A VIDA PRIVADA EM TEMPO REAL:
Uma discussão acerca da ressignificação do sentido de público e privado a partir de Lula e Sergio Moro no universo digital
Gustavo Fernandes Domingues*
RESUMO
O surgimento do universo da internet desenvolveu a percepção de uma outra dimensão espacial, a realidade virtual, impactando na nossa percepção sobre o tempo, visto que a dimensão deste universo otimizou processos antes efetivados na realidade não virtual. Sobre as consistências dessa galáxia virtual, o presente trabalho reflete sobre ressignificação do sentido de público e privado a partir de Lula e Sergio Moro, discutindo as disponibilidades que a tecnologia virtual tem para os usos políticos, como para “esculpir” a opinião pública.
Palavras-chave: Internet; Privacidade; Política; Capitalismo.
ABSTRACT
The emergence of the internet universe has developed the perception of another spatial dimension, virtual reality, impacting our perception of time, since the dimension of this universe has optimized processes previously carried out in non-virtual reality. Regarding the consistencies of this virtual galaxy, the present work reflects on the resignification of the sense of public and private from Lula and Sergio Moro, discussing the availability that virtual technology has for political uses, such as “sculpting” public opinion.
Keywords: Internet; Privacy; Policy; Capitalism.
Introdução
Este trabalho busca fazer uma reflexão a partir de um fenômeno que a internet proporciona nos dias atuais, que é a ausência de controle, ou melhor, privacidade por partes dos usuários nas redes, resultando assim na extração de diálogos por partes de indivíduos que entendem a programação desse universo digital, usando assim informações para diversos fins. Mas o resultante de tal fenômeno é vasto, implicando tanto em questões políticas quanto econômicas, pois os dados dos usuários da internet movem os negócios das empresas responsáveis por manter a rede. No entanto para tal discussão, usarei dois casos categóricos do fenômeno discutido, a violação da privacidade de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva através de grampos e o vazamento das mensagens trocadas no Telegram entre os procuradores da Lava Jato durante a tentativa de condenação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Portanto o presente trabalho não se preocupa em discutir as questões e os motivos políticos que moveram essas ocorrências, mas sim discutir a cerca do sentido de público e privado a partir dos eventos ponderados.
- RESSIGNIFICAÇÃO DA PERCEPÇÃO DE PRIVADO, NA REDE
Hodiernamente parece ter se tornado senso comum a ideia de que a privacidade está ameaçada ou transformada. A transformação da noção de privado ocorre paralelo as mutações do capitalismo. No século XIX, em que a vida privada era uma pauta promovida pela classe burguesa, prezar pela vida era resguardá-la da agitação do espaço público, no entanto, em meio as mutações do capitalismo junto a ascensão da tecnologia digital, a valorização ocorre no próprio espaço público, pois a prática de expor aspectos da vida privada no ambiente virtual obedece condicionamentos do indivíduo, relativos a mudança de status que a vida pessoal sofre no capitalismo contemporâneo.
A tecnologia digital, fruto dos desenvolvimentos tecnológicos providos da Segunda Guerra Mundial, tem suas bases ajustadas ao longo do seu desenvolvimento, a uma estrutura, o capitalismo. Os sistemas que organizam a rede denominada internet, é estruturada por empresas privadas, como é o caso da Cisco, empresa transnacional americana que desenvolve servidores possibilitando o tráfego na rede. Além do mais, os dados pessoais dos usuários na internet movem o negócio das empresas, nesse sentido, promove o capitalismo. No entanto, esses dados movem os negócios de empresas em vários sentidos, no sentido de manter a empresa “de pé” como de promover ações antidemocráticas que resultem em grande lucro, como é o caso da Cambridge Analytica, empresa que lucrou ao gerenciar planejamentos através de dados obtidos através do Facebook para influenciar em questões políticas em governos.
A relação entre privacidade e internet nos leva a discutir um conceito que se aplica a realidade contemporânea, o “capitalismo de vigilância”[1]. A exposição de informações privadas no universo digital, seja em uma plataforma em que demais pessoas tenham acessos ou seja unilateralmente, informações trocadas nos “chats”, possibilita uma capitalização de informações para diversos fins, políticos, econômicos. Antes a coerção se estabelecia em uma perspectiva mais física, agora a coerção é exercida por uma perspectiva psíquica. O capitalismo de vigilância é esta capacidade de observação que o sistema tem sobre o social, através da grande quantidade de informação fornecidas e trocadas por indivíduos no universo da internet.
