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A EFETIVIDADE DE UMA ESTRATÉGIA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA NO NÍVEL DE ALFABETIZAÇÃO FINANCEIRA DOS JOVENS

A EFETIVIDADE DE UMA ESTRATÉGIA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA NO NÍVEL DE ALFABETIZAÇÃO FINANCEIRA DOS JOVENS

Érik Campos Dominik[i]

Patrícia Carvalho Campos[ii]

Gustavo Augusto Lacorte[iii]

 

RESUMO

A Educação Financeira é um dos pilares do desenvolvimento socioeconômico de um país, agindo para que o comportamento dos indivíduos e de suas famílias possa ser otimizado. O presente artigo testou a efetividade de um minicurso como estratégia de intervenção no desenvolvimento de atitudes mais conscientes e sustentáveis em relação ao uso do dinheiro para alunos do Ensino Médio. Os resultados mostraram que os alunos cujos níveis de renda familiar e de escolaridade dos pais são mais baixos possuem menor conhecimento financeiro que os demais e que a intervenção gera ganho em sua atitude financeira.

Palavras-chaves: educação financeira, alfabetização financeira, atitude, comportamento.

ABSTRACT

Financial Education is one of the pillars of a country’s socioeconomic development, acting so that the behavior of individuals and their families can be optimized. This article tested the effectiveness of a short course as an intervention strategy in the development of more conscious and sustainable attitudes towards the use of money for high school students. The results showed that students whose family income and education levels are lower have less financial knowledge than the others and that the intervention generates gains in their financial attitude.

Keywords: financial education, financial literacy, attitude, behavior.

1 INTRODUÇÃO

A condição financeira atual e futura é profundamente impactada pelos hábitos adquiridos ao longo da vida e pela relação que as pessoas mantêm com o dinheiro. Quando se gasta mais do que se ganha, a situação financeira entra em desequilíbrio, não se consegue poupar e se preparar para futuros imprevistos (CNDL; SPC BRASIL, 2019) como gastos com saúde ou situações desfavoráveis, como é o caso da pandemia do COVID-19, em que muitas pessoas tiveram rendas reduzidas drasticamente ou até as perderam.

É preciso compreender que um país com um futuro promissor depende de como as crianças e os jovens estarão preparados para lidar com suas finanças pessoais e do significado dado ao dinheiro. Por isso, é necessário que o processo de conscientização se inicie desde a infância para que, quando adultos, eles já tenham adquirido hábitos saudáveis e conscientes em relação ao uso do dinheiro (HUSTON, 2010).

Além de impactar na vida do indivíduo e de suas famílias, a qualidade das decisões financeiras impacta diretamente na economia, já que a ineficiência na tomada destas decisões está intimamente ligada a problemas como endividamento e inadimplência das pessoas, bem como com a capacidade de investimento dos países.

Ressalta-se, portanto, a conscientização e a educação financeira como pilares do desenvolvimento econômico do País, de seus cidadãos e de suas famílias. Através da educação as pessoas aprendem a lidar com o dinheiro, a administrar e organizar as suas receitas e despesas e a investir de forma eficiente (OCDE, 2005).

Desta forma, é preciso que os indivíduos, em especial, os jovens sejam conscientizados sobre a importância da educação financeira para assegurar que sejam adultos conscientes e responsáveis em relação ao uso do dinheiro, promovendo seu bem-estar financeiro no médio e longo prazos (OCDE, 2005). Nesse sentido, a criação de programas de educação financeira tem sido projetada especificamente para melhorar a alfabetização financeira, sendo esta vista como uma solução para mitigar os problemas financeiros enfrentados por indivíduos e suas famílias (HUSTON, 2010).

A realidade financeira mostra que, para muitos brasileiros, o planejamento financeiro não faz parte da sua cultura, pois, de acordo com dados do SPC Brasil (2019), 48% dos brasileiros afirmam não fazer controle do orçamento mensal. As justificativas para tal comportamento são: o fato de não acreditar que é necessário anotar e que basta fazer as contas de cabeça; não ter disciplina para controlar todos os gastos e/ou pelo fato de não saberem exatamente quanto ganham por mês (CNDL; SPC BRASIL, 2019).

