Tássia Rodrigues Moreira[*]
RESUMO
Neste estudo serão analisadas a indisponibilidade e penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira. A legislação prevê sua realização sem ciência prévia ao executado e, paralelamente, dispõe que a decisão do juiz deve ser antecedida de manifestação das partes. Através da normativa, procurou-se verificar eventual falha do legislador por não expressar o momento exato para o ato, se resulta insegurança jurídica para a sua aplicação, constatando que se deve primar pela interpretação na sua a aplicação, em consonância com as normas fundamentais de processo civil.
Palavras-chave: Indisponibilidade, Penhora, Ativos financeiros, Execução
ABSTRACT
This study will analyze the unavailability and attachment of cash on deposit or financial application. The legislation provides for its execution without prior knowledge to the executed and, in parallel, provides that the judge’s decision must be preceded by the parties’ statement. Through the normative, it was tried to verify eventual failure of the legislator for not expressing the exact moment for the act, if it results legal uncertainty for its application, finding that it must prevail for the interpretation in its application, in line with the fundamental norms of civil procedure.
Key words: Unavailability, Attachment, Financial assets, Execution
INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil, relativamente recente, foi elaborado com o objetivo de melhor eficiência do processo, em conformidade aos princípios da razoável duração, economia processual e garantia da segurança jurídica, de modo a exigir decisões fundamentadas e promover a estabilidade jurisprudencial. Em termos de processo executivo, o objetivo é a satisfação de um crédito. O pagamento se dá através da entrega da quantia devida ou da adjudicação dos bens penhorados. O juiz autorizará que o exequente levante o dinheiro penhorado ou depositado em garantia do juízo até a satisfação integral de seu crédito.
No presente trabalho, analisar-se-á a indisponibilidade e penhora de ativos financeiros, dentre outras peculiaridades da execução. A exata compreensão acerca do momento de decretação da indisponibilidade dos bens do devedor, assim como realização da penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira é de extrema relevância, uma vez que a medida necessita ser eficaz sob o ponto de vista do adimplemento do credor e, paralelamente, observar os direitos da parte executada.
Em seu art. 854, o Código prevê que o referido ato deverá ser realizado sem dar ciência prévia ao executado, mas não esclarece o momento exato para tal. Isso faz questionar se os princípios consagrados na normativa serão devidamente observados, de modo que alguns magistrados analisarão o requerimento executivo quando do seu recebimento e, outros, após manifestação inequívoca das partes, respeitando, principalmente o contraditório.
Demonstrada a relevância do tema, a sua análise é imprescindível, como se verá ao longo deste artigo.
PENHORA ON-LINE
A penhora de dinheiro, também denominada penhora on-line, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n° 11.383/2006, que acrescentou o art. 655-A ao Código de Processo Civil de 1973. Autorizava que o juiz requisitasse informações ao sistema financeiro nacional sobre a existência de ativos financeiros em nome do executado, podendo determinar a indisponibilidade sobre o valor indicado na execução.
É fruto de convênio realizado entre o Poder Judiciário e o Banco Central. Originalmente, foi adotado pela Justiça do Trabalho e, após incorporado pela justiça comum. O procedimento tem início quando o juiz requisita informações sobre a existência de saldo bancário em nome do devedor. Na existência de ativos financeiros, o juiz expede uma ordem de bloqueio e, assim, se efetiva a penhora on-line, fundamental para a alcançar a efetividade da tutela.
Apesar do código revogado não dispor sobre o momento para realização dessa modalidade de penhora, na maioria das vezes, a penhora eletrônica era realizada somente após a citação. Com isso, muitas vezes o ato expropriatório tornava-se infrutífero. A parte executada era citada nos autos da execução e acabava desfazendo-se de seus bens, inclusive do saldo bancário, simulando insolvência.
Dessa forma, o interesse do credor não era atingido e a prestação da tutela jurisdicional não se mostrava eficaz. O legislador, no intuito de modificar tal situação, incluiu no Código de Processo Civil de 2015 a possibilidade de realização de penhora de ativos financeiros em nome executado com a realização da indisponibilidade sem ciência prévia do devedor, nos moldes do art. 854.
Em que pese o avanço do texto normativo sob determinados aspectos, o código de 2015 também faz menção a outras medidas executivas e estabelece que a penhora, de um modo geral, deve ser realizada após a citação do executado.
Diante disso, surgem diferentes interpretações e críticas à inovação legislativa sobre o momento correto para realização da indisponibilidade dos ativos financeiros e penhora de bens. Ao longo deste trabalho, analisam-se tais disposições, de modo a alcançar interpretação favorável ao exequente sem ferir os princípios máximos consagrados pela legislação.
