Corpo e imagem em tempos Pós-modernos: O sujeito entre Prometeu e Fausto
Ronie Von Rosa Martins*
Resumo:
Este artigo propõe um olhar sobre como o corpo e a imagem desse corpo é modificada no decorrer das transformações da sociedade através de duas tradições distintas, mas não imediatamente simultâneas, visto que uma está ligada e mesclada de forma muito consistente na outra. Seriam as tradições Prometeica e a Fáustica. O texto busca um caminho que consiga produzir nesses corpos e imagens de um sujeito cartesiano, brechas possíveis para produzir uma forma de pensar esse corpo e essa imagem para além das configurações impostas por uma subjetividade capitalista.
Palavras-chave: Educação, filosofia, corpo e imagem
Abstract:
This paper proposes a view on how the body and the image of that body is modified in the course of the transformations of society through two distinct traditions, but not immediately simultaneous, since one is linked and merged in a very consistent way with the other. They would be the Prometeica and the Faustica traditions. The paper seeks a path that can produce in these bodies and images of a Cartesian subject possible gaps to produce a way of thinking about this body and that image beyond the configurations imposed by a capitalist subjectivity.
Keyword: Education, philosophy, body and image
Há uma mudança. E a carne e a imagem oscilam. Assim como também oscilam as estruturas que representavam e davam significado a um certo corpo e a uma certa imagem desse corpo.
Há um corpo que se produz. Corpo que também é fábrica. Produtor e produto. Corpo-capital, corpo monetarizado. Inclusive para além do corpo. Físico. Pois a mente está cativa também. Seduzida por esse novo capital. Fluxo de força que envolve e faz mudar o formato e a condição de existência desse mesmo corpo. E também sua forma de ser e estar em sociedade. A vida, ou a produção e manipulação da própria vida torna-se objeto de interesse do capital. Mas já não falamos de uma vida confinada aos espaços restritos das fábricas e da sua força “física” de produção regulado por um determinado tempo de trabalho. Assim como a industria, dentro de um paradigma econômico que suplantou um outro, no qual a economia se concentrava na agricultura e na extração de matérias-primas, percebemos a formação, ou produção de um outro sujeito, uma outra espécie de “homem” que se constrói dentro de uma perspectiva em que o capital está enraizado e cresce através de uma produção que se sustenta através da oferta de serviços e de uma rede de informação que tem o poder de manuseio de determinados tipos de discursos.
Se entendíamos a modernização como industrialização, podemos pensar agora, através destes processos e dispositivos pós-modernos em uma vida informatizada. E essa informatização produz forças de subjetivação e sociabilidade que estão delineando o formato da sociedade. A progressiva automatização da indústria acabou desvalorizando a mão-de-obra operária, desembocando numa crise aguda e estrutural do emprego em nível mundial. (SIBILIA,2002, p,25)
O capital já não se encontra na indústria. O dinheiro agora circula pela rede, o poder já não está depositado em um espaço delimitado, demarcado. A grande estrutura física, o peso dessa estrutura começa a se tornar obsoleto e antiquado. Seu corpo físico e sólido é preocupante, constrangedor. Difícil manter a saúde de tão monumental estrutura. É dispendioso, é arriscado manter “castelos” industriais. Busca-se a fluidez e a velocidade. O desapego e a audácia são adjetivos que começam a se grudar nos corpos dos novos empresários. Ousadia, palavra ecoada em um discurso que tem como objetivo transformar o homem no empresário de si mesmo delimita uma nova subjetividade, que esconde o fato de creditar o fracasso e ruína de uma existência única e exclusivamente ao sujeito. A sociedade já não possui culpa alguma é o indivíduo que detém em sua mão o futuro. É dentro desse espírito que a “nova” empresa busca seus empregados. Homens dispostos a produzirem e crescerem com a empresa. Agora há uma alma. Não a do homem, mas a da empresa. E o homem deve estar avizinhado dessa alma, desse desejo e objetivo da empresa. “Parceiros”, “sócios” na empreitada de crescimento e produção.