Nesse sentido, as redes sociais cumprem um papel fundamental para tais acontecimentos, pois dentro do universo digital, as redes sociais é, em massa, o meio pelo qual ocorre as interações sociais. As redes sociais trouxeram consigo grande transformações na organização do mundo, transformando a maneira como nos relacionamos em sociedade. A performance dessas ferramentas digitais, colaboraram com o isolamento individual e ao mesmo tempo em que potencializou a capacidade de produção e difusão de informações, nesse sentido, o isolamento acabou por estimular as manifestações políticas que “deixaram” de ocorrer no mundo real e passaram para o mundo das redes sociais. Ainda nesse seguimento, há um crescimento exponencial de discursos radicais e de negação dos meios de representação tradicional, a velocidade de sua disseminação e a dificuldade de verificação de seu conteúdo transforma em uma ferramenta política, como é o caso dos fakenews.
Pensando historicamente, o jogo político-econômico entre os grandes polos de poder tem sua lógica impactada pela realidade contemporânea, na qual a junção do capitalismo e da Internet protagonizam a organização do mundo, antes o poder, por mais que ligado a informação, se estabelecia sobre uma perspectiva mais material, agora nessa nova lógica, a informação através de dado concede poder aos grandes polos político-econômicos. Ou seja, nessa atual configuração do poder, a informação possibilita pelo “oceano” de dado no ambiente virtual concebe grandes vantagens no jogo político-econômico, sendo esse fator geradores de causas que influenciaram a política em vários governos, como é o caso da Cambridge Analytica, que através do gerenciamento de dados, formularam e executaram planejamento que influenciaram nas eleições presidenciais no Estados Unidos em 2016, como induziu a saída do Reino Unido da União Europeia, apelidada de Brexit.
No entanto, as ocorrências selecionadas demonstram a ameaça à privacidade que o universo digital pode ocasionar, evidenciando que “todos”, ou a maioria de nós, estamos sujeitos a estes eventos, pois o causador da quebra de privacidade na primeira ocorrência analisada é o alvo do mesmo ato na segunda ocorrência ponderada.
- CONTEXTO POLÍTICO DA PUBLICAÇÃO DOS ÁUDIOS EXTRAÍDOS COM OS GRAMPOS E O EVENTO “EM SÍ”
Sérgio Moro, na época era juiz e hoje é ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, no dia 16 de março de 2016 publiciza o áudio de uma ligação telefônica entre a presidenta da época, Dilma Rousseff, com o ex-presidente do mesmo partido de Dilma, Lula Inácio da Silva, os áudios são uma série de gravações coletadas de forma questionável pela força-tarefa da Operação Lava Jato, extraída através de grampos telefônico, o diálogo referido;
“-Dilma: Alô
–Lula: Alô
–Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
–Lula: Fala, querida. Ahn
–Dilma: Seguinte, eu tô mandando o “Bessias” junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!
–Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
–Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
–Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.
–Dilma: Tá?!
–Lula: Ta bom.
–Dilma: Tchau.
–Lula: Tchau, querida.”[2]
No contexto discutido, o ex-presidente Lula Inácio da Silva era forte candidato nas eleições de 2018, segundo pesquisa do Datafolha divulgada dia 22/08/2018[3], no cenário com Lula (PT) concorrendo, ele continha 39% de intenções de votos, seguido de Jair Bolsonaro (PSL) com 19% das intenções, e no cenário com Haddad representando o Partido dos Trabalhadores, Jair Bolsonaro liderava com 22% das intenções.
Referente a este contexto de possibilidades, a Operação Lava Jato, ou melhor, as convicções políticas das pessoas que orquestravam as operações, operam de forma duvidosas à ala política, ou o partido, que representava maior chance de se eleger nas eleições, como mostra as pesquisas que teoricamente tem 2% de erros para mais ou para menos. Para tal, as operações consistiam na criação de narrativas que pudessem moldar a opinião social, fazendo com que os atores dessas operações fossem considerados heróis, para conseguirem modelar a opinião pública a seus interesses, utilizaram um procedimento questionável, que foi a utilização de uma parte dos áudios extraídos dos grampos da Polícia Federal para justificar a acusação dos réus, quanto a justificação da defesa, de fato a oferta do carga que concedia foro privilegiado ao ex-presidente Lula era uma ação que manteria ele no topo das intenções de votos, portanto era uma ação que estabeleceria proteção a ele.
