Por Larissa Caldin
“Distopia”, de acordo com Houaiss, é “qualquer representação ou descrição de uma organização social futura caracterizada por condições de vida insuportáveis, com o objetivo de criticar tendências da sociedade atual, ou parodiar utopias, alertando para os seus perigos”. Essa palavra ecoou por todos os corredores (e olha que são muitos!) da Frankfurt Book Fair deste ano, que ocorreu entre os dias 14 e 18 de outubro.
Na semana passada estive na feira representando a Primavera Editorial, editora que apresenta obras inteligentes, instigantes e acalentadoras para a mulher que busca respeito social e condições para fazer as próprias escolhas. O meu objetivo nas feiras internacionais – London Book Fair e a Frankfurt Book Fair, por exemplo – é identificar, norteada pela nossa linha editorial, as tendências internacionais que têm espaço e representatividade no Brasil. A proposta dessa análise é, sempre que possível, adquirir os direitos de tradução de obras que possam ser lançadas no Brasil.
Nesta feira do livro de Frankfurt ficou visível que uma das maiores tendências editoriais – quando se fala em livros focados no universo da mulher – é a distopia feminista. Isso se deve muito por conta da explosão de vendas do livro da canadense Margaret Atwood, O conto da aia, que vendeu mais de 8 milhões de cópias desde o relançamento. O que mais acho interessante nesse case é o fato de o livro ser de 1985 e ter voltado à tona após a ascensão de Trump e Marine Le Pen. Aliás, não por acaso, já que a narrativa apresenta semelhanças com alguns dos discursos propagados por esses líderes.
A feira, que antes era uma corrida para captar o lançamento mais recente, na tentativa de lançamentos mundiais sincronizados – e sempre renegando os livros mais antigos –, este ano me surpreendeu com agentes, apresentando livros de 1983, 1988 e 1994, todos nessa temática.
E embora O conto da aia seja um clássico do gênero da distopia – assim como Kindred, de Octavia E. Butler, publicado em 1979 – há muita produção atual sendo inspirada neles, como As horas vermelhas: para que servem as mulheres, Vox, O poder, todos publicados em 2018.
O que penso, do ponto de vista editorial, sobre tudo isso? Precisamos usar a literatura para falar sobre aquilo que nos incomoda. As distopias feministas chegam, pela lente da ficção, trazendo assuntos que andam nos preocupando – e isso não apenas no cenário nacional, mas em todo o mundo. Em uma entrevista em 2018, Atwood fala que esses livros “de certa forma são meio que manuais, ou livros do tipo ‘e se fosse comigo?’. O conceito de que a história é sempre progresso é uma ilusão”.
Como publisher, trouxe da feira conteúdos bons; atuais e importantes nesse gênero. O objetivo é que nossas leitoras e leitores consigam ler tais livros tanto pela ótica da ficção, quanto pelo olhar social que, inevitavelmente, tal tendência carrega em suas páginas.
Larissa Caldin é publisher da Primavera Editorial