Não se busca mais uma mão-de-obra “prisioneira” dos espaços de confinamento da fábrica. Pelo menos não nos países que figuram como centros financeiros. Essa mão-de-obra, a fábrica, foi colocada nos países subdesenvolvidos. É lá que o corpo ainda vende sua força e se prostitui por salários de miséria. Produção estritamente conectada com os interesses de um grande mercado controlado pelo capital de grandes empresas privadas.
Neste novo contexto, os países e estados perdem terreno, perdem força e poder político. O capital privado investe pesado sobre todo o organismo estatal e toma das mãos deste o gerenciamento e manutenção de importantes setores da sociedade; saúde, educação, comunicação e informação, pavimentação, segurança, transporte, lazer… Tudo acaba transformado em produto e é oferecido ao homem. Vendido para aqueles que podem pagar. Os outros, os que não podem, são excluídos do processo.
Um novo conceito é dado ao trabalho que se desenvolve nos grandes centros econômicos e de poder. Trabalho imaterial. Haveria três tipos específicos de trabalho imaterial: O primeiro seria a própria produção industrial que sofreria um processo de informatização que mudaria a estrutura da própria produção, o segundo estaria dentro de um trabalho baseado em tarefas analíticas e simbólicas; manipulação inteligente e criativa e no trabalho simbólico de rotina, e o terceiro teria a ver com a produção de afetos e com o contato humano quer seja virtual ou real.(HARDT;NEGRI,2001,p,314)
Para esses autores, são estes três tipos de trabalho imaterial que impulsionam a pós-modernização da economia global.
Descentralização da produção e dos corpos
Para entendermos como se configuram os corpos dentro dessa nova perspectiva pós-moderna, é interessante que percebamos geograficamente a descentralização da produção e do próprio corpo responsável pela produção de capital.
Em uma transição anterior a que estamos, na transição de paradigma industrial, ouve um movimento intenso, fluxo de corpos que se deslocavam dos campos e de uma cultura/economia agrícola e de extração para as cidades-fábricas. Aglomerando ao redor destas, seus corpos físicos, desejos, anseios, medos e esperanças. Manchester, Osaka e Detroit são exemplos trazidos pelos autores anteriormente citados. Toda eficiência daquele paradigma econômico dependia da proximidade de vários elementos a fim de facilitar a locomoção das pessoas e informação entre os vários espaços de produção que estavam conectados com a fábrica e seu bom desempenho.
A fábrica era o núcleo. E a vida fervilhava e dependia de sua manutenção e poder. Empregado e patrão eram conceitos muito bem definidos, e ambos disputavam tipos de poder. Politicamente se enfrentavam sindicatos e grandes donos de empresas. Dentro desse panorama o mundo era dividido em classes. Bandeiras e discursos repletos de ideologia e palavras de ordem ecoavam agressivos tentando persuadir e seduzir os corpos e mentes do homem.
Na transição para a economia informacional, a linha de montagem foi substituída pela rede como modelo de organização da produção, alterando as formas de cooperação e comunicação dentro de cada lugar que produz e entre os lugares de produção. (HARDT; NEGRI, 2001, p.316)
Quando tínhamos a economia pautada pela produção e pela fábrica, havia uma necessidade de ordenação física dos operários dentro das oficinas. Era essencial para o bom desempenho da fábrica o poder sobre a mão-de-obra. Controlar e vigiar os corpos produtivos do operário, e era necessário que estes estivessem próximos. A força estava no número de corpos que trabalhavam em um mesmo espaço e em horários determinados por tempo também determinado de esforço laborial.
Com a informatização da economia e da indústria, já não há mais necessidade de aglomeramento. Os corpos não precisam mais ser confinados, a rede toma o lugar da linha de montagem, e um outro modelo de organização da produção surge. A partir de agora, uma rede de cooperação entre os lugares de produção através da internet processa uma nova forma de composição do corpo do operário. As distâncias já não causam grandes problemas, e o tempo de trabalho agora é o tempo da vida. Já não há necessidade de um território específico e um centro físico para essa nova rede de cooperação no trabalho.
