Educação Educação Educação Inclusiva

O ensino de Ciências e Biologia para alunos surdos: perspectivas, desafios e possibilidades

 

Bruna Dias Rios*

Leidiane Dias**

Cláudia Maria Soares Rossi***

Resumo: O presente estudo tem o objetivo de entender a atual realidade da Educação Inclusiva do aluno surdo na escola de ensino regular, identificando as perspectivas, desafios e possibilidades no ensino de ciências e biologia para alunos surdos. Desta forma, a pesquisa foi baseada em questionários semiestruturados para analisar as opiniões de alunos, professores e intérpretes de LIBRAS sobre estes temas. Os resultados indicaram que a inclusão de alunos surdos no Ensino Regular enfrenta alguns desafios, principalmente quanto a qualificação de professores, metodologias adequadas no ensino de ciências e biologia, conhecimento da língua de sinais pela família e comunidade escolar em geral.

Palavras chaves: Educação Inclusiva, Alunos Surdos, Ciências, Biologia, Língua de Sinais.

Abstract: The objective of this study is to understand the current reality of Inclusive Education of the deaf students in the Regular Education, identifying the perspectives, challenges and possibilities in science and biology teaching for deaf students. Furthermore, the research was based on semi-structured questionnaires to analyze the opinion of the teachers, students and sign language interpreters about these themes. The results indicated that the inclusion of deaf students in Regular Education faces difficulties which are related with teacher qualification, appropriate methodologies in sciences and biology teaching, knowledge of the sign language by deaf´s family and school community in general.

Keywords: Inclusive Education, Deaf Students, Science, Biology, Sign Language.

Introdução

A educação inclusiva está cada vez mais ganhando espaço na trajetória escolar. De acordo com ROCHA (2017), em meados de 1990, profissionais, pais e o governo começaram a refletir sobre os alunos que apresentavam dificuldades de aprendizagem, desencadeando um maior incentivo para a inclusão destes no ensino regular. ROCHA (2017) ressalta ainda que os alunos com necessidades educacionais especiais requerem uma maior atenção e suporte, com recursos adequados, a fim de estabelecer realmente uma educação inclusiva.

A criação da Política de Educação Especial (BRASIL, 2008) foi um ponto fundamental para que posteriormente os alunos com necessidades especiais tivessem uma atenção direcionada às suas limitações e se sentissem dentro de seus direitos.

A LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) foi oficializada como meio legal de comunicação e expressão por meio da Lei nº.  10.436, de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002). Inicialmente, a LIBRAS era utilizada por todos indivíduos surdos e para aqueles que apresentavam distúrbios na fala e precisavam desta para a compreensão no processo de ensino-aprendizagem. Atualmente, a LIBRAS é uma ferramenta muito importante na educação de surdos e contribui para que os surdos tenham maior interação com os ouvintes, construindo sua própria linguagem e expressão na sociedade (AMARAL & SANTOS, 2017). Segundo ROSA (2011), a inclusão de surdos no processo educacional requer a interação dos envolvidos, os quais compartilham ideias e estabelecem o respeito pelas diferenças culturais e sociais, caso contrário, seria um processo de justaposição.

O conhecimento científico de Ciências e Biologia aparenta ser um desafio no ensino para alunos surdos. Segundo REIS & SILVA (2012), a falta de formação continuada de professores e a falta de fontes bibliográficas direcionadas para o ensino de Ciências para alunos surdos é uma barreira na educação inclusiva. Além disso, SANTOS & LOPES (2017) destacam que os alunos surdos necessitam de outros métodos visuais, além da LIBRAS, para uma melhoria na aprendizagem dos conteúdos.

Tendo em vista a preocupação com a inclusão de alunos surdos no ensino regular, à necessidade de métodos específicos para o processo de inclusão, a presente pesquisa foi desenvolvida com a finalidade de analisar e identificar as perspectivas, desafios e possibilidades no ensino de ciências e biologia para alunos surdos.

Metodologia de pesquisa

A presente pesquisa teve como metodologia uma abordagem qualitativa, sendo os participantes: 3 professores de Ciências/Biologia, 4 intérpretes de LIBRAS e 31 alunos surdos do Ensino Fundamental e Médio de quatro escolas públicas de ensino regular do estado de Minas Gerais.

Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário semiestruturado para analisar a opinião e posicionamento dos envolvidos na pesquisa. As questões abordaram o âmbito da inclusão de alunos com deficiência auditiva no ensino de ciências/biologia, destacando pontos como: vantagens e desvantagens da inclusão, principais desafios no processo ensino-aprendizagem, o uso da LIBRAS pelos pais e profissionais da educação, metodologias utilizadas dentro de sala de aula e sugestões para uma efetiva Educação Inclusiva.

Resultados e Discussões

Perspectivas sobre a inclusão

De uma forma geral, a inclusão de alunos surdos na escola de ensino regular é vista pelos entrevistados como uma oportunidade de integração, socialização, difusão da LIBRAS e contato entre surdos e ouvintes. Há um consenso sobre a falta de preparo da escola, levando em consideração aspectos relacionados à capacitação dos professores, estrutura, recursos e materiais didáticos.

O Bilinguismo tem como pressuposto básico a língua de sinais como a primeira e natural língua dos surdos (REIS & SILVA, 2012). Uma das intérpretes entrevistada defende que a inclusão é um direito do surdo e ressalta que é preciso entender que a LIBRAS é a primeira língua do surdo e sugere que ela seja utilizada no ambiente escolar, afirmando que assim o surdo terá acesso à cultura e ao convívio social.

Desafios e dificuldades no ensino de ciências/Biologia para alunos surdo

Diante da análise dos questionários, observou-se que há uma grande lacuna entre professor, aluno e intérprete no que diz respeito à comunicação, a qual é a principal ferramenta no processo de ensino-aprendizagem. A LIBRAS ainda não é utilizada como primeira língua do surdo no ambiente escolar. Os resultados mostram, assim como em outros estudos (OLIVEIRA & BENITE, 2015; LEMOS et al., 2017), que a ausência do bilinguismo nas salas de aula é o principal desafio encontrado no ensino e aprendizagem de ciências/biologia para alunos surdos. Dos professores entrevistados, apenas um possui facilidade de se comunicar em LIBRAS, os demais tentam estabelecer outras formas de comunicação.

Sendo assim, os alunos necessitam de um intérprete de LIBRAS para mediar a comunicação e o acesso aos conteúdos. Segundo os entrevistados, a presença do intérprete na sala de aula é fundamental, uma vez que este medeia a comunicação dos alunos surdos com o professor e demais alunos, contribuindo com melhor compreensão do conteúdo. Alguns alunos chegaram a relatar que acompanhados do intérprete se sentem importantes, confiantes e inclusos na sociedade.

O intérprete repassa ao aluno o que ele compreende, sendo importante que ele tenha o mínimo de conhecimento científico para que possa compreender e traduzir o conteúdo para o aluno.  MAGALHÃES (2013) destaca que o papel do intérprete vai além da tradução da mensagem, este interpreta temas e situações de forma a incorporar conceitos e processos relacionados a realidade do aluno.

No estudo realizado por Lemos e colaboradores (2017), a maioria dos professores entrevistados concordaram que o intérprete é responsável por realizar total comunicação na sala de aula, ou seja, ele é responsável por realizar a inclusão dos alunos surdos.  Entretanto, segundo Lacerda (2000), a inclusão deve partir do comprometimento de toda a comunidade escolar, portanto somente a presença do intérprete não garante a inclusão.

Nenhum dos professores tiveram disciplina ou curso de capacitação em LIBRAS durante sua formação acadêmica. Os resultados, assim como os encontrados por Lemos e colaboradores (2017) mostram que a formação e capacitação ainda é uma deficiência nos cursos de licenciatura e, mesmo sendo estabelecido por Lei, Decreto n°. 5.626/2005 (BRASIL, 2005), poucos cursos oferecem formação em LIBRAS durante a licenciatura, o que acarreta despreparo dos futuros professores que lecionarão para alunos surdos.

A faixa etária dos entrevistados, compreendida entre 12 e 22 anos, indica que os pais inserem seus filhos mais tarde no ensino regular. Tal atitude pode ter influência no ensino, como: maior dificuldade na escrita e socialização dos alunos, um baixo desempenho escolar e uma menor internalização dos conteúdos.