REQUERIMENTO DO EXEQUENTE
A execução por quantia certa está prevista Código de Processo Civil, a partir do art. 824, e deve ser realizada pela expropriação dos bens do executado. O art. 835 do mesmo diploma legal, em seu § 1º, estabelece que a penhora de dinheiro prefere aos demais bens e é prioritária em qualquer hipótese. Por sua vez, o art. 854 trata da penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira.
A norma expressa que a penhora de dinheiro só será realizada a requerimento da parte exequente, mas, em tese, independe do prévio esgotamento das diligências. Com relação ao cumprimento de sentença para pagamento de quantia, poderá ser provisório ou definitivo, mas também sempre mediante requerimento do exequente.
Os dispositivos legais mencionados tratam de requerimento executivo, o qual não tem aplicação para obrigações específicas. Também não se confunde com petição inicial, porque o requerimento executivo não contém pedido de citação. Ademais, possui requisitos específicos, devendo sempre ser instruído com demonstrativo discriminado e atualizado do crédito.
Assim, a partir da norma processual, é possível constatar que a realização da penhora de dinheiro, em qualquer hipótese, realizar-se-á tão somente após requerimento do exequente para, através de sistema eletrônico integrante do sistema financeiro nacional, sejam tornados indisponíveis os ativos financeiros da parte devedora. Não se cogita, assim, da realização da penhora on-line de ofício.
É sabido que a execução não deve ser iniciada sem o requerimento do credor quando o mesmo tem por objeto a expropriação, pois é o ato executivo mais gravoso. No entanto, sabe-se, também, que é dever do Estado a prestação da tutela jurisdicional.
Fica o questionamento se o legislador deveria ter excluído da norma a exigência de requerimento do credor. Indaga-se, também, se haveria violação da orientação constante das normas fundamentais do processo civil, já que com o início da execução, o Estado é provocado a satisfazer o credor – sendo o seu dever o desempenho da tutela jurisdicional.
A partir das normas fundamentais de processo civil constantes nos artigos 1° a 12 do Código de Processo Civil, especialmente da leitura dos princípios da razoável duração do processo e da cooperação, conclui-se que a prestação da tutela jurisdicional, com a consequente satisfação da norma jurídica revelada no título executivo, é dever do Estado e, portanto, em tese, não dependeria de requerimento do exequente para o adimplemento da obrigação.
No âmbito prático, a intimação imediata do executado sem a necessidade de requerimento do exequente se mostraria mais eficaz, além de que estaria em consonância com os princípios da celeridade e da economia processual, direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal. Nas palavras de Theodoro Júnior:
O princípio da economia processual vincula-se diretamente com a garantia do devido processo legal, porquanto o desvio da atividade processual para os atos onerosos, inúteis e desnecessários gera embaraço à rápida solução do litígio, tornando demorada a prestação jurisdicional. Justiça tardia é, segundo a consciência geral, justiça denegada (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 39).
MOMENTO DA INDISPONIBILIDADE E PENHORA DE ATIVOS FINANCEIROS
O pagamento do credor ocorre pela entrega do dinheiro ou pela adjudicação dos bens do devedor. Se o devedor não entrega a quantia devida espontaneamente, o credor pode se valer do processo executivo e seus meios para ver penhorado o patrimônio do devedor e obter o adimplemento do seu crédito.
De acordo com o princípio da satisfatividade, a penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem, para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios.
Segundo os artigos 523 e 829 do Código de Processo Civil, o mandado executivo deve ser expedido pelo órgão judicial logo após o recebimento da inicial, devendo constar a citação do devedor e sua intimação para cumprimento da obrigação no prazo de três dias, sob pena de realização da penhora. Entretanto, o art. 854 do mesmo diploma, dividiu a penhora de dinheiro em dois atos: a indisponibilidade e a penhora propriamente dita.
A indisponibilidade dos ativos financeiros não se confunde com a penhora. Indisponibilidade é o ato de bloqueio dos ativos financeiros em conta do devedor. Penhora, por sua vez, é o ato de apreensão e depósito, que no caso da constrição de dinheiro, se aperfeiçoa com a transferência da quantia colocada como indisponível para uma conta do juízo. Enquanto não realizado o depósito, não haverá penhora.