Diante desses dados e do nível de endividamento dos brasileiros, torna-se fundamental o papel da educação financeira no sentido de desenvolver, nas pessoas, a capacidade de planejamento e organização dos seus recursos, o que é fundamental para uma vida financeira saudável.

Partindo desta perspectiva, o artigo tem como objetivo testar a efetividade de um minicurso de Educação Financeira como estratégia de intervenção no desenvolvimento de atitudes mais conscientes e sustentáveis em relação ao uso do dinheiro. Especificamente, objetivou-se analisar o nível prévio de alfabetização financeira dos alunos do Curso Técnico Integrado em Administração do IFMG Campus Bambuí/MG, bem como o ganho de desempenho em cada dimensão da educação financeira, a saber: conhecimento financeiro, atitude financeira e comportamento financeiro.

2 ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO FINANCEIRA

A educação financeira é um processo pelo qual, através da informação, instrução e/ou aconselhamento, os indivíduos melhoram a sua compreensão sobre os produtos financeiros, seus conceitos e riscos, de forma a desenvolver habilidades e confiança necessárias para serem mais conscientes dos riscos e oportunidades e fazerem escolhas mais acertadas com vistas a promover o seu bem-estar financeiro (OCDE, 2005).

Para Olivieri (2013), através da educação financeira, o indivíduo desenvolve capacidade para tomar decisões em muitos aspectos da sua vida, inclusive àqueles relacionados ao dinheiro, para viver bem e de forma equilibrada. Entretanto, a autora ressalta que a educação financeira é um processo de constante aprendizagem; um processo interno e individual que só é desenvolvido pela vivência e experiência.

Por impactar diretamente na qualidade de vida dos indivíduos e do país, a OCDE (2005) sugere que “a educação financeira deva começar nas escolas”, pois as pessoas devem ser educadas sobre questões financeiras o mais cedo possível em suas vidas.

Apesar de muitos autores utilizarem alfabetização financeira e conhecimento financeiro como similares e intercambiáveis, Huston (2010) faz uma diferenciação entre esses termos. A alfabetização financeira tem a dimensão de aplicação adicional. Isso implica dizer que o indivíduo deve ter capacidade e confiança para utilizar o seu conhecimento financeiro para tomar decisões financeiras mais assertivas, o que significa que a alfabetização financeira está ligada não somente ao nível de conhecimento do indivíduo, mas também com as atitudes e comportamentos, sendo estes complementares.

Vale ressaltar que mesmo uma pessoa que seja financeiramente alfabetizada pode não exibir comportamentos positivos ou aumentar o bem-estar financeiro devido à influência de fatores como: preconceitos comportamentais, problemas de autocontrole, família, pares, situação econômica, dentre outros (HUSTON, 2010). Portanto, são muitos os fatores que interferem no comportamento do indivíduo na sua relação com o dinheiro.

Ao tratar os conceitos como distintos, entende-se como conhecimento financeiro o conhecimento básico dos principais conceitos financeiros e da capacidade aplicar habilidades numéricas em situações financeiras. Portanto, neste aspecto, avalia-se o que o indivíduo tem de conhecimento em relação a juros simples e compostos, riscos, retorno e inflação. No aspecto do comportamento, avalia-se a maneira pela qual os indivíduos gerenciam o seu dinheiro, se planejam as suas compras e se têm segurança financeira ou se usam de maneira excessiva o crédito e fazem muitas compras por impulso (OCDE, 2012).

Assim como o conhecimento e o comportamento, as atitudes são importantes elementos na alfabetização financeira. As pesquisas da OCDE (2012) revelam que as pessoas que têm uma atitude negativa em relação à poupança são menos propensas a poupar. Assim como, se preferem priorizar desejos de curto prazo, é improvável que façam planos de longo prazo e tenham economias para futuras emergências.