A concepção de indivíduo como ‘empresário de sí mesmo’ é objetivo do capital como máquina de assujeitamento. Para Gilles Deleuze e Félix Guattari, o capital age como um formidável ‘ponto de subjetivação constituindo todos os homens em sujeito, mas alguns, os capitalistas, são sujeitos de enunciação, enquanto outros, os proletários, são sujeitos de enunciado assujeitados às máquinas técnicas. (LAZZARATO, 2011. p.44)
Neste novo espaço, aberto, liso em que o empregado pós-moderno se constrói, dispositivos de subjetivação agem sobre o seu corpo e sua mente, capitalizando sua criatividade em prol de uma nova forma de capital. E esse capital produz neste indivíduo uma estranha sensação. A de escravo e patrão de si mesmo. Neste paradigma econômico, o homem é capitalista e proletário ao mesmo tempo.
Produção do corpo e da imagem do corpo: Prometeu e Fausto
Depois de fazermos este pequeno vôo panorâmico sobre a transição de um paradigma industrial para outro informacional da economia e do capital, nos deteremos com mais atenção à questão da construção deste corpo humano que habita essa pós-modernidade e que é açoitado pelos dispositivos de subjetivação deste novo momento social.
Assim como o território social tem se modificado, percebemos também que o território do corpo humano também se modifica. Insuflado por forças e discursos que delineiam uma nova forma de estar no mundo, o homem começa a voltar seus olhos para o próprio corpo. Enfrentar o tempo, resistir à morte, produzir-se. Recriar a vida. Dentro deste novo espaço em que o capital tem como aliado a informática, as telecomunicações e as biotecnologias, percebemos também o quanto estes saberes acabam por influenciar e contribuir para a produção de corpos e mentes destes novos sujeitos que habitam esse espaço.
Paula Sibilia (2002, p.121) citando o historiador da técnica Lewis Mumford, nos apresenta o conceito de “megamáquina”, ou “era da Megamáquina”, e faz uma aproximação com o conceito de “sociedade disciplinar ” elaborado por Michel Foucault, situando-os no período de capitalismo industrial, para logo nos mostrar as transformações que se operam na sociedade e nos corpos.
A autora traça um caminho através das tecnologias que vão das leis mecânicas e analógicas para as informáticas e digitais, indicando as transformações que a economia global sofre através dos computadores, telefonia móvel, redes de comunicação, satélites e toda parafernália teleinformática que surge contribuindo para uma reconfiguração dos corpos e das subjetividades do século XXI.
Vivemos um fascínio pela tecnologia e por seu poder quase inesgotável de possibilidades. E o terreno do corpo humano agora é o terreno “inexplorado” que produz na mente do próprio homem o desejo de produção e reconfiguração.
Para dar conta de seu empreendimento em mostrar como a técnica produz transformações no corpo e na alma das pessoas, a autora faz uso das metáforas referentes a dois mitos usadas por Hermínio Martins, famoso sociólogo português, para propor duas linhas distintas referentes a técnica. Prometeus e Fausto. E delineia duas tradições. A primeira delas com fortes indícios do espírito iluminista, do positivismo e do socialismo utópico seria a tradição prometéica:
Apostando no papel libertador do conhecimento científico, este tipo de saber almeja melhorar as condições de vida dos homens através da tecnologia, graças a dominação racional da natureza,confiantes no progresso, os defensores do prometeísmo colocam a ênfase na ciência como ‘conhecimento puro’ e têm uma visão meramente instrumental da técnica. Ao menos teoricamente, o desenvolvimento gradativo desse tipo de saber levaria á construção de uma sociedade racional, assentada em uma sólida base científico-industrial capaz de acabar com a miséria humana. (SIBILIA,2002, p.44)
Sibilia ainda citando o sociólogo português Hermínio Martins afirma que nesta tradição há limites para o que pode ser conhecido, feito ou criado. E que dentro desta linha de pensamento haveria ainda um certo respeito aos “mistérios” da origem da vida e da evolução biológica. Percebemos dessa forma que dentro desta perspectiva, ainda temos fortemente a figura central da divindade. Deus.