É possível constatar que no caso da constrição de dinheiro, o momento para não dar ciência prévia ao executado é aquele que antecede o prazo para pagamento, quando do recebimento da inicial ou do requerimento executivo. Ou seja, a indisponibilidade pode ser determinada desde logo, mas a penhora só será efetivada depois que concedida a oportunidade de insurgência aos valores bloqueados.
A palavra indisponibilidade foi muito bem alocada no texto legal, de modo a esclarecer e não deixar dúvidas de que, diferente do que ocorria no código de 1973, o juiz não mais requisita informações sobre a existência de ativos em nome do executado para depois bloquear. Agora, o magistrado prontamente determina a indisponibilidade do valor postulado na execução.
Também é possível medida cautelar de arresto de bens de devedor não encontrado, sendo dever do oficial de justiça arrestar bens suficientes a garantir a execução (art. 830 do CPC). O oficial deverá, ainda, procurar o executado duas vezes, em dias distintos, dez dias depois da efetivação do arresto. Havendo suspeita de ocultação do executado, realizará a citação por hora certa. A penhora será realizada se, aperfeiçoada a citação, transcorrer o prazo para pagamento sem qualquer manifestação do devedor.
Há entendimento de que essa medida é executiva e não tem caráter cautelar:
Este arresto não se confunde com o arresto cautelar, a que alude o art. 301 do CPC. Possui natureza executiva e não cautelar, sendo irrelevante a presença ou não da aparência do direito ou do perigo de dano irreparável para a sua concessão. Sua natureza executiva decorre do fato de que antecipa as consequências da penhora, não se prestando apenas para garantir a futura execução, como ocorre com o arresto cautelar. Trata-se de medida de independe de decisão judicial, incidindo diante da simples não localização do executado para a citação (MARINONI, 2015, p. 89).
O arresto sobre os bens do devedor pode ser realizado sobre qualquer bem de sua propriedade, desde que penhorável. Dessa forma, se mostra perfeitamente razoável que essa medida preparatória seja realizada também na modalidade on-line.
Assim, a indisponibilidade pode ser realizada sem o conhecimento do devedor, antes da sua citação, pois se assemelha às medidas cautelares preparatórias. É possível alcançar esse mesmo raciocínio a partir da análise do art. 799, III, do Código de Processo Civil, o qual incumbe ao exequente o pleito de medidas urgentes.
Logo, o arresto de bens de devedor não encontrado, incluído o saldo bancário, assim como a indisponibilidade dos ativos financeiros, podem ser postulados pelo exequente em caráter urgente. Em verdade, a indisponibilidade dos ativos nada mais é que uma modalidade de medida de caráter antecedente, preparatória à penhora.
Por conseguinte, em relação à indisponibilidade, o ato deve ser determinado pelo juiz sem dar ciência prévia ao executado, após requerimento do exequente, mas antes de efetivar a penhora e antes da citação. O devedor somente será intimado, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado, após tornados indisponíveis ativos financeiros existentes em seu nome, para então manifestar-se (art. 854, §2°).
Se o executado permanece silente ou se rejeitada sua insurgência contra a indisponibilidade, a penhora propriamente dita é efetivada, com a transferência da quantia da conta do executado para conta do juízo, sem necessidade de lavratura de termo (art. 854, §5°).
Se verificado que a indisponibilidade se deu sobre valor excessivo, o juiz deve determinar o seu cancelamento (art. 854, §1°). Também deverá ser cancelada se realizada indevidamente sobre quantias impenhoráveis. O cancelamento da indisponibilidade irregular deve ser feito de forma imediata e pode ser determinado de ofício pelo juiz. Se realizado de forma equivocada, inúmeros podem ser os transtornos do executado, que inclusive poderá pleitear eventuais perdas e danos.
O código ainda trata da responsabilidade da instituição financeira responsável por eventuais prejuízos causados a parte executada em decorrência da indisponibilidade irregular ou do seu não cancelamento no prazo determinado pelo magistrado (art. 854, §8°).
Sendo efetivada a penhora sem insurgência da parte executada ou se rejeitada sua defesa, o juiz deve determinar o a expedição de mandado de levantamento ou a transferência eletrônica da quantia em depósito em favor do exequente, nos moldes do art. 906 do Código de Processo Civil. Com o recebimento do mandado de levantamento, o exequente deve dar a quitação da quantia paga por termo nos autos. Havendo adimplemento total, a execução deve ser extinta pela satisfação da obrigação, sendo que a extinção apenas produzirá efeitos se declarada por sentença.
(IN) EXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E SUAS VERTENTES NAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL
A partir da leitura art. 854 do Código de Processo Civil, surgem algumas indagações acerca da existência ou não de ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, princípios máximos consagrados pelo novo texto processual.