Os obstáculos mais citados no ensino de Ciências/Biologia para alunos surdos foram: a falta de recursos visuais para o entendimento de estruturas e conteúdos abstratos, o não uso de técnicas adaptadas pelo professor regente, como simplificação de termos e fala vagarosa, falta de laboratórios e a grande quantidade de termos científicos que não possui sinais específicos em LIBRAS. Segundo MARINHO (2007), a falta de equivalência para algumas palavras em LIBRAS, cria uma lacuna na informação e posteriormente um lapso na sequência da aprendizagem.

Botânica, organelas celulares, microbiologia e os conteúdos relacionados à iniciação do estudo da física e da química foram os conteúdos apontados como os mais difíceis no ensino e aprendizagem pelos estudantes surdos.

Metodologias utilizadas pelos professores no ensino de Ciências/Biologia

A maioria dos professores utilizam diferentes recursos e metodologias para facilitar a aprendizagem e torná-la mais significativa. Dentre elas, foram citadas: modelos anatômicos, vídeos, imagens, textos, data show, jogos, aulas práticas, atividades xerografadas em português e LIBRAS.

Alunos e intérpretes concordam que recursos visuais são os que mais contribuem para a aprendizagem dos alunos surdos e ressaltaram que a realização de aulas de campo e práticas contribuem muito para a compreensão do conteúdo. Um dos professores relatou que mesmo demandando mais tempo, o uso de metodologias diferenciadas e visuais contribuem para o ensino/aprendizagem de surdos e ouvintes.

Alguns estudos mostram que os indivíduos surdos possuem dificuldade em adquirir conhecimentos em geral e em utilizar a linguagem escrita, mesmo após alguns anos de escolarização, pois muitos das práticas pedagógicas utilizadas não suficientes para a aprendizagem significativa destes alunos (LACERDA, 1996; GÓES, 1996).

Participação dos pais

Professores e intérpretes concordam que os pais deveriam conhecer a LIBRAS e ter uma participação assídua na vida escolar do seu filho, facilitando assim a comunicabilidade e consequentemente a inclusão na escola.

Possibilidades didáticas

Na atualidade, com a internet e vários recursos digitais, há novas possibilidades e ferramentas que podem auxiliar o professor na comunicação com o aluno surdo e na elaboração de materiais didáticos.

Está disponível na internet gratuitamente o aplicativo Hand Talk© (https://www.handtalk.me/app) onde é possível traduzir automaticamente texto e áudio para a Língua Brasileira de sinais. Esse aplicativo foi eleito pela ONU como o melhor aplicativo social do mundo e através de uma parceria do Ministério da Educação ele está presente em milhares de escolas do Brasil, auxiliando professores e alunos a se comunicarem melhor.

Em uma parceria com intérprete de LIBRAS, o professor pode procurar conhecer quais termos científicos não possui sinal e elaborar um sinalário para estes termos, assim o aluno poderá sempre associar o sinal ao termo.

Quanto aos conteúdos abstratos, o professor pode trabalhar os conteúdos tentando aproximá-lo a realidade do aluno. Os alunos afirmam que possuem facilidade em aprender quando o conteúdo é associado ao seu contexto de vida.

Conclusão

Concluiu–se que a inclusão contribui para a socialização do aluno surdo, porém ainda há uma lacuna na comunicação em LIBRAS desde a relação familiar ao ambiente escolar, o que se agrava com a falta de recursos e capacitação dos profissionais.

Quanto aos recursos e metodologias didáticas, os recursos visuais foram apontados como melhores ferramentas de ensino na área de Ciências/Biologia pelos professores, alunos e intérpretes.

Há um consenso sobre a relevância do intérprete na sala de aula. OLIVEIRA & BENITE (2015), argumentam que o intérprete deve trabalhar juntamente com professor de Ciências, para que a mensagem seja melhor entendida.

Além disso, conteúdos abstratos e a grande quantidade de termos científicos que não possuem um sinal em LIBRAS foram as dificuldades mais citadas no ensino de Ciências/Biologia. REIS & SILVA (2012) relatam que a inexistência de fontes bibliográficas especificamente na área da Ciências para alunos surdos é um desafio na educação inclusiva.