Porém, assim como a sociedade sofre um abalo sísmico de frustração referente às promessas de uma modernidade que fracassa em seus anseios, e se percebe a descentralização do capital e do corpo físico do homem em relação ao trabalho. Todos os projetos científicos de Modernidade são colocados em xeque. Desdenhamos da racionalidade humana, olhamos com sorrisos desconfiados e descrentes para palavras como progresso e esperança, a História soa como mentira, e nesta sociedade que se agarrava às promessas de uma tecnologia que fosse trazer melhorias para os seres humanos, vemos proliferar a miséria a guerra e o individualismo. Entra então em franca derrocada o projeto prometéico. É bom lembrarmos que estamos na era do capitalismo cognitivo e da infoprodução.
Para situarmos melhor a segunda tradição referida pela autora, é melhor, mais uma vez, entendermos este novo espaço social e econômico de onde traçamos nossas linhas de existência:
Devemos, pois, partir da transformação da produção em infoprodução, isto, é, produção de diferenças semióticas capazes de individuar complexos de objetos mentais, mas também capazes de mover processos materiais de transformação da matéria mecânica. Graças a digitalização, transforma-se todo o sistema de produção das mercadorias. As mercadorias revelam sempre mais um caráter semiótico, e o processo de produção e circulação das mercadorias é sempre mais redutível a seu caráter de comunicação. “A comunicação, que no fundo é o que são a realidade, as novas mídias e a tecnologia digital, não é somente um setor da economia. A comunicação é a economia. (BIFO, 2005, p.78)
O corpo, e a mente agora são mercadorias. São produtos. E estão vinculados e veiculados aos discursos que configuram a forma dos sujeitos pertencerem à sociedade. Condutas e atitudes são reconfiguradas para se adequarem às novas exigências do capital e de sua produção de uma sociabilidade dependente de sua produção.
O corpo então é condicionado por forças que não visam mais à verdade ou ao conhecimento da natureza íntima das coisas, mas somente à compreensão dos fenômenos para exercer a previsão e o controle. Estamos agora dentro de uma tradição fáustica.
Poderíamos insinuar, inclusive, que existe uma certa afinidade entre a técnica fáustica – com seu impulso para a apropriação ilimitada da natureza (humana e não-humana) – e o capitalismo, com seu impulso para a acumulação ilimitada de capital. Essa possibilidade parece estar atingindo hoje seu ápice, na corrida tecnológica que caracteriza a contemporaneidade e seu inextricável relacionamento com os mercados globalizados do capitalismo pós-industrial.(SIBILIA,2002,p.48)
Assim como o próprio capitalismo, o projeto fáustico distende seus tentáculos contra coisa que anteriormente eram tidas como certas e exatas, ou que não deveriam ser “importunadas” pelo homem. A distância geográfica é dizimada, as doenças são pensadas através de uma possibilidade de cura quase que infinita, o envelhecimento é recusado através de uma reconfiguração do próprio corpo com a ajuda da tecnociência. E finalmente, neste processo em que uma matriz sociotécnica é definida, inclusive a morte começa a ser negada e refutada. Tudo isso inserido em um sistema de capital que monetariza todo e qualquer movimento. Toda e qualquer energia mental gasta para pensar e produzir é capitalizada e transformada em produto.
Nesta tradição, os processos de produção de corpos e mentes não visam diretamente à melhorias de vida para o indivíduo e sociedade, mas sim para a produção de mais capital para manter o fluxo ininterrupto do dinheiro.
Nosso corpo é reconfigurado, ajustado, melhorado, refeito pelo doutor “Fausto”, mas há um preço para isso. Nada é de graça. Devemos pagar.