Devido à complexidade do tema, para medir o nível de alfabetização financeira, o instrumento deve ser bem projetado para que capte adequadamente as dimensões do conhecimento e da aplicação das finanças pessoais para que, assim, possa fornecer informações sobre como a educação financeira deve ser conduzida no sentido de desenvolver o capital humano necessário para que o indivíduo possa se comportar adequadamente, melhorando seu bem-estar financeiro (HUSTON, 2010).

Importante ressaltar que, embora as medidas de educação financeira possam ser usadas para prever comportamentos financeiros, isso não implica, necessariamente, que os indivíduos terão um comportamento esperado (HUSTON, 2010), como, por exemplo: reduzir despesas evitáveis, converter poupanças de curto prazo em poupanças de longo prazo, investir em seguros, dentre outros (OCDE, 2013). Essa mudança de comportamento pode não acontecer, pois, conforme supramencionado por Olivieri (2013), a educação financeira é um processo individual de constante aprendizagem e, como este, cada indivíduo age e reage de uma forma, sendo afetado por muitos fatores internos e externos.

Mesmo considerando que a mudança de comportamento é um objetivo-chave da educação financeira, a tendência é que as pessoas continuem com os velhos padrões, mesmo tendo acesso às informações (obtido o conhecimento) e capacidade para a mudança, como resultado dos hábitos formados ao longo de muitos anos e de uma série de fatores emocionais e psicológicos (OCDE, 2013).

Lusardi e seus colaboradores (2009) complementam os autores acima afirmando que a escolaridade e a capacidade cognitiva do indivíduo são fundamentais na alfabetização financeira, porém, não são os únicos determinantes. Muitos fatores influenciam a eficiência do processo de alfabetização financeira. Portanto, apenas a capacidade cognitiva e a educação não são suficientes para gerar no indivíduo uma mudança de comportamento.

Pesquisas realizadas pelos mesmos autores revelam que o conhecimento financeiro dos jovens é fortemente influenciado pelo contexto familiar. Jovens com pais que tiveram educação superior são mais propensos a entender sobre inflação. Além disso, os dados demonstram que os jovens cujos pais possuem ações ou poupança quando adolescentes têm maior probabilidade de entender os riscos relacionados às operações financeiras. Assim, o conhecimento financeiro é passado dos pais para os filhos. A pesquisa revelou que a escolaridade dos pais e o seu conhecimento em relação aos produtos financeiros influenciam positivamente na educação financeira dos seus filhos (LUSARDI et al., 2009).

Como visto, além da capacidade cognitiva, a alfabetização financeira, particularmente, nos jovens, é influenciada diretamente pelo conhecimento financeiro dos seus pais ou por meio da interação com outras pessoas. Porém, existem grupos que não poderão se beneficiar destas fontes porque seus pais ou amigos não têm ensino superior ou não possuem conhecimento e/ou experiência com os produtos financeiros ofertados pelo mercado. Nesse sentido, os autores supracitados sugerem que a educação financeira seja ofertada no Ensino Médio para equipar as crianças em contextos desfavorecidos.

Essas iniciativas podem auxiliar os jovens a se prepararem para tomarem decisões cada vez mais complexas em um mundo cheio de oportunidades e de fácil acesso ao crédito. É preciso que esses jovens sejam informados o mais cedo possível para que sejam adultos conscientes de suas decisões e consigam planejar melhor o seu futuro.

Além da escolaridade dos pais e o conhecimento financeiros destes como fatores de influência na educação e alfabetização financeira dos filhos, as pesquisas da OCDE (2013) revelam que o impacto na mudança de comportamento é maior quando os membros do agregado familiar também participam da educação financeira, ou sejam quando os membros da família participam do planejamento familiar identificando qual seria a responsabilidade de cada um dos membros na promoção do bem-estar financeiro.

A partir do que foi supramencionado, infere-se que a mudança de comportamento é algo desafiador e que requer tempo, ou seja, o indivíduo pode receber as informações, ser instruído e, só após algum tempo da recepção desta informação, é que ele muda o seu comportamento. A mudança é possível, mas não se pode afirmar que ela acontecerá após um processo de intervenção em que o indivíduo recebe as informações e é orientado, pois ele pode ser “educado” financeiramente, mas não ter uma mudança de comportamento.

