VOCÊ SABE POR QUE AMAZÔNIA?
Genivaldo F. Scaramuzza*
Ao sistematiza relatos sobre as maiores catástrofes epidemiológica da história, o médico brasileiro Joffre Marcondes de Rezende informa que a peste negra foi “a mais trágica epidemia que a história registra, tendo produzido um morticínio sem paralelo. Foi chamada Peste Negra pelas manchas escuras que apareciam na pele dos enfermos. Como em outras epidemias, teve início na Ásia Central, espalhando-se por via terrestre e marítima em todas as direções” (REZENDE, 2009, p. 78). Os números são imprecisos, porém estima-se mortes que passaram de cem milhões de pessoas por toda a Europa e Ásia.
A historiadora Neide Gondim da Universidade Federal do Amazonas evidencia que o desejo corrente na Europa de fins da idade média e início do período moderno era encontrar o paraíso, lugar este que estaria longe dos flagelos, da forme, da morte e do desespero que assolava o mundo conhecido da época.
Esse desejo alimentou expedicionários que seguiram rumo ao desconhecido convencidos de que pudessem encontrar saídas para tamanha tramaticidade. Assim, “a atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais, resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os séculos XVI e XIX que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos povos autóctone” (COSTA, 2009, p. 01), nas relações de “compartilhamento” de formas de vida e de relação ser humano – natureza. Após a “conquista” do que ficou conhecido na Europa como “novo mundo”, as potências europeias, Portugal e Espanha, que haviam impetrado incursões às terras do hemisfério sul, resolveram assinar “o tratado de Tordesilhas, que dividia o “novo” continente entre as coroas de Portugal e Espanha, estabelecia que quase toda a Amazônia […] pertencia à Espanha” (NUNES, 2010, p. 01).
O autor mostra que foi só a partir de 1539 que os espanhóis iniciaram “[…] uma expedição sob o comando de Gonzalo Pizarro, cujo objetivo era desbravar as terras de oeste para leste até chegar ao oceano atlântico” (NUNES, 2010, p. 01), e que, em dado momento, a expedição foi dividida, sendo que apenas uma parte conseguiu ir em frente, sob o comando de Francisco de Orellana (NUNES, 2010). Tais expedicionários, “alimentavam” seus espíritos e imaginações com os mitos recorrentes na Europa, principalmente as histórias fantásticas narradas por “grandes” historiadores Greco-romanos e também aquelas histórias derivadas das tradições judaico-cristãs. Smiljanic (2001) mostra que é com tal imaginação que muitas das formações expedicionárias ao novo mundo, comparavam aquilo que viam com as histórias que conheciam, e com isso, pensavam ter a possibilidade de encontrar a “natureza”, tanto dos mitos canônicos, como daqueles grandiosos mitos greco-romanos gravados em suas memórias, ou seja, “[…] os relatos sobre o Novo Mundo buscaram na mitologia e no senso comum europeu as imagens mediadoras para posicionar-se frente a essa nova alteridade” (SMILJANIC, 2001, p. 09).
Já se sabia neste tempo do mito das “[…] amazonas, mulheres com características masculinas, habitavam o espaço imaginário que se contrapunha simbolicamente à polis” (WOORTMANN, 2000, p. 20). Eram mulheres guerreiras que, de certa forma, amedrontavam o imaginário dos homens, constituíam um mundo em separado, uma tribo de mulheres valentes, é assim que,
[…] as amazonas (a-mazós, sem seios) se inscrevem na oposição/complementaridade entre guerra e casamento (homens e mulheres), como a inversão de tal complementaridade. Segundo Estrabão, elas repudiavam o casamento. Encontravam-se sexualmente com homens de outro povo aos quais entregavam seus filhos, se do sexo masculino, mantendo consigo apenas as meninas (WOORTMANN, 2000, p. 21).