A fim de resolver essa situação, um conjunto de medidas devem ser sugeridas, como: o investimento em recursos visuais e aulas práticas; a orientação dos pais pelos profissionais da educação contribuiria para a inserção dos surdos no ensino regular no tempo adequado e o conhecimento da família sobre a língua de sinais; e a implantação da LIBRAS como disciplina obrigatória nos cursos de licenciatura, práticas em LIBRAS e capacitação de professores são medidas necessárias para que o processo de inclusão de alunos aconteça de forma efetiva.

Referência Bibliográfica

AMARAL, S. C; SANTOS, R. M. O surgimento da LIBRAS e sua importância na comunicação e educação de surdos. IV Congresso Nacional de Educação – CONEDU. Piauí, 2017. Disponível em: <https://www.editorarealize.com.br/revistas/conedu/trabalhos/TRABALHO_EV073_MD1_SA10_ID2368_16102017221540.pdf>. Acesso em: 01 out. 2019.

BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 abr. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>. Acesso em: 28/07/2019.

BRASIL. Decreto Federal n°. 5.626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 dez. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm>. Acesso em: 28 ago. 2019.

BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: Ministério da Educação, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 01 out. 2019.

GÓES, M. C. R. Linguagem, surdez e educação. Campinas/ SP: Autores Associados, 1996.

HAND TALK. Acessibilidade em LIBRAS. 2019. Disponível em: <https://handtalk.me/Aplicativo>. Acesso em 25/08/2019.

LACERDA, C. B. F. O processo dialógico entre aluno surdo e educador ouvinte: examinando a construção de conhecimentos. Tese de Doutorado pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP, São Paulo, 1996.

LACERDA, C. B. F. A inserção da criança surda em classe de crianças ouvintes: focalizando a organização do trabalho pedagógico. Anais da 23º Reunião Anual da ANPED. Caxambú: ANPED, 2000.

LEMOS, A. B. S.; CASTRO, L. H. P.; CONDE, I. B.; MENDES, R. M. S.; PANTOJA, L. D. M. Ensino de Ciências e a Inclusão do aluno surdo: percepções de professores de um município cearense. DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, v. 4, p. 75-84, jul/dez. 2017.

MAGALHÃES, F. G. L. O Papel do Intérprete de Libras na Sala de Aula Inclusiva. Revista Brasileira de Educação e Cultura, Centro de Ensino Superior de São Gotardo, v., n. 7, p. 73 – 86, 2013.

MARINHO, M. L. O Ensino de Biologia: o intérprete e a geração de sinais. Dissertação de Mestrado pela Universidade de Brasília, UNB, Brasília, 2007.

OLIVEIRA, W.  D.; BENITE, A. M. C. Aulas de ciências para surdos: estudos sobre a produção do discurso de intérpretes de LIBRAS e professores de ciências. Ciência e Educação, Bauru, v. 21, n.2, p. 457-472,2015.

REIS, E. S; SILVA, L. P. O ensino das ciências naturais para alunos surdos: concepções e dificuldades dos professores da escola Aloysio Chaves – Concórdia/PA. Revista do EDICC (Encontro de Divulgação de Ciência e Cultura), v. 1, n.1, p. 240 – 249, out/2012.

ROCHA, A. B. O. O papel do professor na Educação Inclusiva. Ensaios Pedagógicos, v.7, n.2, jul/dez. 2017.

ROSA, E. F. Educação de Surdos e Inclusão: Caminhos e Perspectivas atuais. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.19, n2, p.146-157, jul/dez. 2011.

SANTOS, N. A; LOPES, E. T. Ensino de ciências para surdos numa perspectiva de inclusão escolar: um olhar sobre as publicações brasileiras no período entre 2000 e 2015. Debates em Educação, v. 9, n. 18, mai/ago. 2017.

* Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa.

** Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Viçosa.

*** Mestra em Educação pela Universidade Federal de Lavras.

 

 

 

 

DIAS, L.; RIOS, B. D.; ROSSI, C. M. S. O Ensino de Ciências e Biologia para alunos surdos: Perspectivas, Desafios e Possibilidades. Como publicar na Revista Virtual P@rtes. xxxxx

Deixe um comentário