Em que pese a normativa disponha expressamente que a indisponibilidade deva ser determinada sem dar ciência previa ao devedor, o mesmo diploma prevê que compete ao juiz zelar pelo contraditório (art. 7° do CPC). O princípio também foi consagrado pela Convenção Americana de Direitos Humanos como garantia judicial (art. 8° do Pacto de São José da Costa Rica), sendo considerado direito fundamental pela Constituição Federal (art. 5°, LV).
A noção do contraditório, dentre outras coisas, abrange a participação das partes no desenvolvimento e resultado do processo. O princípio também se relaciona com a ideia da não-surpresa (art. 10 do CPC) e de cooperação (art. 6° do CPC).
No processo executivo, o contraditório é eventual, não amplo, pois a parte é citada (ou intimada, a depender da modalidade de execução) para cumprir a obrigação, não para defender-se através de teses meritórias. As partes devem ser cientificadas dos atos processuais porque necessitam manifestar-se antes da prolação do manifesto judicial, devendo fazê-lo mediante a apresentação de defesas executivas típicas ou atípicas.
Considerando que exista um processo de conhecimento tramitando em face de determinada pessoa, quando prolatada sentença condenatória, a parte requerida já imagina que em algum momento o credor buscará a satisfação da obrigação através do cumprimento de sentença. Dessa forma, existindo uma demanda em andamento, cabe questionar o porquê a indisponibilidade dos ativos financeiros deve ser realizada sem ciência prévia do executado quando o mesmo já tem conhecimento da existência do processo e de certa forma “espera” pelo requerimento executivo.
Indaga-se, assim, se esse ato inicial de indisponibilidade, quando realizado sem dar ciência previa ao executado, enquadra-se como hipótese de tutela de urgência ou tutela in re ipsa. Independente da natureza jurídica da decisão que determina a indisponibilidade dos ativos financeiros do executado, ressalte-se que a concessão de medidas provisórias no processo executivo é plenamente é admitida, pois haverá contraditório em prol da efetividade da tutela jurisdicional.
É necessária uma avaliação entre os princípios consagrados no ordenamento jurídico, uma vez que a efetividade da tutela também surge do texto constitucional. Na execução, deve-se levar em conta interesse do credor, que procura a satisfação da obrigação não adimplida. O contraditório postergado se justifica, muitas vezes, porque o exequente demonstra a necessidade de concessão de medida antecipatória.
Dessa forma, deve-se utilizar o princípio da proporcionalidade quando da ponderação entre os princípios que estiverem em conflito, pois entre eles não há hierarquia, aplicando-se, assim, a norma do art. 489, § 2º, do CPC.
INDISPONIBILIDADE DOS ATIVOS FINANCEIROS COMO TUTELA DE URGÊNCIA OU TUTELA IN RE IPSA
Há tutela jurisdicional se houver resultado. Logo, há tutela provisória quando proferida decisão que gere um resultado, ainda que não seja definitivo.
O Código de Processo Civil separa as tutelas provisórias das definitivas. As provisórias dividem-se em tutelas de evidência e tutelas de urgência. As de urgência subdividem-se em cautelar e antecipatória. A decisão de tutela de urgência está dentre as hipóteses que pode ser proferida sem manifestação anterior das partes (inciso I, parágrafo único do art. 9º do CPC), quando evidenciada a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300 do CPC).
Feitas tais considerações, cabe refletir acerca da natureza jurídica da decisão que determina a indisponibilidade dos ativos financeiros. A penhora on-line fundada em decisão liminar é perfeitamente possível, não havendo qualquer vedação no texto legal.
Assim ocorre nas ações de medicamentos, por exemplo, em que o bloqueio de dinheiro em conta é extremamente utilizado como medida liminar. O particular postula o bloqueio de verbas em conta do ente público a fim de garantir o acesso à tratamento de saúde. Assim, é indubitável que o bloqueio de dinheiro pode ser concedido liminarmente, mesmo porque pode ser utilizado como medida de coerção, de forma a obrigar que o Estado ofereça um serviço ao particular.
De outro lado, é possível admitir que o bloqueio na esfera executiva, considerado o ato constritivo, pode ser avaliado como tutela in re ipsa, ou seja, própria do processo executivo.
Admitindo-se que a decisão que determina a indisponibilidade de ativos financeiros é tutela de urgência, não se fala em desrespeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Do contrário, haveria, sim, ofensa as normas fundamentais do Processo Civil.
