Adriana Inomata e Estefânia Barboza
O TSE colocou em pauta os processos de pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão com o julgamento de duas, das oito Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) as quais acusam Bolsonaro de se favorecer da invasão hacker em grupo virtual que reunia mais de 2,7 milhões de pessoas. O julgamento foi suspenso devido ao pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes. Os demais processos dizem respeito a acusações de abuso de poder econômico na instalação de outdoors, favorecimento de campanha pela Rede Record (já julgado improcedente e aguardando julgamento do recurso), e financiamento empresarial de disparos em massa de fake news no WhatsApp. Dentre eles, este último apresenta fortes indícios que sustentam a acusação e representa um jogo duro no processo democrático eleitoral.
A revolução tecnológica e o uso massivo das redes sociais têm impactado e alterado profundamente as relações privadas e públicas. O escândalo da Cambridge Analytica, que compreendeu o uso dados de 87 milhões de contas do Facebook e envolveu a campanha do presidente Donald Trump e do Brexit, demonstrou que as redes sociais e o uso de big data tornaram-se eficientes ferramentas para a cooptação de grandes massas e controle social. O disparo de mensagens em massa foi a principal estratégia de campanha eleitoral do então candidato à presidência Jair Bolsonaro. A Folha de S. Paulo, em reportagem publicada em outubro de 2019, revelou um esquema de contratação de agência de marketing espanhola por empresas brasileiras para a realização de disparos em massa via Whatsapp contra o PT, sendo que cada contrato chegava a R$ 12 milhões, que não foram contabilizados em contas oficiais de campanha. Com base nessas informações, quatro Ajifes foram propostas no TSE buscando anular a chapa.
A utilização da tática do disparo em massa de mensagens falsas em campanha eleitoral para manipular a opinião pública constitui-se meio ardil incompatível com a lisura e com as regras de um jogo eleitoral democrático e transparente. Em uma democracia, todos os candidatos devem ter iguais condições e oportunidades de realizar a campanha de maneira limpa, honesta e equilibrada.
A Constituição pune o abuso eleitoral, na sua forma mais grave, com cassação das candidaturas e inelegibilidade, com vistas a proteger normalidade e legitimidade das eleições. Conforme entendimento do TSE, mesmo que Bolsonaro e Mourão não tenham contribuído direta ou indiretamente para os disparos massivos das fake news, a chapa poderá ser cassada pelo fato de ser beneficiária da conduta configuradora de abuso de poder econômico, uma vez que a estratégia abusiva desequilibrou o pleito eleitoral.
Nesses julgamentos, o TSE tem um grande desafio, frente aos custos políticos que isso lhe impõe, de assumir o papel que a Constituição lhe incumbe como órgão que integra o Poder Judiciário brasileiro: de ser o guardião da democracia.
*Adriana Inomata, doutoranda em Direito da UFPR, é professora de Direito Constitucional da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo. Estefânia Barboza é professora de Direito Constitucional da Uninter e UFPR.