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ENTRE AS JUNTURAS DOS OSSOS ESTÃO AS VOGAIS E AS CONSOANTES

ENTRE AS JUNTURAS DOS OSSOS ESTÃO AS VOGAIS E AS CONSOANTES

 

Patrícia Berlini Alves Ferreira da Costa*

 

 

Resumo: Este trabalho tem por objetivo fazer um breve estudo estilístico constituindo-se de uma análise sobre as vogais e as consoantes nos poemas Meninas, O olho, Vozes e Os pássaros, presentes na obra intitulada: Entre as junturas dos ossos, de Vera Lúcia Oliveira. O corpus analisado apresenta a expressividade estilística das vogais e das consoantes e seu sentido nas poesias da autora em estudo.

Palavras-chave: Estilística, vogais, consoantes, Vera Lúcia Oliveira.

Abstract: This work aims to make a brief stylistic study constituting na analysis of the vowels and consonants in the poems Girls, The eye, Voices and The birds, present in the work entitled: Between the bones joints, by Vera Lúcia Oliveira. The analised corpus presentes the stylistic expressiveness of vowels and consonants and its meaning in the poetry of the author under study.

Keywords: Stylistic, vowels, consonants, Vera Lúcia Oliveira.

A biografia da autora

Vera Lúcia Oliveira nasceu em Cândido Mota, mas cresceu em Assis, no interior de São Paulo. A escritora iniciou sua carreira escrevendo contos, porém, quando descobriu seu encantamento pela poesia passou a publicar obras de poesias e ensaios. Entre as 11 obras publicadas, Verrà l’anno (Virá o ano) – livro de poemas escritos em italiano – foi o vencedor do prêmio Popoli in Cammino e do Prêmio Internacional de poesia Pasolini.

Na obra Entre as junturas dos ossos, a poetiza resgata pela memória as lembranças vividas desde sua infância, tudo o que desapareceu no tempo, entretanto, foi preservado. Ainda, Vera Lúcia Oliveira mostra que a poesia é marcada através de palavras com significados e sentido especifico, isto é, as palavras que compõem os versos, quando fazemos a leitura dos poemas, podem ter cheiro, sabor, ruídos, formas, aspectos representados pelos recursos estilísticos encontrados nos poemas tais como: aliteração, assonância, figuras de linguagem, onomatopéias, entre outros.

Segundo os versos de Vera Lúcia Oliveira, as palavras passeiam na profundidade da terra, das plantas, dos animais, viajando no mais profundo do corpo, nos ligamentos, entre as junturas dos ossos.

 

Entre as junturas dos ossos estão as vogais e as consoantes

Segundo Sant’anna Martins (1989, p. 26), os sons da língua podem tanto nos agradar como também nos desagradar, no entanto, sugerir impressões, ou seja, a maneira como pronunciamos as palavras pode delatar estados de espírito ou informar traços da personalidade de alguém.

Evidentemente, os poetas e os atores trabalham com a expressividade do som fazendo as combinações perfeitas entre as vogais e as consoantes para dar ritmo e provocar ruídos nos poemas e nas narrativas. Como exemplo disso, Martins salienta (1989, p. 30) que a vogal /a/ simboliza som forte, e intensifica a impressão auditiva das consoantes que a acompanha.  Sendo assim, obtém sentido nas onomatopéias: “pá, pá, pá” que combinadas com consoantes oclusivas ressaltam a ideia de marcha de animais em bando como, por exemplo, a marcha dos elefantes.

Além disso, a sonoridade da vogal /a/ expressa noção de claridade, amplitude, vastidão. Já as demais vogais, conforme a autora (1989, p. 31), estabelecem a série anterior /é/ê/i/ e a série posterior /ó/ô/u/ sendo que as vogais de série anterior exprimem sons agudos constituindo seu valor ao significado das palavras: apito, riso; e a série posterior possibilitando a imitação de sons cheios, arredondados e graves, como nos vocábulos: bufos, zurro, globo, rolo, entre outros.  Exemplifiquemos a sonoridade das vogais no poema “menina”, de Vera Lúcia Oliveira:

as meninas que da alma pulam

brincam de esticar

o tempo

com suas saias rodadas

dançam a canção mais pura

que aprenderam

correndo

entre as junturas dos ossos

                                (OLIVEIRA, 2006 P.15)

No primeiro verso, observa-se a palavra “alma” composta de duas vogais /a/ exprimindo a sensação de luz, paz, amplitude de espírito no corpo das meninas, meninas que da alma pulam com leveza, suavidade e deslizamento como representam a combinação das consoantes /m/n/l juntamente com as vogais /a/.

No segundo e terceiro versos, de forma aguda expressa na vogal tônica/i/, as meninas “brincam de esticar o tempo”, ou seja, querem estendê-lo, torná-lo comprido, esticado como a vogal /i/ ou como esticamos o corpo para fazer alongamento. Ainda, no primeiro verso da segunda estrofe, as meninas “com suas saias rodadas dançam a canção mais pura”, saias que fazem movimentos abertos como a vogal /a/ e rodadas fazendo movimentos rotativos e arredondados como representa a vogal /o/, todos esses movimentos as meninas fazem para dançar a canção “mais” pura, canção que aprenderam correndo como o tempo corre.