Os indivíduos tornaram-se ‘dividuais’, divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou ‘bancos’. É o dinheiro que talvez melhor exprima a distinção entre as duas sociedades, visto que a disciplina sempre se referiu a moedas cunhadas em ouro- que servia de medida padrão -, ao passo que o controle remete a trocas flutuantes, modulações que fazem intervir como cifra uma percentagem de diferentes amostras de moedas. (DELEUZE,1992, p.222)
Deleuze em seu Post-Scriptum ainda afirma que o homem originário de uma sociedade disciplinar era um produtor descontínuo de energia, e que o homem inserido em uma sociedade que ele mesmo determinou como “sociedade de controle” seria ondulatório, funcionando em órbita, num feixe contínuo.
Como referido anteriormente, temos agora um escravo de si. Um homem endividado. Corpo e mente conectado e dependente dos fluxos monetários que através da produção do desejo e do crédito fácil, aprisionam as massas nas malhas finas de um capitalismo fáustico.
Para o mercado, não é a troca o elemento destacado, mas sim a concorrência que seria o princípio de organização do mercado e da sociedade. Esse seria o objetivo das forças empreendidas pelo capitalismo. A concorrência gera a desigualdade, a empresa produz dentro dessa perspectiva, criando sonhos e ilusões e produzindo dispositivos de subjetivação que vão delineando e re-configurando o corpo e a mente dos homens e mulheres. (LAZZARATO,2011, p.18)
Neste processo de abarcar todas as possibilidades, esse capitalismo fáustico-pós-moderno, captura até mesmo a imagem do homem e a transforma em energia monetária. Não estamos nos referindo ao uso da imagem de pessoas em propagandas ou anúncios de produtos, mas sim do uso da imagem que o homem faz de si mesmo. Imagem que é publicada em redes sociais e sites de relacionamento.
A imagem de si: Fausto no espelho
No entanto, já não nos encontramos mais na sociedade disciplinar citada por Foucault. A própria transgressão agora é produto, embalada e vendida nas redes sociais, nas novelas, nos filmes, nos livros. Pasteurizou-se a indignação, a revolta, a criatividade e agora a indústria gerencia a máquina de guerra.
Talvez devêssemos a partir de agora pensarmos no conceito de Império produzido por Michael Hardt e Antonio Negri, (2001) visto que o poder e o controle agora estão nas mãos, ou melhor, nos tentáculos de uma criatura que está interligada e amalgamada em um sistema, em uma constituição “física”? Que não respeita nenhuma espécie de muro. A macro indústria, o Império.
E este Império é produzido e produz outro tipo de capitalismo:
Tal configuração permite, para diversos autores, identificar a existência de um capitalismo cognitivo, em ruptura com as formas de produção anteriores. Essa passagem implica e provoca novas reflexões sobre produção/circulação do conhecimento, a criação do novo e, enfim, sobre as condições e as modalidades de apropriação capitalista de uma riqueza que é produzida diretamente dentro das redes sociais, das quais o chão-de-fábrica depende cada vez mais..” (COCCO; VILARIN, 2009, pgs. 148,149)
A imagem nas redes sociais
Vende-se a moral, o risco e a criatividade. Aluga-se o saber… Tudo está em relação aos processos de produção e monetarização. A imagem da intimidade agora é produto, é dispositivo de formação de identidade. Sorrimos para a câmera, nas festas, nas ruas, em casa, dormindo, comendo. Às vezes até transando. O sexo deslocado para a banalidade da imagem digital torna-se mercadoria barata e acessível/acessada de forma quase que natural.
Franco Berardi Biffo (2005) já nos dizia de uma nova subjetividade que se formava através dos meios midiáticos da década de setenta. Uma geração pós-alfabética. Geração esta que fora criada sofrendo e se moldando aos ventos de todo um discurso lingüístico e semântico produzido pela televisão e pelo rádio. Geração esta que aprendia as primeiras palavras através dos programas feitos para e por estes meios, de forma fria e sem a afetividade dos pais. As imagens que vemos hoje, nas redes sociais; tweeter, facebook, e outros, são de pessoas que, como diz Paula Sibilia (2002) estão inseridas em uma matriz sociotécnica que as regula e gerencia, num processo contínuo de captura e formatação.
