Nível “A”, 20 (vinte) Professor Nível “Especial” (Sabedor Indígena), 36 (trinta e seis) Professor Nível “B” (Áreas Específicas) e 14 (quatorze) para Técnico Educacional Nível “1”, pertencentes ao Quadro de Pessoal Efetivo da Secretaria de Educação de Rondônia, para atender as Escolas Indígenas da Rede Estadual de Ensino, mediante as condições especiais estabelecidas neste Edital e seus Anexos.
A homologação do resultado final do desse concurso foi publicado no dia 26 de Outubro de 2015 de edital n. 381/GDHR/GAB/SEARH. Considerando que as vagas abertas no edital n. 131/GDHR/GAB/SEARH é menor do que previsto na Lei Complementar nº 578, no ano de 2017 com o edital n.114/GCP/SEGEP, de 23 de Junho de 2017 é ampliado o quantitativo de vagas do Concurso Público da Secretaria de Estado da Educação, sendo 103 vagas para o Nível A e 25 vagas para o Nível B.
Contrapondo com esse acesso dos professores indígenas em concurso público para atuarem em suas comunidades de forma efetiva, tendo seus direitos trabalhistas garantidos em lei, no ano de 2016 com a Portaria n. 680/2016-GAB/SEDUC, é implantado o Projeto de Ensino Médio com medicação Tecnológica nas escolas da rede pública estadual de ensino. Esse projeto tem como intenção efetivar os estudos do ensino médio em lugares de difícil acesso, caso de escolar rurais, ribeirinhas e escolas indígenas.
A ideia inicial mostra-se interessante quando permite a estudantes que moram em localidades de difícil acesso ter acesso ao ensino médio sem se deslocarem para as cidades. No entanto, olhando pela ótica do contexto indígena, é possível indicar que há aqui um retrocesso, entendendo que as aulas são elaboradas e oferecidas por professores na cidade de Porto Velho, capital do estado, e as mesmas são assistidas por TV. Na aldeia existe um professor mediador indígena, responsável pelo acompanhamento dos alunos, colaborando com o que é possível. Também é responsável por aplicar as provas e em seguida corrigir com o gabarito enviado.
De acordo com diário de campo de uma pesquisa de doutorado em andamento de um dos autores desse trabalho, realizado na T.I Rio Branco, local onde há esse processo de mediação tecnológica para o Ensino Médio, foi verificado que as dúvidas são tiradas em tempo real se houver acesso à Internet, e as provas enviadas aos discentes são formuladas pelos mesmos docentes em Porto Velho, responsáveis pela produção da aula.
Foi verificado que não há nesse momento uma preocupação com as questões do contexto desses alunos, ou seja, o aluno indígena estuda em sua aldeia via TV as mesmas aulas vistas em escolas na cidade.
Cabe salientar que esse modelo foi apresentado por uma equipe da SEDUC em várias aldeias, onde algumas comunidades aceitaram e outras não. Em nossa pesquisa, as informações dispõe que as seguintes terras indígenas estão com esse processo de medicação tecnológica: Cinta Larga, Rio Branco, Puruborá, Migueleno e em Guajará – Mirim. Em conversas com alguns parceiros indígenas, o resultado não está sendo o esperado e há nesse momento bastante insatisfação sobre esse processo de ensino. Como o projeto é novo, é necessário esperar para visualizar o seu resultado. De toda forma, entendemos que o ensino aos grupos indígenas a até mesmo aos ribeirinhos e comunidades rurais, quando não levado em conta as particularidades desses grupos sociais, é visível uma produção para invisibilizar saberes locais ao tempo de valorizar outros saberes, no caso os saberes não indígenas ou dos outros grupos.
Considerações finais
Alguns desses documentos, como por exemplo, Diretrizes para a política nacional de Educação Escolar Indígena/1993; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei Nº. 9.394/1996; Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas/1998; Resolução CNE/CEB Nº. 03/1999 que cria a categoria de escola indígena; Parecer MEC/CNE Nº. 10/2002 que dispõe sobre a formação do professor indígena em nível universitário; Referenciais para Formação de Professores Indígenas/2002; Decreto Nº. 6.861, de 27 de maio de 2009; Resolução CNE/CEB Nº. 5/2012, a qual define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica e a Portaria MEC/SECADI Nº 98, de 06 de dezembro de 2013, que regulamenta e define diretrizes complementares da Ação Saberes Indígenas na Escola. Essas Leis, Decretos, Portarias e Resoluções retrata de maneira visível duas importantes questões. A primeira reside na militância por pessoas não indígenas que apoiam a causas indígena, pelos grupos e movimentos indígenas, indicando espaços conquistados no caminhar histórico. Por outro lado, é possível perceber que houve no governo do ex-presidente Lula, já na década de 2000, um olhar mais atento e sensível para as questões de grupos subalternizados no Brasil, podendo inserir nesse contexto os grupos quilombolas bem como movimentos que problematizam a questão étnico-racial.
As mobilizações frente as mudanças provocadas pelo cenário político a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 e principalmente pelas políticas públicas educacionais no contexto da educação escolar indígena resulta na necessidade de se problematizar as escolar indígenas em seu formato curricular, de formação dos estudantes, formação dos docentes e até mesmo o entendimento das secretarias de educação municipal e estadual no entendimento de atender as exigências legais.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em 05 set 2018.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei Nº. 9.394. Brasília: MEC, 1996.
BRASIL. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC, 1998.
BRASIL. Resolução CNE/CEB nº. 03. Brasília: MEC, 1999.
BRASIL. Parecer MEC/CNE nº. 10. Brasília: MEC, 2002.
BRASIL. Referenciais para Formação de Professores Indígenas. Brasília: MEC, 2002.
NEVES, Josélia G.; GAVIÃO, Heliton T.; ABRANTES, Cristóvão A. Memória e movimento social: repercussões do NEIRO na formação docente indígena em Rondônia – do Projeto Açaí à Licenciatura Intercultural. Tellus, Campo Grande, MS, ano 18, n. 36, p. 89-121, maio/ago. 2018
RONDÔNIA. Lei Complementar nº. 578. Porto Velho: Assembleia Legislativa, 2010.
RONDÔNIA. Portaria nº. 680. Porto Velho: GAB/SEDUC, 2016.
RONDÔNIA. Decreto nº 8.516. Porto Velho: SEDUC, 1998.
[*] Dra em Educação. Professora da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. E-mail rozanealonso@ufam.edu.br
[†] Dr. Em Educação. Licenciado em Matemática. Pesquisador o Grupo de Pesquisa em Educação na Amazônia E-mail: dholjipa@gmail.com