No último verso, entre as junturas dos ossos, a palavra juntura possui a vogal tônica /u/, vogal grave, fechada, e é entre as junturas dos ossos que as meninas dançam e brincam de esticar o tempo, dançam e brincam nos ligamentos, o que ligam um osso ao outro para ficarem juntos, um espaço fechado como a vogal /u/, em um espaço profundo do corpo, um espaço que é só delas.

Para José Lemos Monteiro (1991, p. 100), as vogais são classificadas em graves e agudas das quais permitem a diferenciação das tonalidades e dos tipos de som, isto é, as vogais podem transmitir ruídos estridentes marcados pelo /i/ como nas palavras grito, tinir; nas vogais surdas, consideradas fechadas, marcadas pelo /o/ como nas palavras estrondo, rumor; e na vogal /a/ considerada aberta demonstrando iluminação como nas palavras claridade, paz.

Todavia, as vogais agudas são formadas pelo /i/ê/é/ e as vogais graves são formadas por /ó/ô/u/. Assim, Monteiro salienta que as vogais fechadas dão impressão de angústia, tristeza e dor, ao contrário das vogais abertas pelas quais impressionam através da alegria e do contentamento.

Na pronúncia das vogais, Lemos explica (1991, p. 102) que ao proferirmos a vogal /a/ a boca se abre plenamente e se fecha até chegar à vogal /u/, ou seja, as vogais /a/e/i/o/u/ fazem o movimento de abertura labial começando na vogal /a/ até os lábios se encontrarem no fechamento da boca com a vogal /u/. Neste sentido, o /a/ representa a vogal mais larga, o /i/ de maior estreitamento bucal, o /o/ expressa à forma arredondada e o /u/ fechamento por completo. Vejamos o poema o olho:

o olho do escuro

tem pestanas frescas

escuto o piscar doído

o assombro da pupila

vasta

varrendo miados

frufrus de vento

tropeço de alguma estrela

no céu

conversas planas de poste

mascando nacos de noite

                              (OLIVEIRA, 2006 P.17)

Como é observado, o primeiro verso, o olho do escuro, é composto por seis vogais graves. Na palavra olho encontra-se a vogal /o/ exprimindo forma arredondada; como o olho, parte do corpo humano, também é. Em seguida, na palavra escuro encontra-se a vogal tônica /u/ expressando a sensação de fechamento, medo, como a própria palavra diz: escuridão.

No terceiro verso, escuto o piscar doído, encontram-se as vogais /i/ apresentando a dor gritante, aguda e estridente, do piscar do olho, do piscar doído de alguém que está no escuro. Logo após, no quarto verso, o assombro da pupila, apresenta as vogais fechadas /o/ na palavra assombro expondo a sensação de uma pupila assustada, com imensidão, isto é, a palavra vasta, como diz o quinto verso, apresenta o sentido de pupila em grande susto, amplamente expresso pelas vogais abertas /a/.

No sexto verso, as vogais /a/e/o/ da palavra varrendo fazem o movimento de abertura labial iniciando na vogal /a/ e terminando na vogal /o/. Sendo assim, seguindo a sequência das vogais /a/e/i/o/u/, é observado que as vogais /a/e/o/, da palavra varrendo, caminham para frente, em direção reta, como a posição do corpo juntamente com a vassoura, ou seja, não importa a direção que a pessoa varre, o corpo sempre estará virado para a direção em que a vassoura vai varrer, além disso, a palavra indica o sentido de alguém que não está parado, varreu ou varrerá, mas sim alguém que está se movimentando, está varrendo miados e frufrus de vento, como diz o sexto e sétimo verso.

No oitavo e nono verso, tropeço de alguma estrela no céu, a palavra tropeço significa dificuldade de passagem expressada muito bem pelas duas vogais fechadas /o/, já as palavras estrela e céu apresentam as vogais /e/é/ dando o sentido de imensidão, porém, a palavra céu termina com a vogal /u/ expondo o sentido escuro e noturno, assim, as vogais /o/e/é/u/ representam a vastidão do obstáculo a ser passado por alguém.

Além da expressividade sonora das vogais, Sant’anna Martins enfatiza a expressividade sonora das consoantes. De acordo com a escritora (1989, p. 34), as consoantes surdas /p/t/k/ dão a impressão de som forte, violento: estúpido, tonto; já as consoantes labiodentais /f/v/ imitam sopros como nas palavras: voz, vento, fala; as fricativas palatais /x/ch/ sugerem chiado: chuá, enxame; as alveolares /s/z/ imitam sons sibilantes: assovio, suspiro; o som vibrante do /r/ se ajusta a ideia de vibração: rachar, ranger arranhar; e as consoantes nasais /m/n/nh/ entram em harmonia para expressar suavidade: manso, mole, melodia, amor.  Exemplifiquemos no poema vozes:

vozes na tarde porosas

penas de pássaros

sopradas enfiam-se

por frinchas escavam

nichos nos vãos

abrigam veias vagas

surdos corpos de som

                               (OLIVEIRA, 2006 p. 50)

No primeiro verso do poema, vozes na tarde porosas, observa-se as consoantes /v/z/s/ que sugerem sopros, assovios, fala de pessoas que suspiram cada palavra em uma tarde porosas.

