Breve Resenha
Romance “A QUEDA” de Marcelo Pereira Rodrigues: O amor nesses tempos de infovias efêmeras e de sintonias enfermas…
“A desconfiança geral que entre outras coisas enseja o chamado pós-modernismo, também aprofunda o medo de mudança, e entra na filosofia como crítica da cultura ocidental, mudanças gerais sem saber se é uma forma de decadência ou se é um renascimento cultural. Os chamados pós-modernistas encaram uma ideia de ausência de valores, de vazio, do nada, e do sentido para a vida. A essência da pós-modernidade vem através das cópias e imagens de objetos reais, a reprodução técnica do real, significa apagar a diferença entre real e o imaginário, ser e aparência, ou seja, um real mais real e mais interessante que a própria realidade. Saturação, sedução, niilismo, simulacro, hiper-real, digital, desreferencialização, consideradas senhas para “nomear” o pós-moderno, e significa mudanças com relação à modernidade. O pós-modernismo é eclético, mistura várias tendências e estilos sob o mesmo nome, é aberto, plural e muda de aspecto se passamos da tecnociência para as artes plásticas, da sociedade para a filosofia, ou seja, ele flutua no indecidível. (-Pós-Modernismo, Renan Bardine)
-Você acaba de ler o portentoso romance A QUEDA de Marcelo Pereira Rodrigues, MPR Edições, 2017, 362 páginas, e com sabor de quero mais, fica encantado com o desfile do enredo todo, a carpintaria da estrutura da obra, fechando a cena aberta de um belo romance filosófico que assim também bem pós-moderno e atual, contemporâneo, quando e então nos faz sonhar (nesses tempos tenebrosos) com um outro novo tempo, talvez um neoexistencialismo, não porque apenas o inferno mora no desfecho, mas principalmente porque o inferno são os outros, citando Sartre.
-Já no início da obra, o autor cita Jonathan Franzen, que diz, resumindo “… escritores irão escrever não para ser heróis fora da lei, de alguma subcultura, mas, sobretudo para se salvar, para sobreviver como indivíduos”. Bingo, ou, quero dizer, eureca; essa é a ideia-testamento-lastro (e lume) que identifica, arvora e perpassa todo o livro, num existencialismo ou neoexistencialimo aflorado, com a narrativa trabalhando em cima de microensaios sobre um ou outro escritor de renome, como páginas de uma obra cult que valoriza a filosofia sobretudo e acima e sobre de todas as coisas.
-O ser e as circunstâncias. Uma noite de autógrafo, os personagens – vidas vazias, efêmeras, castrados de alguma forma – em páginas-vidas-livros, e o escritor vai abrindo o leque de cada vidinha terçã, na saga telúrica, cada vida-cruz, e assim vai tecendo em cenas, janelas, almas e abismos, como se o livro-vida de cada um estivesse muito além do chamado infinito particular, caindo para a miserabilidade dessa vida enferma, com um estatuto de medo, rejeição, contrastes, achismos, mesmices, sangria desatada, perdas e drenos.
-Medida as proporções, claro, de tempo, espaço e quadros cênicos, o romance A QUEDA lembra O Mundo de Sofia, mais o sangue cênico de páginas entintadas de um prisma sobrevivencial ou de outro, sempre se anelando aos pensadores, sentidores, filósofos, consagrados grandes mitos da literatura mundial, na obra evocados, dialogando com eles, escoando-os, ainda, nesses nossos tempos de muito outro e pouco pão. E o escritor Marcelo Pereira Rodrigues revela-se mestre no seu afazer de literatura pura, rara, plena e densa.