Com a forte imaginação de que possivelmente o novo mundo com características tão diversas das já conhecidas pelos europeus, pudessem conter informações para além de uma suposta “normalidade”, tais expedicionários seguiam admirados com “aquelas terras dilatadíssimas, de clima tórrido e selva opulentas, enredadas em mil correntes de água, furos, igarapés, várzeas alagadiças, infestadas e uma fauna hostil” (HOLANDA, 2000, p. 30). Em sua “visão do paraíso”, o historiador Sérgio Buarque de Holanda, mostra que,
[…] tendo saído de quito em 1541 rumo ao imaginário país da canela, Francisco de Orellana e seus companheiros, antes mesmo de alcançar o Maxifaro e a terra dos Omágua, foram avisados pelo cacique Aparia de que, águas abaixo, no grande rio se achavam amazonas (HOLANDA, 2000, p. 31).
É com esse ímpeto de que possivelmente teriam que lutar com uma tribo de mulheres guerreiras que os expedicionários seguiram viagem. De acordo com Holanda (2000) foram os relatos do frei Francisco Gaspar de Carvajal, escrivão oficial da referida expedição que deu conta do referido confronto. Extasiado com a viagem e, supondo estar diante de um achado histórico que certamente impressionaria o velho mundo europeu, Carvajal escreveu estar diante de inúmeras mulheres guerreiras que certamente seriam as mulheres amazonas, correspondente ao mito narrado por Heródoto (WOORTMANN, 2000). “Abrasados da admiração”, os relatos mostram que essas tais mulheres “eram membrudas, de grande estatura, e brancas. Tinham cabeleira muito longa, trançada e revoltada no alto da cabeça; andavam nuas, com as vergonhas tapadas” (HOLANDA, 2000, p. 32). Ainda neste sentido, o autor escreve que, “[…] uma só, entre elas, valia no combate por dez homens”.
É o próprio frei Francisco Gaspar de Carvajal que ao querer compreender quem eram essas mulheres, ouve de um indígena local que, para elas, “os filhos machos, quando os tinham, tratavam elas de matá-los ou enviá-los aos pais, só guardando consigo as mulheres, que criavam com grande regozijo” (HOLANDA, 2000, p. 33). Smiljanic (2001) argumenta ao escrever sobre o processo de invenção da Amazônia no interior do pensamento europeu que, “[…] a história das amazonas teria sido disseminada na península ibérica por meio dos relatos feitos sobre a viagem de Orellana […] e sua viagem nos oferece um relato detalhado sobre o encontro da expedição com essas mulheres” (SMILJANIC, 2001, p. 11).
Com tais descrições, as terras das amazonas, agora localizadas muito além de suas “origens” no mito Grego, ganharam corpo na Europa e alimentaram ainda mais as imaginações expedicionárias, que neste ínterim, já estavam à procura do novo eldorado, ao tempo que o vasto território desconhecido dos europeus já havia sido cristalizado como terras das amazonas, sendo posteriormente identificado com o neologismo – Amazônia.
Referências
COSTA, Kelerson Semerene. Apontamento sobre a formação da Amazônia: uma abordagem continental. Revista Série Estudos e Ensaios. v.1 ano. 2. Flacso. Jun. p. 01-25, 2009.
GONDIM, Neide. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 2006.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Visão do Paraíso. São Paulo: Brasiliense, 2000.
NUNES, Dorisvalder Dias. Rondônia: ocupação e ambiente. Revista Presença. Ano XI, n. 14. Disponível em: <http://www.revistapresenca.unir.br/boletim-presen%C3%A7a/07dorisvalderdiasnunesrondoniaocupacaoeambiente.pdf> Acessado em Julho de 2013.
REZENDE, JM. À sombra do plátano: crônicas de história da medicina [online]. São Paulo: Editora Unifesp, 2009. As grandes epidemias da história. pp. 73-82.
SMILJANIC, Maria Inês. Da “invenção” à “descoberta científica” da Amazônia: as diferentes faces da colonização. Revista Múltipla. Brasília, n.6 v.10, p. 9-38,2001
WOORTMANN, Klaas. O Selvagem e a História: Heródoto e a questão do outro. Revista de antropologia. São Paulo, USP, v. 43 no 1, p. 13 – 59, 2000.
* Professor da Universidade Federal de Rondônia – Doutor em Educação.
* * Supervisora escolar – Mestre em Educação.