Uma forma de tornar mais eficazes os programas de educação financeira é envolver os pais no processo, não somente os jovens, pois os dados afirmam que existe uma influência dos pais na aquisição de conhecimento financeiro dos filhos (LUSARDI et al., 2009).

A partir das evidências teóricas sobre a importância da educação financeira na conscientização dos indivíduos para uma vida mais saudável, o presente estudo foi estruturado por meio de três hipóteses, para as quais as verificações são possíveis a partir das análises: H1: A estratégia de aplicação de um minicurso influencia de maneira positiva na educação financeira; H2: A estratégia tem diferença de eficiência nas três dimensões da educação financeira (conhecimento, atitude e comportamento); H3: A eficiência da estratégia em cada dimensão é afetada por fatores extrínsecos à metodologia e que estão relacionados à vivência e ao conhecimento prévio do aluno.

3 METODOLOGIA

Foram convidados para participar da pesquisa todos os 106 alunos matriculados no Curso Técnico Integrado em Administração do IFMG – Campus Bambuí no primeiro semestre de 2020, sendo 33 alunos do primeiro ano, 35 do segundo ano e 38 do terceiro ano do Ensino Médio, com idade entre 14 e 17 anos, entre maio e junho de 2020. No contexto da pandemia, não foi possível entrevistar os alunos pessoalmente, fato que levou à elaboração dos questionários no Google Forms e enviados por email. Dos 106 convidados, 61 responderam a ambos os questionários, sendo esta a quantidade analisada.

O primeiro questionário foi estruturado e continha questões que abordavam três dimensões da Educação Financeira propostas pela OECD (2018): atitude financeira, comportamento financeiro e conhecimento financeiro, além do perfil socioeconômico dos estudantes e de sua família. O segundo questionário continha questões equivalentes às do primeiro questionário em termos de desempenho das dimensões. A fundamentação da utilização das distintas dimensões vem da própria OCDE (2012), para a qual a alfabetização financeira é vista como uma combinação de consciência, conhecimento, habilidade, atitude e comportamento necessários para a tomada de decisões financeiras sólidas e consistentes com o objetivo de se alcançar o bem-estar financeiro individual.

Nesse sentido, a estratégica didático-pedagógica consistiu na disponibilização de uma cartilha chamada de “Educação financeira para jovens: um passo rumo ao futuro!” em formato de texto, estudos dirigidos, vídeos e exemplos, de modo que o aluno pudesse ter acesso ao conteúdo de várias maneiras. Os temas abordados foram: saúde financeira, descontrole financeiro, endividamento, consumo planejado e consciente, orçamento e planejamento familiar, inflação, juros, meios de pagamento, poupança e aposentadoria.

As questões foram propostas de tal forma que uma de suas quatro alternativas refletisse o nível de desempenho em cada dimensão, ou seja, uma delas era a mais correta, uma delas a mais errada e outras duas intermediárias. Os graus de correção foram estabelecidos em percentuais, representados por 1 (100%); 0,67 (2/3); 0,33 (1/3); e 0, formando escores em cada questão. Para medir o desempenho por dimensão, os escores foram somados e divididos pela quantidade de questões da dimensão (média aritmética). Como não foram atribuídos pesos para as dimensões, uma nova média aritmética compôs o índice geral de alfabetização financeira, como demonstrado na equação 1.

 

 

 

 

em que: resn é o percentual de respondentes em cada uma das atribuições, ou seja, res3 significa o percentual de entrevistados que escolheram a resposta correspondente à questão mais correta. Como ‘0’ não caracteriza eficiência alguma, é omitida da equação.

Como parâmetro de conhecimento prévio, foram utilizados os resultados do primeiro questionário. Para medir o ganho de desempenho, os escores do segundo questionário foram subtraídos dos escores do primeiro questionário.