Busca-se dentro dessa nova subjetividade em que a diferença é a igualdade, em que a singularidade é a própria massa, espaços de resistência, dobras capazes de suportar este mar identitário que a todos arrasta. Agarrar-se a um Pequod vetusto e ensandecido e amarrar-se ao corpo de Moby Dick e afundar para ressurgir de olhos vermelhos pelo esforço em outro espaço, ou repetir mil vezes a fórmula de Baterbly ” I would prefer not” e recusar as ofertas e investidas do Império.
A imagem digital que perambula pela internet, essa imagem que faz seu show de intimidades nada mais é que um dos dispositivos deste novo poder advindo e gerenciado pelo capital cognitivo e pelo Império. Catalogação de nossas felicidades e dores. Modelo e formato. Cópias. Eco. Discurso do mesmo.
A imagem como discurso. Assim como o discurso tem seus mecanismos de sujeição do sujeito, a imagem como discurso também.
Progresso e desenvolvimento: sobre ilusões
Para concluir acho interessante focarmos nossa atenção ao discurso desenvolvimentista que compreende e abarca e produz (também) essa nova condição social, esse novo período histórico, essa tradição fáustica que delineia em nosso corpo e nossa mente, através de seus dispositivos de subjetivação outra forma de nos vermos como pessoas e nos relacionarmos com os outros.
O eco deste discurso é que todos os países seguem um mesmo padrão de desenvolvimento econômico através da história. Cada país teria um tempo e uma velocidade diferentes, e que todos atingirão um determinado crescimento se tiverem como modelo os grandes países e suas economias.
É dentro deste discurso que os pequenos países produzem desigualdades em busca de uma “igualdade econômica”. Os contextos históricos são outros. A condição de poder e manipulação de informações também.
Hoje tudo está conectado, interligado. Há um grande mercado gerenciando o dinheiro que nunca está em um ponto fixo, dinheiro-fluxo.
Perceber todos estes processos que configuram nossa forma de existir dentro desse período histórico não é pouco. Se não temos soluções imediatas para lidarmos com nossos problemas, pelo menos saber em quais os terrenos devemos produzir enfrentamentos e resistências já é um primeiro passo.
Bibliografia
COCCO, Giuseppe. VILARIM, Gilvan. O capitalismo cognitivo em debate. Liinc em Revista. Vol.5. Rio de Janeiro.2009.
DELEUZE, Gilles. GUATARRI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro. Ed.34. 1992.
_________________________________. Mil Platôs. Capitalismo e ESquizofrenia. Vol. 5. São Paulo. Ed. 34. 2002.
_________________________________. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.3. São Paulo. Ed. 34. 2007
_________________________________. Conversações.São Paulo. Ed. 34. 1992.
BIFFO. Franco Gerardi. Generación post-alfa, Patologías e imaginarios en el semiocapitalismo. Buenos Aires. Tinta Limón. 2007
___________________. A fábrica da infelicidade. Trabalho cognitivo e crises da new economy.Rio de Janeiro. DP&A.2005
HARDT, Michel. NEGRI, Antonio. Império. Rio de Janeiro. Record.2001
LAZZARATO, Maurizio. O Governo das Desigualdades. Crítica da insegurança neoliberal. São Carlos. Edufscar.2011.
SIBILIA, Paula. Show do eu: A intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 2008
_____________. O Homem Pós-Orgânico, corpo, subjetividade e tecnologias digitais.Rio de Janeiro. Relume Dumará. 2002
* Mestre em Educação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia Sul Rio-Grandense;Especialista em Literatura Contemporânea Brasileira pela UFPEL; Pós-graduação em Linguagens Verbais e Visuais pelo ISUL/PEL.
MARTINS, Ronie Von Rosa; Citações para Revista Partes