As Operações denominadas Lava Jato, orquestrada por Sergio Moro e Deltran Dallagnol, procurador da república que ganhou notoriedade por integrar e coordenar a força-tarefa da Operação, consistiam em acusações sem comprovações[4], mudando a lógica jurídica com suas narrativas, pois os acusadores que, teoricamente, deveriam provar a acusação, porém coube ao líder petista tentar provar sua inocência. No entanto por trás desse cenário, as interações sociais dos grupos em “disputas” aconteciam por entre as redes sociais, através do Telegram, que é um serviço de mensagens instantâneas baseado na nuvem.
Contudo, o horizonte de questionamento à operações contra o líder petista se amplia em julho de 2019, com o vazamento das conversas trocadas entre Moro, Deltran Dallagnol e outros procuradores no site do The Intercept[5], desconstruindo a imagem [da operação] construída pela narrativa produzida nas suas operações contra Lula, no qual usaram de uma ferramenta possibilitada pela organização social que a tecnologia estabelece, que é essa potencialização de interações sociais nas plataformas digitais, ou seja, o mesmo fator que possibilitou, de certa forma, a invasão da privacidade de Lula e Dilma em 2016.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O universo virtual é um oceano de possibilidade em movimento, em direção aos interesses que movem a organização do mundo. No entanto, esse caráter de movimento, a deixa imprevisível, e por se tratar de um universo construído sobre linguagens específicas (Java, Java1, entre outras), quem as conhece, no caso os programadores ou pessoas com alto conhecimento sobre o funcionamento desse universo, acaba-se por ter condições de extrair elementos privados de indivíduos que as usam, que é a grande maioria. Nesse sentido, essa condição possibilita os fenômenos discutidos, que é a violação da privacidade através de meios digitais. Portanto, é interessante pensar os usos dessas informações, que nos eventos refletidos, são de uso político, pois as conversas extraídas foram usadas para modelar a opinião pública, aos interesses de quem publicizou as informações extraídas.
Essa galáxia que chamamos de internet, há nela poderosas forças culturais e sociais que originam ideias, organizam fluxos de comunicação, sendo as mensagens transmissoras desses ideais, nesse sentido, devemos nos atentar que as mídias virtuais, assim como as não virtuais, não são portadoras inocentes de mensagem. Esse cyber-espaço é usado em massa para organizar a vida acadêmica, sobre qualquer dúvida ou necessidade de pesquisa, antes as bibliotecas eram protagonista em buscas de informação, hoje em dia é a internet, ou seja, não devemos manusear este universo sem o senso crítico para que possamos fluir informações contidas no emaranhado de subjetividades.
Como Citar:
DOMINGUES, G. A vida privada em tempo real.
Fontes analisadas:
Matérias do jornal “the intercept Brasil”, publicadas entre os dias, 9 à 14 de junho de 2019. Link: https://theintercept.com/series/mensagens-lava-jato/ Acesso em: 16/07/2020.
Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/moro-divulga-grampo-de-lula-e-dilma-planalto-fala-em-constituicao-violada.html Acesso em: 03/11/2019.
Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/08/22/pesquisa-datafolha-lula-39-bolsonaro-19-marina-8-alckmin-6-ciro-5.ghtml Acesso em: 03/11/2019.
Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/moro-divulga-grampo-de-lula-e-dilma-planalto-fala-em-constituicao-violada.html Acesso em:03/11/2019.
Disponível em: https://theintercept.com/2019/06/09/editorial-chats-telegram-lava-jato-moro/ Acesso em: 03/11/2019.
Referências:
THIBES, M. Z. A vida privada na mira do sistema: a Internet e a obsolescência da privacidade no capitalismo conexista. Orientador: Maria Helena Oliva Augusto. 2014. 209 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
ZUBOFF, S. The Age of Surveillance Capitalism. Vol. 1. New York: PublicAffairs, 2019
[1] ZUBOFF, S. The Age of Surveillance Capitalism. Vol. 1. New York: PublicAffairs, 2019.
[2] Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/moro-divulga-grampo-de-lula-e-dilma-planalto-fala-em-constituicao-violada.html Acesso em: 03/11/2019.
[3] Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/08/22/pesquisa-datafolha-lula-39-bolsonaro-19-marina-8-alckmin-6-ciro-5.ghtml Acesso em: 03/11/2019.
[4] Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/03/moro-divulga-grampo-de-lula-e-dilma-planalto-fala-em-constituicao-violada.html Acesso em:03/11/2019.
[5] Disponível em: https://theintercept.com/2019/06/09/editorial-chats-telegram-lava-jato-moro/ Acesso em: 03/11/2019.