Através dos questionários, levantou-se também variáveis que poderiam estar relacionadas tanto com o nível prévio de alfabetização quanto com a eficiência do treinamento (fatores extrínsecos ao treinamento): estágio do curso; escolaridade dos pais; renda familiar; residência com os pais; alguma fonte própria de renda.

A variável ‘estágio do curso’ foi estimada pelo ano de curso (1º, 2º e 3º anos), que possuem disciplinas relacionadas a finanças ao longo do Ensino Médio, e pressupondo que o aluno possua mais experiências a cada ano de vida. A variável ‘escolaridade dos pais’ foi definida pela maior escolaridade entre o pai e a mãe do aluno, entendendo que o grau de conhecimento dos pais e a consequente forma de lidar com o dinheiro são repassados aos filhos. Foram considerados três níveis de escolaridade: alta (Ensino Superior completo ou mais), média (Ensino Médio completo) e baixa (até o Ensino Fundamental completo).

A variável ‘renda familiar’ foi adaptada do IBGE (2007), de modo que o nível de renda C correspondeu às famílias que têm renda até 2 salários mínimos (SM), a o nível B mais que 2 até 3 SM e o nível A mais que 3 SM. Entende-se que, quanto menor a renda familiar, mais a educação financeira é importante no cotidiano, pois, ao contrário, quanto maior a renda da família, menor a preocupação com o uso dos recursos.

A variável ‘residência com os pais’ estimou o grau de autonomia no uso do dinheiro, sendo a eles indagado com quem moram, se sozinhos, com os pais ou com outros familiares, em república etc., resultando em duas alternativas: sim (mora com os pais) e não (não mora com os pais). Também foi proposta como variável extrínseca se havia ‘alguma fonte própria de renda’ (mesada, auxílio, emprego etc.), no sentido que o próprio estudante administrasse esse recurso, mesmo que fosse uma mesada, resultando em duas alternativas: sim (possui alguma fonte própria de renda) e não (não possui).

Primeiramente, os valores referentes aos índices de eficiência foram submetidos a teste de normalidade de Shapiro-Wilk para indicação de quais testes estatísticos seriam os mais indicados de acordo com a distribuição dos dados, que foram analisados considerando o índice geral (todas as dimensões conjuntamente) e por dimensão.

Em primeira análise, os dados referentes a cada amostra (aluno) foram tomados como um único grupo, assumindo como premissa não haver diferenças significativas quanto aos fatores extrínsecos ao treinamento. As amostras foram divididas em categorias de acordo com cada um dos fatores considerados: estágio do curso (1º, 2º ou 3º ano); escolaridade dos pais (baixa, média ou alta); renda familiar (baixa, média ou alta); residência com os pais (sim ou não); alguma fonte própria de renda (sim ou não).

Para verificar se existia o efeito da cada categoria no nível de alfabetização, foram realizados Testes de Tukey (para variáveis com 3 categorias) e Testes T (2 categorias) para dados com distribuição normal. Para dados com distribuição diferente da normal, foram realizados testes de Kruskal-Wallis (dados com 3 categorias) e de Wilcoxon (2 categorias). Para verificar se houve efeito do treinamento (dados antes e após), foram utilizados para realizar testes T pareados, após os dados serem normalizados.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dadas as três dimensões analisadas, foi possível perceber que, em relação à média geral do índice do nível prévio (antes da intervenção), a dimensão conhecimento financeiro foi a que teve o maior percentual (82,33%), seguida da atitude financeira (74,59%) e do comportamento financeiro (58,25%).

Após a análise dos dados em termos gerais, considerando as três dimensões da alfabetização financeira, pode-se afirmar que não houve ganho significativo após a intervenção. Isso quer dizer que, se analisados todos os alunos pesquisados, a intervenção não influenciou de maneira significativa no conhecimento, na atitude nem no comportamento financeiro dos jovens. Apesar disso, se analisadas as dimensões com os fatores, pode-se observar pontos relevantes, os quais foram discutidos a seguir.