No segundo verso encontram-se as palavras penas e pássaros envolvidas pelas consoantes /p/ exprimindo um som forte e violento em contraste com o som harmonioso da letra /n/ juntamente com a respiração acentuada expressa através das consoantes /s/.

No terceiro, quarto e quinto versos, observam-se as palavras: sopradas, frinchas e nichos, as quais apresentam as consoantes /s/f/ch/ expondo mais uma vez o som de sopros, assovios e chiados, concluindo essa sonoridade no sexto e sétimo verso com as palavras: veias, vagas, surdos e som apresentando as consoantes /v/ e /s/ expressando a ideia de vozes em um tom baixo, de sussurro. Entretanto, o poema vozes apresenta a combinação das consoantes /v/z/s/f/ch/, que ao serem articuladas na pronuncia das palavras, transferem ao leitor o som de chiado como vozes sussurrando o que podemos chamar de imitação sonora.

Sob este prisma, José Lemos apresenta (1991, p. 105) três modalidades: a imitação sonora, a correspondência articulatória e a transferência sonora. Para o escritor, a imitação sonora consiste através dos sons físicos por meios de sons linguísticos, todavia, na correspondência articulatória, a imitação sonora pode resultar de uma combinação de vocábulos em um discurso literário, a combinação de consoantes e vogais para representar o som de determinadas coisas, ou seja, os autores conseguem comunicar aos leitores a impressão dos ruídos desejados transmitidos através do texto literário.

Sendo assim, o escritor (1991, p.102) esquematiza os principais valores destas combinações: consoantes de sensações auditivas: /p/b/- significando explosões; /t/d/ – ruídos secos; /k/g/ – rachaduras; /f/v/ – sopros; /x/j/ – cochichos; /s/z/ – assobios; /r/R/ – vibrações; /m /n/ – roncos ou mugidos. Consoantes de sensações cinéticas: /l/L/ – deslizamento; /r/R/ – tremor; /f/v/ – fuga. Consoantes de sensações tácteis: /l/L/ – leveza; /p/b/ – pesadume; /t/R/ – aspereza; /s/z/m/ – suavidade. Observemos o poema pássaros:

os pássaros de pedra dilatam as oferendas

os pássaros de carne batem-se contra as grades

os pássaros de lata arrulham nas ferrovias dos nervos

os pássaros de madeira mascam o macio dos músculos

os pássaros de papel voam para dentro das crases

os pássaros de carvão rabiscam suas asas no ventre

os pássaros de fogo puxam os pássaros de chuva

os pássaros de pano acalentam os pássaros de pranto

                                                   (OLIVEIRA, 2006 p. 33)

Patrícia Berlini Alves Ferreira da Costa
Coordenadora de Orientação Educacional
IFRO – Campus Colorado do Oeste

No primeiro verso, os pássaros de pedra possuem as consoantes /p/b/ dando a sensação de pesadume, pedras pesadas; no segundo verso os pássaros de carne batem-se contra as grades é possível observar as consoantes /p/b/t/g/r/ expressando as batidas violentas, os tremores e as rachaduras, dos pássaros de carne se batendo nas grades; no quarto verso, os pássaros de madeira mascam o macio dos músculos, as consoantes /m/s/ expõem a suavidade dos pássaros ao mastigar os músculos macios.

 Logo, os versos do poema apresentam as consoantes fortes /p/t/b/d/ em combinação com as vogais abertas e fechadas reproduzindo o som de ruídos abafados e secos – o que imita o som da batida das asas dos pássaros ao se abrir e fechar. Ainda, as consoantes m/n/s/ exprimem a sensação de leveza, suavidade, como o vôo dos pássaros e a maciez, enfim, de suas penas.

Considerações finais

Levando-se em conta os aspectos apresentados, tanto o poema pássaros quanto os poemas: vozes, o olho e meninas, demonstram amplamente o significado das vogais e das consoantes, ora combinadas ou não, dando o sentido que elas representam. Imitam o som das vozes, se movimentam como as asas dos pássaros, não só como o piscar doído dos olhos, mas também como a dança das meninas. Contudo, tendo em vista que as vogais servem de apoio às consoantes, elas estão sempre juntas, interligadas na interpretação dos poemas e, portanto, nas suas representações simbólicas.

Referências 

MARTINS, Nilce Sant’ana. Introdução à estilística. São Paulo; T.A.Queiroz: Editora da Universidade de São Paulo,1989.

MONTEIRO, José Lemos. A Estilística. São Paulo; Ática, 1991.

OLIVEIRA, Vera Lúcia. Entre as junturas dos ossos. Brasília; Literatura para todos, 2006.

* Formada em Letras e Pedagogia pela Universidade Federal de Rondônia. Pós-Graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela UNINTER. Pós-Graduada em Língua Brasileira de Sinais pela Faculdade de Santo André – Vilhena/RO. Orientadora Educacional no Instituto Federal de Rondônia.

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