-A queda para baixo, a queda para o alto, a queda para dentro? Ah, os idiotas na web, os idiotas do ódio customizado, as infovias efêmeras, as vidas enfermas, mas peregrinações sócio-idiotizantes. Mentiras deslavadas de um, viagens pífias de outro, consumismos jecas, e achismos entre tantas mesmices. Tudo isso bem atual e contemporâneo; bem pós-moderno. Não há como se fugir do lugar que se está. Pior, ser, estar… permanecer… continuar… A existencialização dói. A ópera bufa da rotina vulgar… A verdade pode ser um livro aberto na página errada de uma vida. Se insurgir é preciso. Filosofar idem. Viver não faz sentido…
-Você entra na história e vai sabendo da vidinha de cada um, personagem falso-feliz, alegre-maluco, bizarro com poses, mais pompas, vazios existenciais, e fica sondando até onde vai esse romance insurgente. E acha graciosas pérolas literárias nele, de parágrafos, citações, revelações… Estamos todos sozinhos. Pior, muito pior, isolados. Isolados, mas em bandos… grupos, tribos, raves, e o sentido da vida o que é? Ladrão de nosso tempo de viver com e de com-viver… Ah, a arte (como libertação), a literatura como revelação, e o medo de (tanto) escuro dói, corrói, e fere a sobrevida de sermos e querermos parecer o que não somos. E, afinal, o que não sabemos do que pensamos que somos?
-Tendo assistido ao filme, depois comprado e lido o livro NATUREZA SELVAHGEM de David Thoreau, com o qual me identifiquei, e identifiquei toda uma geração ferida e mergulhada no caox existencial do parecer sem ser, captei a triste mensagem da citação da pg 211 do romance A QUEDA, quando diz: “Mais que amor, dinheiro e fama, dai-me a verdade”. Sim, caras pálidas, não estamos preparados para uma verdadeira inteira, profunda, incendiária.
-Que criança nunca pensou em plantar um pé de macarrão-gravatinha? Que jovem nunca pensou que iria mudar o mundo, e depois disso nunca mais se coube em si? Que adulto não achou que era melhor ter o espírito alegre da infância pueril e o sonho da estrada de tijolos amarelos que Elton John tão bem cantou? Não desafinar no baile da vida talvez seja a verdadeira ciência de sobreviver entre mundos e fungos, entre ícaros e ácaros, entre remos e lesmas. Viajar na batatinha como diz o ditado midiático. Dar maionese de viço ao pão nosso de cada dia. Ócios do ofício, talvez. Rir, amar, purgar, criar e vigiar, não necessariamente nessa ordem. Fernando Pessoa já dizia que o grande sentido da vida é não ter sentido algum. Já imaginou? Entre nadas e ninguéns, o que somos? O medo da verdade produz monstros…
-Talvez, de uma forma ou de outra, já estejamos todos mortos. Solidão-cadáver. Angústia mórbida. Olhamo-nos, e não nos reconhecemos em nós? O que somos, o que não somos? E livro expõe críticas, rasga feridas, revela o urdido olhar do narrador ferido de saber e de buscas. Filosofar, a que será que se destina? Entre a dor e a delícia de sermos o que somos (ou não somos) – Caetanear, por que não? – vamos esperando o final feliz do romance, nessa vida livre em que o tal bendito “final feliz” é que todos morrem ao fim da jornada de buscas, mas no decorrer da vida alguns encontram a trilha, a fé, o remorso; os subterrâneos do escuro paraexistencial, porque existir, quando saímos da barriga da mãe-ancestral, com as mesmas perguntações desde Homero, em busca da barriga da terra, é que vamos deixando nossas iscas e egoíscas nas barrigas de um livro para que todos – os outros! os outros! – acordem, rompam amarras, suportem, abram os olhos na zona de conforto, até porque, talvez, existir mesmo, é só isso, uma queda para esse mundo de dementes, e pior, muito pior, carcaças que ainda se reproduzirão…
Que a literatura portentosa nos proteja de nós e nos salve de nós, mesmo que seja numa fuga-ilha (queda), até porque, segundo Nietzsche, “a arte é o desejo de ser diferente e de estar em outro lugar”…
A Queda, de Marcelo Pereira Rodrigues, já nasceu um clássico.
Bravo!
Silas Correa Leite
Professor, escritor, autor de O LIXEIRO E O PRESIDENTE, Sendas Edições, Curitiba Pr, 2019
E-mail: poesilas@terra.com.br