A partir da análise dos dados, pode-se inferir que não houve diferença significativa no nível prévio de alfabetização financeira nem no ganho após a intervenção em três dos cinco fatores, a saber: estágio no curso, a convivência ou não com os pais e se o estudante tem fonte própria de renda. Porém, houve influência dos dois outros fatores.

Os resultados mostraram que o nível de conhecimento financeiro prévio é significativamente menor no nível mais baixo de escolaridade dos pais. Isso significa dizer que os filhos cujos pais têm baixa escolaridade tendem a ter um menor conhecimento financeiro prévio em relação aos filhos cujos pais têm maior escolaridade. Além disso, no nível mais baixo de escolaridade, houve um ganho significativo (8,71%) em relação aos demais na dimensão atitude, o que impactou o ganho geral (4,59%).

Os dados da pesquisa confirmam o que Lusardi e seus colaboradores (2009) afirmam em sua teoria. De acordo com esses autores, o conhecimento financeiro dos jovens é fortemente influenciado pelo contexto familiar. Portanto, a escolaridade dos pais e o conhecimento destes em relação aos produtos financeiros ofertados pelo mercado influenciam positivamente na educação financeira dos seus filhos.

Um estudo da Serasa Experian e do Ibope Inteligência revelou que uma maior escolaridade não significa, necessariamente, mais educação financeira entre os brasileiros de todas as faixas etárias e classes sociais, sinalizando que experiências vividas têm maior impacto na atitude e no comportamento do indivíduo ao lidar com finanças. Os dados da pesquisa podem contribuir para desmistificar a ideia de que somente a educação formal pode melhorar a educação financeira. “É preciso contar com iniciativas que considerem e conjuguem as experiências práticas e as decisões financeiras com a teoria aprendida nos bancos escolares”. Isso significa que o simples conhecimento de operações não é suficiente. O indivíduo precisar experimentar situações, já que é isso que agrega mais às dimensões de atitude e comportamento financeiro (SERASA EXPERIAN, 2019).

A renda familiar também influencia o nível de conhecimento financeiro prévio dos jovens, pois o nível de alfabetização financeira prévia na dimensão do conhecimento financeiro também foi significativamente menor no nível mais baixo de renda familiar (79,12%). Também houve ganho significativo na dimensão atitude dos estudantes de renda familiar de nível mais baixo (6,57%).

Esses dados contrapõem o que diz a OCDE (2012) em suas pesquisas. De acordo com este órgão, um alto índice de alfabetização financeira é possível em todos os níveis de renda. Portanto, a renda em si não afeta a capacidade de alguém em adquirir conhecimento, formar atitudes favoráveis ao seu próprio bem-estar financeiro ou exibir comportamentos positivos (OCDE, 2012). Entretanto, a baixa renda pode explicar certos comportamentos como, por exemplo, fazer empréstimos para sobreviver, e também é um fator que afeta a capacidade do indivíduo de poupar e/ou fazer planos de longo prazo já que a renda é, muitas vezes, insuficiente para pagar as contas do mês.

De acordo com o estudo feito pela Serasa Experian e pelo Ibope Inteligência, o “comportamento financeiro dos brasileiros com maior renda não melhora, mesmo com o aumento do letramento” (SERASA EXPERIAN, 2019). Os dados revelam que o comportamento dos brasileiros com renda acima de cinco salários mínimos não é melhor do que os dos demais brasileiros. Portanto, a renda influencia diretamente o comportamento financeiro. Isso demonstra que os brasileiros nesta faixa de renda têm a probabilidade de cometerem os mesmos erros que as classes mais baixas quando se trata de finanças.

Algumas dificuldades limitaram o presente trabalho, como a impossibilidade de se realizar uma intervenção presencial, devido à pandemia, o que também prejudicou a adesão dos estudantes. Sugere-se que, no futuro, novas intervenções semelhantes sejam feitas de forma presencial e que a cartilha utilizada, uma vez aprimorada após os resultados deste trabalho, possa ser difundida principalmente entre os estudantes de níveis mais baixos de renda familiar e/ou escolaridade dos pais, para que a importância de se planejar possa ser disseminada, provocando mudanças positivas de atitude financeira.