Não há óbice à concessão de medidas provisórias de urgência inaudita altera parte quando a manifestação do réu não é impedida, mas apenas transferida a momento posterior à sua intimação. Mesmo porque as medidas dessa natureza podem ser revogadas pelo juiz a qualquer tempo, em qualquer fase processual. Se assim não fosse, as tutelas provisórias concedidas nos autos do processo de conhecimento além de serem inócuas, também estariam eivadas de ilegalidade.
A concessão de medidas provisórias se mostra razoável porque o contraditório não é excluído, mas postergado. Assim, “não se nega o contraditório, mas apenas se protela um pouco o momento de seu exercício” (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 35).
Há de se falar que o Código de Processo Civil preza pela fungibilidade entre as técnicas de urgência, objetivando a diminuição da complexidade inútil. Será aplicada quando houver dois ou mais meios para atingir o mesmo fim. Distingue-se da instrumentalidade das formas porque esta se aplica para facilitar o processo independentemente da lógica entre meios e fins. Quer dizer, para instrumentalidade, pode haver um meio só, mas o magistrado ainda assim poderá flexibilizar.
A fungibilidade é sinônimo de aproveitamento, não de conversão. A sua aplicabilidade é ponderada pelo princípio da razoabilidade, ou seja, será aplicada a fungibilidade entre técnicas urgentes se for razoável que não se exija o meio correto para a obtenção do resultado desejado.
O art. 305, parágrafo único, do Código de Processo Civil prevê que, no caso de o requerente postular pela cautelar ao invés da tutela antecipada, o juiz poderá observar o procedimento atinente a esta última. Apesar do dispositivo não prever expressamente o princípio da fungibilidade, exige a sua aplicação. Pela leitura literal do artigo, a fungibilidade apenas caberia em um sentido (da cautelar no lugar da antecipada), mas não no sentido inverso. Porém, o princípio pode ser sempre aplicável com fundamento constitucional, pelo princípio da proporcionalidade.
Pelo fato de que a disciplina do direito processual civil serve ao direito civil, é possível utilizar-se do princípio da fungibilidade para tolerar a má técnica processual eventualmente utilizada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, imperioso esclarecer que não se busca, nem de longe, abordar o assunto de forma a criticá-lo. Ao revés, é necessário interpretar a legislação de modo a melhor utilizá-la no exercício da prática processual, suprindo eventuais questionamentos que possam vir a conturbar o sistema jurídico brasileiro.
Apesar de algumas pequenas contradições contidas na legislação processual, é possível constatar que o objetivo do legislador é a efetivação de um processo célere e econômico, em conformidade e observância às normas fundamentais consagradas pela Constituição da República Federativa do Brasil.
Portanto, existem algumas disposições legais que fazem supor que a indisponibilidade de ativos financeiros deve ser realizada antes da citação. A indisponibilidade é ato preparatório à penhora, que deve ser realizado depois de recebida a inicial (no caso de execução de título extrajudicial) ou depois de recebido o requerimento executivo (no caso de cumprimento de sentença), mas antes da citação e, por isso, sem dar ciência prévia ao executado.
Conclui-se que o ato da indisponibilidade não afronta os princípios fundamentais, sobretudo porque o próprio Código de Processo Civil consagra as hipóteses em que o contraditório pode ser postergado.
Se considerar que a indisponibilidade e penhora devem ser realizadas após a citação, aumentam as chances de fraude. O executado, tomando ciência do processo executivo a que é submetido, pode simular insolvência e, assim, a tutela jurisdicional não se mostra eficiente de modo a satisfazer o interesse do credor.
Por outro lado, considerar que a indisponibilidade deve ser realizada depois do requerimento do credor, mas antes da citação, é mais uma forma para ver concretizado o princípio da satisfatividade.
Dessa forma, sob o ponto de vista da eficácia da norma processual, imperioso reconhecer que a indisponibilidade de ativos financeiros deve ser determinada pelo magistrado quando do deferimento do pedido do exequente, seja após recebimento da inicial ou do requerimento executivo, mas antes de efetivada a citação.
REFERÊNCIAS
MARINONI, Luiz Guilherme. Novo curso de processo civil : tutela dos direitos mediante procedimentos diferenciados, volume 3 / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento: Humberto Theodoro Júnior – Rio de Janeiro: Forense, 2010.
MOREIRA, T. Momento da indisponibilidade e penhora de ativos financeiros. Revista P@rtes.
[*] Advogada Especialista em Direito Processual Civil. tassia-rodrigues@hotmail.com.