4 CONCLUSÕES

A intervenção realizada junto aos estudantes do Curso Técnico em Administração do IFMG – Campus Bambuí pretendeu verificar se havia diferenças no nível prévio de alfabetização financeira e se houve ganho efetivo geral e nas três dimensões abordadas (conhecimento financeiro, atitude financeira e comportamento financeiro), levando em conta cinco variáveis extrínsecas: estágio do curso, escolaridade dos pais, renda familiar, residência com os pais e alguma fonte própria de renda.

Os dados mostraram que as variáveis estágio do curso, residência com os pais e fonte própria de renda não influenciam o nível de alfabetização dos estudantes nem tampouco os extratos estabelecidos através dessas variáveis tiveram ganhos diferentes entre si. A dimensão comportamento financeiro também não foi afetada pela intervenção.

Por outro lado, foi constatado que o conhecimento financeiro prévio é menor no nível mais baixo de renda familiar e no nível mais baixo de escolaridade dos pais. Do mesmo modo, a intervenção foi efetiva na dimensão atitude financeira nos estudantes que possuem uma renda familiar menor e cujos pais possuem um nível mais baixo de escolaridade, neste último caso também influenciando o ganho geral.

5 REFERÊNCIAS

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE DIRIGENTES LOJISTAS – CNDL; SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – SPC BRASIL. Educação financeira: gestão do orçamento pessoal. Brasília: CNDL, 2010.

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO COMÉRCIO DE BENS, SERVIÇOS E TURISMO – CNC. Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor: março de 2019. Rio de Janeiro: CNC, 2019.

__________. Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor: setembro de 2019. Rio de Janeiro: CNC, 2019.

HUSTON, S. J. Measuring financial literacy. The Journal of Consumer Affairs, v. 44, n. 2, pp. 296-316, 2010.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: PNAD 2007. Rio de Janeiro: IBGE, out. 2007.

LUSARDI, A.; MITCHELL, O. S.; CURTO, V. Financial Literacy a mong the Young: evidence and implications for consumer policy. Journal of Consumer Affairs, v. 44, n. 2, pp. 358-380, 2010.

OLIVIERI, M. F. Educação financeira. ENIAC Pesquisa, Guarulhos-SP, v.2, n. 1, p. 43-51, jan.-jun. 2013.

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT – OECD. Recommendation on principles and good practices for financial education and awareness. Paris: OCDE, 2005.

_______________. ATKINSON, A.; MESSY, F. Measuring financial literacy: results of the OECD / International Network on Financial Education (INFE) pilot study. OCDE Working Papers on Finance, Insurance and Private, n. 15. Paris: OCDE, 2012.

_______________. OECD/INFE Toolkit for Measuring Financial Literacy and Financial Inclusion. Paris: OECD, 2018.

SERASA EXPERIAN. Educação financeira do brasileiro vai além da escolaridade, revela estudo inédito da Serasa Experian e do Ibope Inteligência. São Paulo: Serasa Experian, 2019.

[i] Érik Campos Dominik. Graduado em Ciências Econômicas pela UFMG, Especialista em Gestão de Micro e Pequenas Empresas pela UFLA e Mestre em Economia Doméstica pela UFV. Professor do IFMG – Campus Bambuí.

[ii] Patrícia Carvalho Campos. Graduada em Administração, Especialista em Estratégia de Marketing e Mestre em Administração pela PUC-MG. Professora do IFMG – Campus Bambuí.

[iii] Gustavo Augusto Lacorte. Licenciado em Ciências Biológicas pela UFMG, Mestre e Doutor em Genética pela UFMG. Docente do IFMG – Campus Bambuí e do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade e Tecnologia Ambiental do IFMG. Colaborador na Pós-graduação em Docência do IFMG – Campus Arcos. Atualmente, desenvolve pesquisas na área de diversidade molecular de microrganismos.

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